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No norte do Chile está o deserto mais alto e seco do mundo: o Atacama. Com pouco mais de 1.000 km de extensão, cerca de 105 mil km2 de área total e 2.400 metros de altitude média, ele é extremamente árido. De um lado, as altas montanhas dos Andes formam uma extensa barreira e impedem que a umidade da Amazônia chegue lá. Do outro lado, as correntes de ar frio vindas do Oceano Pacífico até deixam a atmosfera úmida, mas as nuvens carregadas despejam a água na cordilheira costeira, antes de atingirem o deserto.

Viajando mundo afora, eu nunca havia me interessado pelo Atacama. Achava que, mais cedo ou mais tarde, essa viagem aconteceria, assim como tantas outras. E acreditava, erroneamente, que um deserto não ofereceria uma diversidade interessante de cenários e assuntos.

Partindo do aeroporto da cidade de Calama, ainda a caminho de San Pedro de Atacama, base para as atividades no deserto, fui caindo na real, maravilhado com a paisagem que se descortinava até perder de vista. E nenhum sinal de vegetação. “Mira, hombre, se lograr un árbol, te pago un pisco”, me disse, bem-humorado, o motorista que me levava. Não havia árvores em nenhum lugar e, portanto, ele não me pagou a bebida.

Chegando a San Pedro e vendo aquele céu imaculadamente azul, me pus a fotografar em ritmo acelerado. Alguém me perguntou: “Por que a pressa?” Quando respondi que queria aproveitar ao máximo aquele céu azul intenso, ele sorriu e disse: “Hombre, não te preocupes, esse céu é assim uns 360 dias por ano!” Nas regiões centrais dessa estreita faixa espremida entre o Oceano Pacífico, a oeste, e a cordilheira dos Andes, a leste, existem lugares onde jamais foi registrada uma chuva. O Atacama detém os mais baixos índices pluviométricos do planeta.

Como em tantos outros desertos, o Atacama apresenta enorme amplitude térmica. É frequente a temperatura atingir 40° C de dia e, à noite, cair para 0° C, ou menos. Se, por um lado, a baixíssima umidade ameniza a sensação de frio, em nada ajuda a aplacar o sufocante calor diário.

Base logística

A cidade mais conhecida da região é a poeirenta San Pedro de Atacama, com pouco mais de 3 mil habitantes, uma meca para turistas de todo tipo. Montanhistas, astrônomos, motociclistas, aventureiros, arqueólogos, fotógrafos e místicos do mundo todo visitam o Atacama. Existem atividades e desafios para os mais variados gostos – desde passeios amenos para famílias em férias até duras ascensões a picos de quase 6 mil metros de altitude, como o belíssimo Licancábur, de 5.917 metros, símbolo da região.

No passado, o Atacama foi habitado por aimarás e atacamenhos, povos ancestrais que deixaram um riquíssimo legado arqueológico. Múmias muito bem preservadas e diversos artefatos da época podem ser vistos no pequeno Museu Del Padre La Paige, em San Pedro de Atacama, e em outros museus chilenos.

Há distintos ecossistemas no deserto. Um deles é o intrigante Salar de Atacama, cujo solo branco se deve a uma espessa crosta salina depositada na superfície. Lagoas rasas – charcos salgados com menos de 30 cm de profundidade – são o habitat de centenas de flamingos de cor rosa vibrante, que se alimentam dos raros organismos que sobrevivem em uma água saturada de sal, como a artêmia, um diminuto crustáceo.

Nesse local, a água que vem dos Andes forma lagos azuis que espelham a paisagem exótica. Devido à secura, a água evapora mais rapidamente do que é reposta pela chuva, e os sais minerais permanecem. A vida nesses charcos salgadíssimos impregna de sal o corpo dos flamingos. Como sempre, a natureza acha uma solução: essas aves eliminam o excesso através de pequenos orifícios ao lado das narinas.

Além do flamingo, são poucas as espécies que habitam a área: apenas alguns mamíferos, aves e pequenos répteis. Espécie aparentada ao camelo, a lhama é o mamífero mais presente na paisagem desértica e o animal de maior porte da região, adaptada para resistir ao calor, ao frio e a escassez de água. Sua carne é muito apreciada pelas comunidades locais. Outro camelídeo, o guanaco, também marca presença constante na paisagem.

Também são poucas as plantas que evoluíram para sobreviver nesse cenário inóspito. A loma, gramínea que é um importante elemento do ecossistema local, vive da umidade das névoas eventuais, que se condensa nas superfícies das rochas e escorre para o solo. Essa neblina, a camanchacas, é formada durante o inverno pela Corrente de Humboldt, que esfria o ar quente originário do Pacífico.

