11/10/2021 - 11:08
Se a inteligência artificial (IA) avança sobre o dia a dia moderno, ao menos a criatividade permanecia um bastião do cérebro humano. Porém, acumulam-se os indícios de que também este está caindo. Ou será que já caiu?
Depois que computadores concluíram composições incompletas de Gustav Mahler e Franz Schubert, chegou a vez da sinfonia “inacabada” de Ludwig van Beethoven (1770-1827). Ao morrer, ele deixou esboços, em parte apenas breves fragmentos, não elaborados, de sua Sinfonia nº 10. Uma tentativa do musicólogo e compositor inglês Barry Cooper de concluir o primeiro movimento teve recepção pouco entusiástica ao ser estreada em 1988.
Em meados de 2019, a companhia de telecomunicações Telekom, sediada em Bonn, cidade natal do compositor, encarregou uma equipe de musicólogos, compositores e informáticos de analisar e assimilar o estilo beethoveniano, de modo a estar apta a terminar a “Inacabada” com apoio da inteligência artificial.
Por ocasião dos 250 anos do nascimento do gênio musical alemão – devido à pandemia de covid-19, um pouco atrasado –, a obra híbrida foi estreada no sábado (09/10), dentro da programação do Beethovenfest de Bonn.
“Pensando” como Beethoven
No decorrer do projeto, dispositivos de inteligência artificial foram alimentados com esboços e anotações do músico no limiar do classicismo para o romantismo, assim como com partituras de seus contemporâneos.
“É preciso imaginar que Beethoven, no momento em que tinha novas ideias, as anotava. Às vezes como palavras escritas, às vezes como notas musicais”, explica Matthias Röder, diretor do Instituto Karajan de Salzburgo.
Partindo desse material, o chefe do projeto e sua equipe fizeram suposições: “Como Beethoven teria desenvolvido determinadas coisas?” Sua hipótese de trabalho era que, assim como a linguagem, a música se baseia em unidades que cabe aprender.
De modo análogo à rede neuronal do cérebro, o computador é capaz de criar novas conexões independentemente. Alimentado com sinfonias, sonatas para piano e quartetos de cordas de Beethoven, o sistema de IA foi progressivamente treinado para “pensar” como ele. Os resultados musicais que combinavam melhor entre si foram reintroduzidos no sistema, gerando mais música, e a composição foi crescendo.
“O que a inteligência artificial nos oferece é a possibilidade de experimentar a progressão de um movimento [de sinfonia] em 20, ou mesmo cem versões diferentes. E isso é infinitamente fascinante, pois se é bem feito algoritmicamente, cada tentativa é plausível”, comenta o professor Robert Levin, musicólogo da Universidade de Harvard.
“Cérebro humano e máquina não estão tão distantes”
Para a pesquisa, tais cooperações são muito estimulantes, fornecendo dados sobre como as máquinas podem assistir os seres humanos – ou mesmo imitá-los em atividades criativas.
“Queríamos entender melhor qual é o estado da tecnologia na geração de música”, relata Ahmed Elgammal, diretor do laboratório Art & AI da Universidade Rutgers University de Nova York e programador do sistema de inteligência artificial Beethoven-KI. E, usando módulos de processamento da linguagem natural, “procuramos testar os limites”.
O musicólogo Levin vê uma utilidade prática de tais projetos de pesquisa para os profissionais da música: “Pode-se dizer que o computador opera segundo algoritmos. Sim, mas o ser humano também trabalha com base em experiências ou em sua formação – eles não estão tão distantes entre si.”
A prova dos nove foi a estreia da nova Décima de Beethoven pela Orquestra Beethoven de Bonn, regida pelo diretor musical geral da cidade, Dirk Kaftan, no sábado, no Telekom Forum, sob o título Beethoven X – The AI Project (ouça abaixo o resultado final).
No fim das contas, cabe ao ouvinte atento e informado julgar até que ponto foi convincente a passagem da inspiração original beethoveniana para a elaboração pela inteligência artificial – e se o bastião da criatividade humana ainda está de pé.