13/07/2021 - 11:42
Efeitos colaterais graves de vacinas contra a covid-19 continuam sendo extremamente raros. Nos Estados Unidos, segundo as autoridades de saúde, menos de 0,001% das pessoas vacinadas tiveram reações extremas à vacina, tais como respostas alérgicas.
A maioria das pessoas apresenta reações leves que desaparecem após alguns dias, como febre baixa ou dores musculares. Especialistas em saúde dizem que isso é um sinal de que o corpo está trabalhando numa resposta imunológica e que a vacina provavelmente irá proteger contra infecções futuras.
Dados sugerem que mulheres têm muito mais probabilidade de apresentar efeitos colaterais do que homens – algo que reflete uma tendência ao longo da história da vacinação.
Imunidade feminina pode ser diferente
Em junho, o governo suíço divulgou dados mostrando que 68,7% dos efeitos colaterais relacionados a vacinas contra o coronavírus foram reportados por mulheres. Nos EUA, esse percentual foi de 79,1% para as primeiras 13,7 milhões de doses aplicadas – 61,2% das quais foram ministradas em mulheres. Já na Noruega, no início de abril, a taxa era de 83% entre 722 mil pessoas vacinadas.
Esses são apenas alguns exemplos. Dados sobre os efeitos colaterais em mulheres são escassos.
Os dados disponíveis, porém, não surpreendem Maria Teresa Ferretti, neuroimunologista da Universidade Médica de Viena. Fundadora de uma organização sem fins lucrativos chamada Women’s Brain Project, Ferretti aponta que já é sabido que homens e mulheres reagem de maneiras diferentes à vacinação.
“Por causa de vacinas contra outros vírus, sabíamos que mulheres tendem a produzir mais anticorpos quando são vacinadas, o que significa que também tendem a ter mais efeitos colaterais”, disse à DW.
Um estudo abrangendo 26 anos, de 1990 e 2016, descobriu que 80% das reações anafiláticas em adultos às vacinas ocorreram em mulheres.
Mulheres também apresentaram quatro vezes mais chances de relatar uma reação alérgica à vacina contra a H1N1, usada durante a pandemia de gripe suína de 2009.
Outra pesquisa sugeriu que os hormônios sexuais podem influenciar o sistema imunológico humano. Uma resposta imunológica mais robusta também é o motivo pelo qual mais mulheres tendem a desenvolver doenças autoimunes do que homens – o corpo fica acelerado, atacando até mesmo o que não deve.
Intersecção entre sexo biológico e gênero
Essa diferença faz parte de um quadro mais amplo de como sexo biológico e gênero influenciam nossa saúde, diz Rosemary Morgan, pesquisadora de gênero e saúde da Escola de Saúde Pública Johns Hopkins Bloomberg, nos Estados Unidos.
Enquanto as mulheres são mais propensas a sofrer maiores efeitos colaterais com as vacinas, os homens têm maior probabilidade de serem hospitalizados por casos graves de covid-19, e mais homens morrem em decorrência da covid-19.
Fatores biológicos afetam nosso sistema imunológico. O sistema imunológico masculino, por exemplo, tem características que não se aplicam necessariamente ao corpo feminino. A testosterona, por exemplo, pode ter um efeito imunossupressor.
Mas o gênero – considerado uma construção social – também pode afetar o comportamento das pessoas e o acesso aos cuidados de saúde.
Os homens, por exemplo, aprendem socialmente que devem reprimir a dor e, como resultado, podem ser menos inclinados a relatarem reações adversas. Além disso, aponta Morgan, estudos apontam que homens são menos propensos a usar máscaras e lavar as mãos.
“Se juntarmos isso com o risco biológico que eles naturalmente carregam, tal intersecção complexa acaba contribuindo para a maior vulnerabilidade dos homens à covid-19”, diz a pesquisadora.
Dados sobre a suscetibilidade de indivíduos intersexuais, não binários e transgêneros ao coronavírus são limitados, mas algumas pesquisas sugerem que a discriminação contra gênero e minorias sexuais pode significar que eles sejam desproporcionalmente afetados pela enfermidade. E é possível que isso ocorra no mundo todo. Pesquisas sugerem que certos grupos de pessoas estão sendo excluídos dos serviços vitais de saúde.
Mulheres, intersexuais, não binários e trans negligenciados pelas pesquisas
Ferretti avalia que os pesquisadores deveriam considerar os efeitos da exclusão e discriminação ao desenvolver vacinas, medicamentos e os estudos correspondentes para testá-los – seja para a covid-19 ou para qualquer outra doença. “Seria de se supor que eles considerassem esses [fatores]. Mas isso não parece acontecer”, diz ela.
Um estudo publicado em julho na revista Nature Communications constatou que apenas 4% de um conjunto de quase 4,5 mil estudos clínicos sobre tratamentos para a covid-19 relataram planos de considerar o papel desempenhado por sexo e/ou gênero.
Os estudos variaram desde ensaios clínicos de vacinas e medicamentos até estudos observacionais que examinaram os efeitos do lockdown na saúde mental e no acesso aos cuidados de saúde.
Apenas um estudo analisou especificamente o impacto do coronavírus em pessoas trans. Algumas pesquisas envolveram apenas mulheres e trataram sobretudo de covid-19 durante a gravidez.
Dos 45 ensaios clínicos randomizados e controlados publicados até dezembro de 2020, apenas oito referiam-se a sexo e/ou gênero.
Sabine Oertelt-Prigione, pesquisadora de gênero e saúde do Centro Médico da Universidade Radboud, na Holanda, diz que há muita pressão para que os cientistas publiquem resultados rapidamente.
“Os pesquisadores às vezes temem que analisar as diferenças de sexo em um estudo pode significar mais participantes e tempos maiores de recrutamento para alcançar as metas”, disse Oertelt-Prigione.
Essa divisão por sexo e gênero também é frequentemente negligenciada nas contagens rotineiras de casos de infecção e vacinações.
O projeto Sex, Gender & Covid-19 (Sexo, Gênero e Covid-19), um rastreador global de pesquisas específicas de sexo elaborado por uma organização sem fins lucrativos chamada Global Health 50/50, mostra que apenas 37% dos países reportaram óbitos especificando o sexo dos indivíduos, e 18%, dados de vacinação diferenciados por sexo no mês de junho de 2021.
Corpo masculino como “ser humano padrão”
“Ao longo da história, faltam análises de sexo e gênero na pesquisa médica e clínica”, aponta Morgan. Ela lembra que, nos Estados Unidos, foi somente em 1993 que a inclusão das mulheres nos ensaios clínicos se tornou obrigatória.
Supostamente, isso se devia a um temor dos pesquisadores de que os hormônios femininos distorcessem os resultados. Para evitar que isso acontecesse, eles usavam então o corpo masculino como um “ser humano padrão” na pesquisa médica.
Acima de tudo, diz Morgan, isso significa que muitos medicamentos são dosados exclusivamente para homens. E também que os médicos não podem prescrever com segurança a dose correta de medicamentos para pacientes do sexo feminino, por exemplo. Isso significa ainda que não podemos afirmar com certeza se uma mulher hesita em receber a vacina contra covid-19 devido aos potenciais efeitos colaterais.
“Temos uma abordagem única de dosagem para todos, mas isso não é necessariamente adequado para as mulheres”, diz Morgan.
Ferretti diz que se trata de “medicina superficial” – uma frase cunhada pelo cardiologista americano Eric Topol. E acrescenta que é preciso mudar, que precisamos ir mais fundo: “Estamos presumindo que todos os pacientes são mais ou menos iguais. Mas eles não são.”