01/07/2016 - 17:14
Se antes a televisão era a estrela da maioria dos lares brasileiros, hoje ela pode passar várias horas desligada. Se algumas décadas atrás ela era o centro da sala de estar e reunia toda a família à sua volta, hoje disputa espaço com celulares, tablets e computadores. Não é raro ver, em uma residência, cada pessoa entretida com um dispositivo diferente, cada uma assistindo a um conteúdo distinto.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2014, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de casas com acesso à internet por tablet, celular e televisão cresceu 137,7%, de 3,6 milhões em 2013 para 8,6 milhões em 2014. Mas a televisão tradicional não está morta. O aparelho continua sendo a fonte mais importante de entretenimento nos lares, com uma taxa de penetração de quase 100%. No entanto, as emissoras precisam se reinventar para sobreviver.
Elas já demonstraram ser capazes disso quando a TV paga surgiu – no Brasil, isso aconteceu no início de década de 1990. Na época, aficionados por filmes e séries comemoraram. Afinal, era um serviço de transmissão de programas 24 horas por dia, sem intervalos comerciais. Vinte e poucos anos depois, muita coisa mudou. Hoje em dia, são comuns reclamações sobre os valores dos pacotes, o excesso de propaganda e a repetição dos programas.
Segundo um levantamento da empresa de pesquisas MeSeems, feito em março com 1.000 pessoas de todo o Brasil, 55% dos assinantes de TV paga consideram o valor do serviço muito caro pelo conteúdo oferecido e 26% pretendem cancelá-lo nos próximos seis meses. Outros 33% estão na dúvida entre cortar o serviço ou não. Entre os que pretendem cancelar, 45% pensam em assinar a Netflix, o serviço de transmissão de filmes e séries por streaming mais popular do mundo.
Enquanto isso, as operadoras de TV por assinatura procuram abocanhar mais fatias desse mercado. Recentemente, empresas como Vivo e NET, que são provedoras tanto de internet fixa quanto de TV, anunciaram que pretendem passar, em um futuro próximo, a estabelecer um limite na quantidade de dados dos planos de internet, como as operadoras de celular fazem com internet móvel. Quem passasse dos limites deveria comprar mais pacotes de dados ou teria a velocidade do serviço reduzida.
Esse modelo praticamente inviabilizaria que os consumidores passassem horas e horas vendo filmes pela internet. “Vídeo consome muita banda de internet. Essa seria uma maneira de as empresas ganharem em cima desse conteúdo”, afirma Drica Guzzi, doutora em comunicação e semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e coordenadora na Escola do Futuro da Universidade de São Paulo (USP).
Em abril, o presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), João Resende, declarou concordar com o ponto de vista das operadoras e disse que a era da internet ilimitada no Brasil havia acabado. Esse posicionamento gerou uma pronta reação de órgãos de defesa do consumidor e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), baseados em um artigo no Código de Defesa do Consumidor segundo o qual não se permite “condicionar o fornecimento de produto ou de serviço, sem justa causa, a limites quantitativos”.
No dia 18 de abril, uma medida cautelar da Anatel impediu temporariamente as operadoras de diminuir a velocidade ou suspender a prestação do serviço de banda larga após o fim da franquia prevista. A decisão valeria até essas empresas colocarem à disposição dos consumidores ferramentas que lhes possibilitem, por exemplo, acompanhar o uso de dados de seus pacotes – o que poderá acontecer dentro de alguns meses. Como nada está definido, o assunto ainda vai dar muito pano para manga.
Menos TV, mais tablet
No mundo todo, pesquisas mostram que o público passa cada vez menos horas vendo TV. De acordo com um levantamento feito em 2015 pela empresa de consultoria Accenture em dez países, a televisão caiu 13% na preferência entre os dispositivos escolhidos para acessar conteúdo digital. No caso da faixa etária entre 14 e 17 anos, essa queda foi ainda maior: 33%.
Mas a debandada não acontece apenas entre os mais novos. A costureira aposentada Marlene Ragazzi, de São Paulo, está antenada com as novas tecnologias. Aos 78 anos, a voraz consumidora de novelas mexicanas tem deixado a TV desligada por cada vez mais tempo e assiste aos seus folhetins pelo tablet, usando a Netflix ou o YouTube. “Antes, se eu saía, perdia os capítulos. Me privava de ir aos lugares”, diz. “Agora tenho mais liberdade, assisto só ao que eu gosto”, afirma.
