20/07/2021 - 10:03
Após inundações devastadoras no oeste da Alemanha, especialistas discutem o que pode ser feito para reduzir riscos de desastres futuros. Ideias vão de construções mais resistentes a cidades-esponja.As inundações extremas no oeste da Alemanha e na vizinha Bélgica mataram quase 200 pessoas, e dezenas ainda estão desaparecidas. Com as operações de resgate ainda em andamento, as conversas agora se voltaram para como as comunidades podem se preparar para os eventos climáticos extremos, que devem se tornar mais prováveis com as mudanças climáticas.
Em uma visita à área do desastre, Armin Laschet, o governador do estado alemão duramente atingido da Renânia do Norte-Vestfália, disse que mais precisa ser feito para proteger a população dos efeitos da crise climática. “Seremos confrontados com tais eventos repetidamente, e isso significa que precisamos acelerar as medidas de proteção climática, nos níveis europeu, federal e global”, alertou.
Mas especialistas como Lamia Messari-Becker, professora de engenharia civil da Universidade de Siegen, especializada em construção e design sustentáveis, dizem que agora não é o momento de se falar vagamente sobre adaptação às mudanças climáticas. “Agora é a hora dos engenheiros”, diz. “Precisamos de ajuda real, ideias, soluções. Não podemos confiar em processos ou procedimentos normais agora. Estamos lidando com uma situação excepcional.”
O governo alemão já anunciou um pacote de ajuda financeira para apoiar a enorme tarefa de reconstruir propriedades privadas e a infraestrutura pública, como estradas, rodovias e redes de comunicação e energia.
Reconstruindo melhor
Quando se trata de adaptar edifícios para resistir a enchentes, Messari-Becker traça paralelos com a arquitetura resistente a terremotos. Em tais edifícios, a profundidade da fundação, o projeto estrutural e materiais de construção são escolhidos especificamente para serem capazes de lidar com inundações extremas. Muitas casas desabadas nas regiões mais afetadas tinham centenas de anos, construídas em torno de uma estrutura de madeira incapaz de suportar massas de água.
“É exatamente assim que temos que operar aqui, quando estamos lidando com tamanha quantidade de água”, ressalta. “Precisamos reforçar os porões para que eles também possam se encher de água, e as pessoas possam chegar rapidamente à segurança. Também são importantes aqui medidas de reforço para paredes externas, para telhados.”
Boris Lehmann, professor de engenharia hidráulica da Universidade Técnica de Darmstadt, lembra que medidas como válvulas de retenção em conexões de esgoto, que evitam que as enchentes voltem para as casas, e impermeabilização de janelas e portas nos níveis mais baixos dos edifícios também são essenciais.
“Nossas avaliações de danos mostram que medidas de precaução privadas podem reduzir significativamente os danos causados por enchentes”, relata Annegret Thieken, professora que se concentra em pesquisas sobre riscos naturais na Universidade de Potsdam.
Ela também aponta a necessidade de se proteger elementos potencialmente destrutivos, como tanques de combustível usados para aquecer casas. “O óleo combustível pode penetrar profundamente na alvenaria e também danificar prédios vizinhos”, explica. “Em casos severos, os danos do óleo podem tornar os edifícios inabitáveis. A proteção contra inundações pode evitar que os tanques de óleo subam dos porões, reduzindo os danos aos edifícios e ao meio ambiente.”
Cidades à prova de intempéries
Não é suficiente focar apenas em edifícios. As cidades e outras áreas urbanas precisam pensar em controlar a água antes que ela tenha a chance de inundar os porões, reforçando os reservatórios e represas que podem ajudar a absorver as torrentes repentinas.
As enchentes da semana passada mostraram que pequenos riachos em vales estreitos, onde a água não tem muito espaço para se espalhar – como na devastada região de Ahr, ao sul de Bonn – podem se transformar em enxurradas mortais em poucas horas. Nesses lugares, segundo Messari-Becker, represas e diques precisam ser erguidos e expandidos para proteger melhor as cidades de altos níveis de água.
