25/08/2016 - 20:26
Em primeiro lugar, uma conclusão: é inviável viajar pela Toscana com um cronograma de horários rígidos. Para conhecer melhor essa região da Itália central, o melhor é fazer o oposto: levar o tempo que puder, parar onde quiser, desfrutar mais longamente daquilo que nos encanta mais – e encantos não faltam ali. A cada final de tarde, um pôr do sol mais memorável que o outro, um cenário mais bucólico que o outro. Paisagens deslumbrantes, cidades inesquecíveis, uma abundância de atrações para o corpo e a mente – enfim, um manancial de sensações gratificantes, de lavar a alma.
Na dúvida sobre por onde começar, vale a pena concentrar-se na belíssima Florença, capital e coração dessa região. Verdadeiro museu a céu aberto, a cidade está repleta de esculturas, monumentos, edificações históricas, museus, fortificações e praças que exalam séculos de história. Para conhecer minimamente a cidade, são necessários pelo menos três dias inteiros de andanças, com objetivos bem definidos, de tanta coisa que há para ver.
O centro histórico de Florença, delimitado por um muro erguido no século 14, contém tantos tesouros arquitetônicos e artísticos que se tornou Patrimônio Mundial da Unesco em 1982. A Piazza Del Duomo, considerada o centro espiritual da cidade, abriga a Catedral de Santa Maria Del Fiore, vizinha do Campanário de Giotto e do Batistério de São João. Ali perto estão a Basílica de São Lourenço, com sacristias assinadas por Michelangelo e Donatello, o Museu de São Marcos, com obras de Fra Angélico, a Galeria da Academia de Belas-Artes (onde está o famoso Davi de Michelangelo), entre outras atrações. Ao sul se encontram o Palazzo Vecchio e a Galeria Uffizi, com obras de Da Vinci, Michelangelo, Botticelli, Rafael, Ticiano e Rembrandt, entre outros artistas. Atravessando a Ponte Vecchio se chega ao distrito de Oltrarno, cujas atrações incluem a Igreja de Santa Maria Del Carmine, que abriga afrescos de Masaccio e Filippino Lippi.
PONTE CARTÃO-POSTAL
A Ponte Vecchio é, provavelmente, o cartão-postal mais conhecido da cidade. Acredita-se que tenha sido construída, originariamente em madeira, ainda nos tempos de Roma antiga. Destruída pelas cheias de 1333, foi reerguida em 1345, mantendo sua estrutura e aspecto originais, com três arcos. Desde seu início a ponte foi um lugar de comércio, e acredita-se que ali nasceu a palavra bancarrota. Quando um mercador não conseguia pagar as dívidas, sua mesa (banco) era quebrada (rotto) pelos soldados, uma prática chamada à época de bancorotto. Durante a Segunda Guerra Mundial, a ponte foi poupada pelos alemães, acredita-se, por ordem direta de Hitler.
Outra praça famosa é a Piazza della Signoria. Estão ali várias estátuas e edifícios representativos da arquitetura florentina, como o Palazzo Vecchio, a Loggia dei Lanzi, uma galeria com muitas esculturas de mármore – algumas delas mundialmente famosas, como o Rapto das Sabinas, de Giambologna, Perseu com a Cabeça da Medusa, de Cellini, e a belíssima Fonte de Netuno, com uma impressionante estátua do deus dos mares.
Ao deixar Florença, optei por seguir viagem utilizando estradas vicinais e pequenos caminhos, que me fizeram gastar mais tempo, percorrer distâncias maiores e quebrar a cabeça para achar conexões entre os caminhos. Mas essa escolha me proporcionou experiências encantadoras, em meio a vilas medievais, vinhedos, igrejinhas e casarios seculares. Pelo caminho visitei pequenas adegas e vinícolas, onde experimentei os excelentes vinhos elaborados na região.
Após um pernoite na pequena e silenciosa Tavernelle Val di Pesa, segui rumo à histórica Siena, porém mais interessado nas vilas medievais ao redor. Siena é repleta de muralhas e edificações medievais. Sua atração principal é a Piazza Del Campo, com seu formato de D maiúsculo. Ali acontece anualmente o Palio de Siena, a célebre e disputadíssima corrida anual de cavalos. Principal evento do calendário cultural e turístico da cidade, ela é conhecida pela incomum exacerbação de ânimos manifestada por participantes e espectadores.