Marlene usa dois tablets, um da filha e outro da neta, com quem vive, para ver seus programas favoritos. Ela se reveza entre os dois aparelhos para manter um deles sempre carregado e nunca ficar na mão. Além das novelas, gosta de ver entrevistas com atores mexicanos. “Às vezes eu levo o tablet quando saio. Quando a internet cai, fico apavorada”, diz. Há quatro aparelhos de televisão na casa da aposentada, mas ela afirma que eles ficam desligados a maior parte do tempo. As amigas dizem que Marlene está ficando bitolada, mas a noveleira nem liga. “Essa é a melhor coisa que já inventaram”.
Marlene representa uma tendência no consumo de entretenimento digital: a personalização cada vez maior dos conteúdos. “Com a diversidade de programas disponíveis hoje sob demanda, dá para a pessoa ir direto ao que ela gosta e em conteúdo de qualidade”, afirma Drica Guzzi.
O lado negativo de ter tantas opções de entretenimento digital é que os espectadores podem se sentir um pouco perdidos e até angustiados, com a impressão de que estão sempre perdendo alguma coisa. Mais ou menos como quando todos os seus amigos estão comentando o último capítulo de Game of Thrones e você, que não assiste a esse seriado, sente-se um peixe fora d’água. “É preciso baixar as expectativas”, observa Drica. “Concentre-se no que você está vendo, no que estimula, informa e emociona você, e não no que está perdendo”.
Outra ressalva a se fazer a respeito das novas tendências do consumo de TV atual é refletir se esse fenômeno não vai ampliar ainda mais as desigualdades de acesso à informação entre públicos de classes sociais diferentes. “Precisamos pressionar por mais investimentos do governo em infraestrutura, por políticas públicas que barateiem o acesso à banda larga e por mais concorrência no mercado”, diz Drica Guzzi.
Do meu jeito
A personalização do conteúdo, um dos aspectos mais fortes entre os consumidores modernos de entretenimento digital, vem atrelada a um desejo de controle por parte do usuário. Os consumidores querem decidir o que, quando e onde ver seus programas favoritos. Essa é uma das razões para a comerciante autônoma Juliana Rodrigues, 29 anos, acessar a Netflix em casa quase que com exclusividade.
Moradora de São Paulo e mãe de dois meninos, um de 4 e outro de 6 anos, ela sente que supervisiona melhor o que os filhos veem com o serviço de streaming do que com a TV. “Vemos o que queremos, quantas vezes e onde quisermos: no quarto, na sala, em viagens, no celular, no tablet, etc.”, afirma.
A família ainda mantém um pacote básico de TV paga, mas só liga o aparelho para assistir a alguma transmissão específica, como uma final de campeonato de futebol. Juliana pensa em, no curto prazo, cancelar seu pacote e assinar apenas um serviço de melhoria de sinal, para acessar canais abertos em HD, e poder manter seu combo de internet e telefonia fixa. “As operadoras dizem que não é venda casada, mas ficamos amarrados a elas”, diz.
Mas não dá para o mundo viver apenas da customização dos conteúdos de entretenimento digital. “A TV genérica tem seu valor, pois estabelece um diálogo mínimo na sociedade”, diz o cineasta, roteirista e escritor Newton Cannito, doutor em cinema pela Escola de Comunicação e Artes (ECA) da USP. Ou seja, a TV, principalmente a aberta, ajuda a aproximar pessoas que pensam de forma diferente, porque elas estão assistindo àquele mesmo conteúdo.
De acordo com Cannito, uma saída possível para as emissoras tradicionais enfrentarem a concorrência com seu conteúdo “de fluxo”, no jargão dos estudiosos da área, é investir mais em programação ao vivo, como noticiários, eventos esportivos e programas de auditório. Isso se contrapõe à programação “de arquivo”, sob demanda, que é mais própria das TVs por assinatura e de serviços de streaming.