Ela alerta, no entanto, que isso não é barato – simplesmente ampliar um dique, por exemplo, pode custar pelo menos 1 milhão de euros (R$ 6,2 milhões) por quilômetro. “E quanto mais estreito é um vale, mais caras são essas medidas”, acrescenta. “Para proteger a infraestrutura de maneira eficaz contra esses eventos extremos, o projeto atual de nossos sistemas de gerenciamento de água e engenharia hidráulica não é suficiente – como mostram as atuais calamidades”, diz Lehmann.
Trabalhando com a natureza, e não contra ela
Devido à impossibilidade de se reformar e reforçar todas as estruturas urbanas, planejadores e engenheiros afirmam ser necessário encontrar maneiras de trabalhar com o mundo natural, em vez de tentar controlá-lo. Sempre que possível, segundo Messari-Becker, deve-se permitir que os cursos de água fluam como a natureza pretende, sem serem alterados ou retificados. “Isso concentra e acelera ainda mais os volumes de água durante uma enchente”, diz.
Em vez de se confinar os rios, os diques devem ser movidos de volta, para abrir espaço para planícies aluviais – espaços verdes abertos que podem servir como reservatórios de transbordamento durante as enchentes. Esses locais foram expandidos ao longo do rio Elba, no leste da Alemanha, após vários eventos de enchentes destrutivas no início dos anos 2000.
Outra abordagem é tornar as áreas urbanas mais permeáveis, para que a água seja mais facilmente absorvida em uma área mais ampla e não se concentre em pontos específicos. De acordo com a Agência Federal do Meio Ambiente da Alemanha, 45% das áreas residenciais e de tráfego da Alemanha já foram cobertas com concreto ou asfalto. Como resultado, a água não consegue penetrar naturalmente no solo, levando a sistemas de esgoto a transbordar e aumentar o risco de inundações.
A cidade de Leichlingen, a sudeste de Düsseldorf, foi atingida por inundações severas várias vezes nos últimos anos, inclusive na semana passada. Para aliviar o estresse na gestão da água, eles pretendem fazer uso de um novo modelo de planejamento conhecido como “cidade-esponja”.
A ideia é canalizar a água da chuva de telhados, praças e ruas para valas cobertas de grama ao lado das ruas. O excesso de água poderia então ser drenado naturalmente e adicionado ao lençol freático local, reduzindo a carga sobre a infraestrutura de gerenciamento de água. Cisternas de reserva também seriam instaladas para coletar o excesso e poderiam ser usadas para regar os espaços verdes da cidade.
Preparando a população para o pior
Melhorar a infraestrutura e os sistemas de gerenciamento de água não adiantará muito se a população não souber como reagir diante de uma parede de água. É por isso que Lehmann, da Universidade Técnica de Darmstadt, enfatiza a necessidade de uma maior conscientização pública.
“Especialmente no caso de inundações repentinas causadas por condições meteorológicas extremas, não há apenas muita água, também há uma grande quantidade de detritos flutuantes, lixo e outras coisas se movendo com a água”, diz, acrescentando que as pessoas que entram nessas águas correm o risco de se afogar e serem esmagadas. Ele afirma que campanhas contínuas de educação são necessárias para ensinar o público como reagir em situações extremas – por exemplo, como escapar de um carro preso em uma corrente.
“'Fuja da água e fique em segurança o mais rápido possível' – devemos começar a ensinar essas regras de conduta já no ensino fundamental”, sublinha. “Em caso de emergência, isso pode salvar vidas.”
Em casos extremos, as pessoas terão que reconsiderar onde estão morando. Em vez de reconstruir no mesmo local, alguns podem ser forçados a ir para terras mais altas, longe de zonas de inundação potencialmente perigosas. Algumas áreas podem não ser mais sustentáveis.
“Mas se os investimentos necessários em medidas de proteção forem feitos de forma rápida e eficaz agora, pode não ser tarde demais”, diz Messari-Becker.