VINHOS FAMOSOS
A Toscana tem uma geografia pontuada por inúmeras colinas, que o homem cuidou, ao longo dos séculos, de recobrir com vinhedos. É a terra natal da uva Sangiovese, com a qual são produzidos vinhos tradicionais e muito famosos, como o Chianti, Brunello di Montalcino, Rosso di Montalcino, Vino Nobile di Montepulciano e, mais recentemente, os cobiçados Supertoscanos. Há milhares de produtores de todos os tamanhos, bem como adegas em quase todas as vilas, onde se pode degustar um sem-número de rótulos regionais por valores modestos.
Vasta e opulenta, a culinária toscana utiliza uma grande variedade de cogumelos colhidos nos campos, pelas manhãs, dentre eles o cobiçado porcini. Um dos pescados mais utilizados é o atum. Carnes de caça são bastante apreciadas, assim como pães rústicos e muito, muito azeite de oliva. É famoso o macio e saboroso guance de maile, a bochecha de porco cozida com legumes.
Certo dia, dirigindo por uma estradinha perdida, parei num modesto alimentari (que é como os italianos chamam os pequenos estabelecimentos que servem uma comida simples e rápida) e o proprietário insistiu para que eu experimentasse um prato local que ele havia acabado de preparar, o peposo. Enquanto eu comia, ele puxou conversa e me contou uma interessante curiosidade histórica sobre esse prato: embora tenha adquirido fama mundial como um clássico da culinária francesa, o boeuf bourguignon se originou na Toscana. Ali, é conhecido como peposo, uma receita medieval saborosa e simples, na qual a carne de segunda é cozida lentamente em molho de vinho tinto. O prato foi levado da Itália para a França por Catarina de Médici (uma nativa de Florença), ao se casar com o rei Henrique II, em 1523. Ao se mudar para a França, ela levou serviçais, cozinheiros e confeiteiros – Catarina era uma fã inveterada de doces.
BANHOS TERMAIS
Na manhã seguinte, segui rumo à bucólica Rapolano Terme, distante apenas 38 km de Siena. Rapolano é uma pequena cidade de águas termais sulfurosas, onde se toma banho termal desde os tempos de Roma antiga. Hospedei-me num pequeno e charmoso hotel, o Laticastelli, cuja edificação principal foi construída em pedra no século 11. Durante a noite, depois do jantar e de algumas taças de vinhos, encontrei um canto acolhedor na varanda e lá fiquei, ouvindo, de longe, músicas medievais toscanas, que as doses de vinho faziam reverberar em minha mente.
De Rapolano Terme segui viagem rumo ao belo balneário de Castiglione della Pescaia, localizado nas proximidades da ilha de Giglio. Essa ilha ficou famosa por uma tragédia: foi em seu litoral que aconteceu o naufrágio do navio Costa Concordia, em 2012. Pelo caminho, passei pela minúscula Castelnuovo Berardenga, município com menos de uma centena de habitantes que se orgulha de ser uma “área desnuclearizada”, e por Monte San Savino, uma comuna medieval habitada por pouco mais de 8 mil pessoas. Já em Castiglione, visitei uma vinícola e passei algumas horas acompanhando a colheita da uva branca vermentino, variedade bastante difundida na região.
Mas, tratando-se de Toscana, o viajante não pode se preocupar simplesmente em partir e chegar. O cenário é um espetáculo à parte. A luz de fim de tarde é quase sempre dourada. Os bucólicos vilarejos se intercalam entre bosques de ciprestes, campos de girassóis, olivais, cultivos de trigo e as incontáveis colinas, muitas delas recobertas de vinhedos. Nos povoados, vielas estreitas escondem surpresas encantadoras, como pequenos alimentaris, lojas de embutidos e adegas modestas, onde se pode comer e beber de forma simples e maravilhosamente bem, por pouco dinheiro. À porta das casas, velhinhos conversam tranquilamente, sentados em cadeiras colocadas na calçada ou nas soleiras das portas, como se fazia há séculos. As estradas locais são caminhos de terra batida de cor clara, e o tempo parece custar a passar. São paisagens de sonho, que dificilmente sairão da memória do viajante.
QUEM LEVA
Várias companhias aéreas têm voos para Florença, com escala. As viagens mais rápidas são oferecidas por Swiss (parada em Zurique), Latam e Lufthansa (escala em Frankfurt) e Air France (via Paris).