Outro diferencial é aumentar a interatividade com o público. Alguns programas, como o MasterChef, da TV Bandeirantes, já fazem isso, ao transmitir na tela mensagens que os telespectadores enviam em tempo real pela rede social Twitter. No dia seguinte, a emissora disponibiliza o episódio na íntegra no YouTube. A Globo também tem tomado várias medidas para oferecer mais conteúdo por meio de aplicativos para tablets e smartphones.
Tudo ao mesmo tempo
Outro fenômeno recente detectado em pesquisas sobre o hábito de ver TV é o da “segunda tela”, que significa usar o smartphone, tablet ou computador enquanto se assiste a algum programa de TV, em geral para interagir com os amigos. De acordo com uma pesquisa da consultoria Arris, feita em 2014 com 10.500 consumidores em 19 países, 36% dos entrevistados usaram um segundo dispositivo para acessar informações ao vivo sobre o programa; 32% participaram de uma conversa de texto sobre o programa; e 21% participaram de uma conversa de voz usando um segundo dispositivo.
Ou seja, para conquistar a atenção dos telespectadores em meio a tantas opções de entretenimento e distrações, os produtores vão ter de elaborar atrações cada vez mais interessantes. “As emissoras precisam entender que são marcas, não apenas canais”, diz Newton Cannito. “Elas precisam ter a capacidade de fidelizar o público”, afirma. Vai ser uma briga cada vez mais acirrada.
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O fim do zapping
Por Renata Valério de Mesquita
O hábito de zapear por 200 canais está em extinção, alerta Mauricio Stycer, jornalista e crítico de televisão que está lançando o livro Adeus, Controle Remoto – Uma crônica do fim da TV como a conhecemos (Arquipélago Editorial). “O consumidor sabe o que quer e percebeu que não precisa pagar tanto para não assistir a quase nada. Isso deve levar as operadoras a oferecer pacotes mais práticos, baratos e adaptados ao gosto do cliente”, diz.
“A Netflix já é uma empresa consolidada, marcou uma revolução radical na forma de ver TV. Emissoras a la carte, como a HBO, também.” Outro forte motivo para se rever o formato de pacotes é o avanço da TV digital no país. “Quem tinha assinatura para assistir aos canais abertos com qualidade já não precisará mais disso”, diz Stycer.
Segundo ele, no exterior já se pode ver conteúdo feito para TV na hora e na plataforma que se quiser, via internet, e o Brasil segue a tendência, embora a banda larga não seja tão disseminada aqui. Ao mesmo tempo que os canais tradicionais migram seus conteúdos para a rede, porém, os novos formatos de produção independentes em plataformas como o YouTube ainda não descobriram como cobrir custos e remunerar, apesar de terem milhares de seguidores. “Acho curioso que algumas boas iniciativas desse tipo que nasceram no mundo virtual ainda tenham o sonho embutido de ir para a TV, como o grupo humorístico Porta dos Fundos.”
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Realidade virtual mais próxima
Depois de perder espaço para computadores, tablets e smartphones, a TV vai ter agora de dividir espaço com mais um concorrente no setor de entretenimento. O Oculus Rift chegou ao mercado americano no primeiro semestre deste ano prometendo ao usuário a experiência vívida de uma realidade virtual em 360 graus. O brinquedo é caro – custa cerca de US$ 600 (o preço inclui fones de ouvido, controle do console Xbox One, um conjunto de sensores e de softwares) –, mas significa diversão garantida sobretudo para quem gosta de jogos.
Mal chegou ao mercado e o Oculus Rift já sofria com um rival mais popular: o Samsung Gear VR, que aproveita como tela smartphones produzidos pela própria empresa sul-coreana (Galaxy Note 5, Galaxy S6, S6 Edge e S6 Edge+). O preço lá fora é de apenas US$ 99, mais o valor do celular. Tamanha diferença de preço implica, naturalmente, experiências de qualidade diversa. O Oculus Rift dá ao usuário um ângulo de 110° ou até maior; já no Gear VR, ele não passa de 90°.
A resolução das imagens também é melhor no Oculus Rift, mas não decepciona no Gear VR. O pacote de softwares à disposição dos usuários do Rift também permite a eles possibilidades mais variadas de diversão. Mas os dois aparelhos (que, aliás, são desenhados pela mesma empresa) já oferecem diversão suficiente para tirar mais uma fatia da audiência da TV tradicional.