01/04/2011 - 0:00
Se a humanidade tivesse um psicanalista, seu nome seria Jared Diamond. Ele não fuma cachimbo, não usa divã, é professor de geografia e de fisiologia na Universidade da Califórnia (EUA), domina línguas do Pacífico Sul e se dedicou durante décadas ao estudo da evolução dos pássaros. Talvez a versatilidade explique o sucesso dos seus livros – mais de 1,5 milhão de exemplares vendidos em dezenas de línguas.
Diamond une os pontos que conectam eventos e personagens díspares, como os conquistadores espanhóis e os povos maoris da Nova Zelândia, para entender o que está por trás das vitórias e derrotas da humanidade. Concluiu, por exemplo, que as sociedades se desenvolvem de modos distintos devido às suas peculiaridades ambientais, não genéticas. Assim, brancos indo-europeus dominaram a maior parte do mundo não por uma superioridade inata, mas porque vêm de regiões excepcionalmente generosas, em termos ecológicos.
Os europeus tiveram, por exemplo, acesso a espécies animais e vegetais fáceis de domesticar. Há dez mil anos, carneiros e cabras já pastavam à sombra das plantações de trigo e de oliveiras no Crescente Fértil, no Oriente Médio. O resto do mundo dependia da caça e da coleta, mas os ancestrais de iraquianos e sírios conseguiam acumular alimentos e, com isso, ganharam uma vantagem competitiva essencial. Graças ao desenvolvimento precoce da agropecuária, eles podiam se dar ao luxo de procriar à vontade, desenvolver tecnologias sofisticadas e organizar exércitos.
Mas, segundo Diamond, o que a natureza dá também pode tirar. Problemas ambientais foram responsáveis pelo desaparecimento de diversas civilizações. O próprio Crescente Fértil, que foi o primeiro celeiro agrícola da humanidade, hoje é coberto por desertos e solos erodidos e salinizados, impróprios para o plantio. A pouca chuva não permitiu que a terra se recuperasse de séculos de maus-tratos. “Foi um suicídio ecológico. Sem querer, eles destruíram os recursos ambientais de que sua sociedade dependia. Da mesma forma como a ascensão dessa região não se deu devido a alguma virtude especial de seu povo, a sua decadência também não se deve à sua cegueira especial”, afirma.
Essa linha de pensamento começou a tomar forma quando Diamond publicou O Terceiro Chimpanzé, em 1991, que acaba de ser lançado no Brasil pela Editora Record. Nele, discute como nós, humanos, com uma genética 99,3% idêntica à dos chimpanzés, alcançamos tamanha sofisticação. Essas diferenças mínimas teriam sido suficientes para diferenciar as nossas laringes e línguas, e isso permitiu que controlássemos os mecanismos da linguagem verbal. E falar, diz Diamond, é o que faz toda a diferença entre um humano e outros primatas.
Seis anos depois ele publicou Armas, Germes e Aço, que lhe deu o Pulitzer, principal prêmio literário norte-americano. Ali investigou o que levou certos povos a prevaleceram sobre outros. Como explicar que um punhado de espanhóis que desembarcaram no Peru – 600 soldados – tenha conseguido dominar milhares de guerreiros incas e uma sofisticada sociedade? No caso, responde, os espanhóis tinham uma tecnologia superior e carregavam microrganismos para os quais os incas não tinham resistência – vantagens derivadas, de uma forma ou de outra, também do meio ambiente onde sua civilização se originou.
O mais recente livro de Jared Diamond, Colapso, de 2005, faz o caminho inverso para investigar o lado dos perdedores. Por que certas civilizações simplesmente desaparecem? Segundo o autor, muitas maltrataram o meio ambiente e pagaram por isso. Para ele, as civilizações são derrotadas devido à destruição dos recursos naturais, à sua dificuldade de reagir diante de mudanças climáticas, à forma como se relacionam com seus vizinhos e também devido às suas idiossincrasias políticas e culturais, que as impedem de tomar decisões acertadas.
Apesar do sucesso editorial, Diamond, é claro, não está imune às críticas. Ele é acusado de ser excessivamente “politicamente correto” na sua campanha contra o racismo e de desconsiderar a importância da cultura na evolução das civilizações. Nessa entrevista a PLANETA, ele se defende das acusações, fala sobre como vê o futuro próximo do mundo e manifesta sua crença na nossa capacidade de resolver os problemas que nós mesmos criamos.