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Paraíso dos astrônomos

A baixíssima umidade do ar, associada à atmosfera limpa, faz do Atacama um dos lugares mais propícios do mundo para observações espaciais. Astrônomos do mundo inteiro deslocam-se até lá e para usar observatórios como La Silla e Paranal. É um dos principais campos de observação para o desenvolvimento de pesquisas da Nasa, a agência espacial americana. Mesmo sem equipamentos, observar o céu do Atacama em noites sem Lua é uma experiência inesquecível.

A secura do ar na região é preciosa para arqueólogos, pois ajuda a manter artefatos e objetos produzidos há séculos em excelente estado de conservação. Pequenas cidades fantasmas nas áreas centrais do deserto, onde há séculos não mora ninguém, preservam a mesma aparência de quando foram abandonadas.

Partimos de San Pedro de Atacama às 3h da manhã, rumo a uma das maiores atrações locais, os gêiseres de El Tatio, a cerca de duas horas de carro. El Tatio é o maior conjunto de gêiseres do hemisfério sul e o terceiro maior do mundo. No caminho, avançando lentamente em uma van pea estrada esburacada, paramos para fotografar uma pequena planície à direita da estrada. Eram 5h da manhã, céu azul, como sempre, e as primeiras luzes surgiam no horizonte. Não havia vento e o termômetro marcava -18°C.

Mais uma hora e chegamos a El Tatio, onde a temperatura era de -13°C. A 4.200 metros de altitude, os efeitos do frio se fazem sentir de modo mais acentuado, sobretudo se considerarmos que San Pedro de Atacama está 2.400 metros acima do nível do mar. Como montanhista habitua­do a grandes altitudes e acostumado ao frio intenso devido a constantes visitas ao Ártico, não senti grande impacto, mas a acentuada rarefação do ar me deixou algo ofegante na primeira hora. Encontrei centenas de fumarolas, laguinhos e regatos de água quente, alguns ejetando vapor, formando um dos cenários mais intrigantes que eu já vira.

Amplitude térmica

Para ver os gêiseres em atividade, deve-se chegar a El Tatio antes das 6h da manhã, quando o Sol ainda está abaixo das montanhas. O campo de gêi­seres, plano, é circundado por uma cadeia de picos, que o mantém na sombra por mais tempo. Abaixo do solo, a poucas centenas de metros de profundidade, a atividade geotérmica é intensa, com enormes fluxos de água fervente, aquecida pelo magma subterrâneo.

Quando o Sol surge em El Tatio, a temperatura começa rapidamente a subir e os vapores se desfazem. A atividade continua a mesma, mas o vapor se forma mais abundantemente quando a água expelida do subsolo encontra temperaturas mais baixas na atmosfera. Às 10h da manhã, o termômetro já atingia 12°C – ou seja, 25°C acima do que quatro horas antes – e os vapores já haviam sumido.

A complexa hidrologia do subsolo em El Tatio, com suas vastas galerias meândricas de águas ferventes e frias, faz com que fontes próximas entre si tenham águas de temperaturas bem diferentes. Há pequenas lagoas onde as pessoas se banham em águas com temperatura de um banho bem quente; já em fissuras e buracos a poucos metros de distância, a água está em permanente ebulição.

O exótico Vale da Lua, formado por colinas e barrancos de sal e terra, é outro lugar muito procurado pelos viajantes. Caminhando por ele, eu ouvia o tempo todo estalidos contínuos, resultado da ação do Sol, que dilata as rochas de sal misturadas à terra. À noite, a dilatação cessa e reina absoluto silêncio.

As montanhas de cumes sempre nevados, por trás dos lagos rasos do Salar de Atacama, formam um cenário que também merece atenção. O espetáculo atinge o auge ao cair da tarde, quando a paisagem explode em tons de contrastes belíssimos. Um fenômeno natural notável ocorre a cada quatro ou cinco anos no Atacama: após alguma chuva ocasional, sementes que permaneceram latentes no solo por anos eclodem e rapidamente cresce uma vegetação rasteira que, por poucos dias, faz do deserto um verdadeiro tapete florido. É como se a vida vencesse o deserto estéril.

Ainda há muito a fazer pela preservação do Atacama. Apenas 1% da sua área protegida de fato. A mineração (o deserto tem enormes depósitos de cobre, além de outros minerais), que contamina as escassas reservas de água, é um perigo constante, e o impacto do aumento da densidade populacional ameaça as lomas e seu singular ecossistema.

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