26/10/2022 - 11:01
Dormimos em média um terço do nosso tempo. Mas o que o cérebro faz durante essas longas horas? Usando uma abordagem de inteligência artificial capaz de decodificar a atividade cerebral durante o sono, cientistas da Universidade de Genebra (Suíça,) conseguiram vislumbrar o que pensamos quando dormimos. Seu estudo foi publicado na revista Nature Communications.
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Ao combinar imagens de ressonância magnética funcional (fMRI) e eletroencefalografia (EEG), a equipe da Universidade de Genebra fornece evidências sem precedentes de que o trabalho de separar as milhares de informações processadas durante o dia ocorre durante o sono profundo. De fato, nesse momento, o cérebro, que não recebe mais estímulos externos, pode avaliar todas essas memórias para reter apenas as mais úteis. Para isso, estabelece um diálogo interno entre suas diferentes regiões. Além disso, associar uma recompensa a uma informação específica estimula o cérebro a memorizá-la em longo prazo.
Os resultados abrem pela primeira vez uma janela para a mente humana durante o sono.
Papel importante
Na ausência de ferramentas capazes de traduzir a atividade cerebral, o conteúdo de nossos pensamentos enquanto estamos adormecidos permanece inacessível. No entanto, sabemos que o sono desempenha um papel importante na consolidação da memória e no controle emocional: quando dormimos, nosso cérebro reativa o rastro da memória construída durante o dia e nos ajuda a regular nossas emoções.
“Para descobrir quais regiões do cérebro são ativadas durante o sono, e para decifrar como essas regiões nos permitem consolidar nossa memória, desenvolvemos um decodificador capaz de decifrar a atividade do cérebro no sono profundo e a que corresponde”, explicou Virginie Sterpenich, pesquisadora do laboratório da professora Sophie Schwartz no Departamento de Neurociências Básicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Genebra e investigadora principal deste estudo. “Em particular, queríamos ver até que ponto as emoções positivas desempenham um papel neste processo.”
Durante o sono profundo, o hipocampo (estrutura do lobo temporal que armazena traços temporários de eventos recentes) envia de volta ao córtex cerebral as informações que armazenou durante o dia. Estabelece-se um diálogo que permite a consolidação da memória ao repetir os acontecimentos do dia e, portanto, reforça o vínculo entre os neurônios.
Combinação de ferramentas
Para conduzirem o experimento, os cientistas colocaram voluntários em ressonância magnética no início da noite e os fizeram jogar dois videogames. Um era um jogo de reconhecimento facial; o outro, um labirinto 3D de onde a saída deve ser encontrada.
Esses jogos foram escolhidos porque ativam regiões cerebrais muito diferentes e, portanto, são mais fáceis de distinguir nas imagens de ressonância magnética. Além disso, os jogos eram manipulados sem o conhecimento dos voluntários, de forma que apenas um dos dois jogos pudesse ser vencido (metade dos voluntários venceu um e a outra metade venceu o segundo), de modo que o cérebro associasse o jogo vencido a uma emoção positiva.
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Os voluntários então dormiram no aparelho de ressonância magnética por uma ou duas horas – a duração de um ciclo de sono – e sua atividade cerebral foi registrada novamente. “Combinamos eletroencefalograma (EEG), que mede os estados de sono, e ressonância magnética funcional, que tira uma foto da atividade cerebral a cada dois segundos, e então usamos um ‘decodificador neuronal’ para determinar se a atividade cerebral observada durante o período de jogo reaparecia espontaneamente durante o sono”, explicou Sophie Schwartz.
Gosto por recompensa
Comparando imagens de ressonância magnética das fases de vigília e sono, os cientistas observaram que, durante o sono profundo, os padrões de ativação do cérebro eram muito semelhantes aos registrados durante a fase de jogo. “E, muito claramente, o cérebro reviveu o jogo ganho e não o jogo perdido ao reativar as regiões usadas durante a vigília. Assim que você vai dormir, a atividade cerebral muda. Gradualmente, nossos voluntários começaram a ‘pensar’ nos dois jogos novamente, e quase exclusivamente sobre o jogo que ganharam quando entraram em um sono profundo”, disse Virginie Sterpenich.
Dois dias depois, os voluntários realizaram um teste de memória: reconhecer todas as faces do jogo, por um lado, e encontrar o ponto de partida do labirinto, por outro. Aqui, novamente, quanto mais as regiões do cérebro relacionadas ao jogo foram ativadas durante o sono, melhores foram os desempenhos da memória. Assim, a memória associada à recompensa é maior quando é reativada espontaneamente durante o sono.
Com este trabalho, a equipe de Genebra abre uma nova perspectiva no estudo do cérebro adormecido e do incrível trabalho que ele realiza todas as noites.