O sr. é um otimista que acredita que podemos resolver os problemas que criamos. Desde que o sr. escreveu O Terceiro Chimpanzé, há 20 anos, tanto os problemas ambientais quanto a conscientização da população aumentaram consideravelmente. O sr. vê uma mudança de rumo para o desastre ou para a redenção? Acho que a tendência continua a mesma: a humanidade enfrenta problemas sérios, problemas que nós mesmos causamos e que poderíamos deixar de causar se decidíssemos fazer algo nesse sentido. É como se assistíssemos a uma corrida de cavalos em que dois animais correm cabeça a cabeça. A velocidade aumenta num ritmo exponencial, sem um sinal claro de que um dos dois está efetivamente tomando a dianteira. É muito difícil saber quem vai ganhar. Da mesma forma, fica difícil discernir uma tendência na disputa entre os nossos problemas e soluções.
“As sociedades se desenvolvem de modo distinto devido às
suas peculiaridades ambientais, não genéticas”
O sr. sempre lembra que o crescimento populacional tende a multiplicar conflitos. Hoje, as taxas de natalidade estão caindo na maior parte do mundo. Podemos esperar que haja mais paz? Embora a taxa de natalidade esteja caindo, indivíduos de quase todas as sociedades consomem cada vez mais. No fim das contas, o volume de bens consumidos continua a crescer. Os conflitos tendem a aumentar quando há um crescimento do consumo – e não somente pela mera expansão da população. Assim, prevejo, e isso já pode ser observado, que os conflitos vão aumentar.
O desequilíbrio entre a demanda dos consumidores e a disponibilidade de recursos naturais é, justamente, uma das razões na origem do colapso de várias civilizações. Como enfrentar essa disparada do consumo nos países emergentes? As taxas médias de consumo ao redor do planeta têm de ser reduzidas, mas a diferença entre o quanto os países desenvolvidos e os emergentes consomem também tem de diminuir. Isso significa que os países em desenvolvimento têm de consumir mais e os países ricos, menos. Não há outra forma de criar um mundo estável e sustentável.
A cultura é cada vez mais homogênea ao redor do mundo. Como isso compromete a nossa capacidade de reagir às crises globais? De fato, alguns aspectos da cultura são cada vez mais homogêneos ao redor do mundo. Por exemplo, você e eu nos comunicamos por e-mail em inglês. Esse aspecto da globalização torna mais fácil responder a crises globais, porque as pessoas ao redor do mundo podem se comunicar entre elas e compartilhar recursos. Mas a globalização também compromete a nossa capacidade de reagir às crises porque, não importa onde elas ocorram (no Haiti, na Somália, no Iraque, no Afeganistão ou no Egito), oferecem riscos potenciais a todos os outros países. Assim, o mundo inteiro corre o risco de entrar em colapso, e não apenas países isolados.
O sr. foi acusado de ser um determinista ambiental. Não é arriscado, politicamente, usar o argumento de que o meio ambiente determina o sucesso de uma civilização? Dizer que o meio ambiente físico influencia o sucesso de uma dada população não é mais arriscado do que basear as suas decisões em qualquer outro fato estabelecido, como o de que os trópicos são mais quentes que as zonas temperadas, que as florestas tropicais são mais úmidas que os desertos e que o céu é azul. Qualquer um que duvida que o meio ambiente influencia o sucesso de uma população deveria se perguntar por que a região Sul do Brasil é mais rica que o Nordeste, por que o Brasil produz etanol de cana com muito mais eficiência que os Estados Unidos ou por que os esquimós no Ártico não desenvolveram a agricultura. Todos esses fatos são consequências diretas do meio ambiente.
Existe um mito, no Brasil, de que o país seria mais bem-sucedido se tivesse sido colonizado pelos ingleses ou pelos holandeses, em vez dos portugueses. Qual é a sua opinião?
Você tem de lembrar que, mesmo dentro da América do Sul, enquanto os portugueses colonizavam o Brasil, os ingleses colonizavam a Guiana e os holandeses, o Suriname. E o que vemos hoje? A antiga colônia portuguesa desfruta de um produto interno bruto per capita duas vezes maior que o das duas outras ex-colônias. Lembre, também, que o Paquistão e a Nigéria foram colonizados pelos ingleses e os holandeses colonizaram a Indonésia. Agora pergunte a você mesma: você preferiria viver no Brasil, no Paquistão ou na Indonésia? O sucesso do Brasil resultou de uma combinação do meio ambiente favorável com o esforço de 190 milhões de brasileiros. O Brasil é o país mais poderoso da América Latina e está se transformando num dos mais poderosos do mundo. Vocês não têm do que reclamar.
“O sucesso do brasil resulta da combinação de um meio ambiente favorável com o esforço de 190 milhões”
O Terceiro Chimpanzé, de 1991, mostra o que há de especial no animal humano.
Armas, Germes e Aço, de 1997, explica por que alguns povos prevalecem sobre outros.
Colapso, de 2005, analisa como as civilizações entram em decadência e declinam.