21/01/2022 - 14:17
Weil der Stadt é uma cidade de cerca de 20.000 habitantes no sudoeste da Alemanha, próxima a Stuttgart. Na igreja católica de São Pedro e São Paulo, o padre Anton Gruber tem recebido nos últimos 11 anos, além de sua congregação, muitos visitantes curiosos.
Algumas pessoas param para ver a igreja porque ela fica às margens de uma ciclovia popular. Mas outras, vem especificamente para observar um vitral em particular. As pessoas costumam dizer que “as características de Hitler são reconhecíveis” nele, disse Gruber à DW. “A maioria das pessoas é simplesmente curiosa, nem mais, nem menos”, diz o clérigo sobre o vitral que data de 1939/40.
Mal personificado
A imagem faz parte de um vitral maior, de nove painéis, que retratam cenas da vida de Jesus. O desenho no canto superior direito representa a tentação, com o diabo testando a fé de Jesus. E o artista JoKarl Huber claramente deu as características faciais de Hitler à sua representação do diabo. A roupa é na cor amarela, que representa inveja e possessão.
A maioria dos visitantes não tem problemas para entender e contextualizar a representação do ditador como a personificação do mal, diz Gruber, acrescentando, porém, que o artista nunca comentou sobre seu trabalho. Desta forma, só se pode supor que ele queria retratar Hitler como uma figura do mal. A obra de arte foi criada em 1939, no auge do regime nazista, e aparentemente passou despercebida pelas autoridades à época.
Conhecer a história do artista ajuda a entender as imagens, argumenta Gruber. “Em 1936, os nazistas rotularam a arte de JoKarl Huber como ‘degenerada’ e ele não teve mais permissão para trabalhar”, explica.
Na época, o padre da Igreja de São Pedro e São Paulo, August Uhl, concedeu asilo ao artista e o deixou encarregado da reforma do local. Além disso, as homilias de Uhl costumavam ser contrárias aos nazistas, razão pela qual a Gestapo (polícia secreta da Alemanha nazista) aparecia com frequência em sua casa, conta Gruber.
Obras de arte controversas
Para o historiador e autor Michael Kuderna, não há dúvida de que “a janela da igreja representa uma declaração clara e corajosa contra o nacional-socialismo e seus líderes”. Seu livro mais recente é sobre representações de Hitler em igrejas.
No decorrer de sua pesquisa, Kuderna encontrou cinco imagens de Hitler em igrejas anteriores a 1945 e nove em posteriores ao período. Nas primeiras, é difícil provar que elas realmente retratam o ditador, mas, as imagens posteriores mostram claramente Hitler, por exemplo, como um carrasco ou um vilão queimando no inferno.
“Depois da guerra, retratar Hitler nas igrejas não era mais tão perigoso quanto antes de 1945, quando as pessoas temiam represálias”, explica o historiador.
Com o passar do tempo, as representações mudaram. Hitler era cada vez mais colocado em outros contextos e tratado de forma mais distante, chegando a ser caricato”, acrescenta Kuderna.
A pesquisa do historiador começou há 20 anos, na igreja em Vasperviller, na França. Criado depois de 1945, um vitral mostra uma história bíblica do Antigo Testamento: Raquel, filha de Labão, rouba os ídolos do pai.
A artista, Gabriele Kütemeyer, deu a um dos ídolos o rosto de Hitler. “O pai da artista era um oponente ferrenho dos nazistas e esteve sob custódia da Gestapo em Berlim por um tempo”, explica Kuderna, acrescentando que Gabriele costumava ouvir seu pai dizer que os alemães seguiam falsos ídolos. “Isso deu a ela a ideia de procurar essa conexão na obra de arte”.
Entre as 14 ilustrações que Kuderna identificou como retratando claramente Hitler, uma delas – mostrando o ditador com Paul von Hindenburg, o presidente alemão que desempenhou um papel fundamental na tomada do poder pelos nazistas – foi removida após 1945.
O historiador destaca que, logo depois da guerra, “as pessoas não gostavam de falar sobre essas coisas, ficavam constrangidas”. Como resultado, algumas das imagens foram escondidas, enquanto outras foram vandalizadas.
Missão difícil
Kuderna menciona um caso de uma janela em Munique, do artista Max Lacher, que retrata Hitler como uma espécie de carrasco. No início, a imagem foi salpicada de tinta, mas, depois, ficou protegida por uma barreira.
O mesmo artista criou uma imagem muito mais famosa na cidade de Landshut, um vitral na igreja de São Martinho, que mostra Hitler e outros líderes nazistas, como Goebbels e Göring, torturando São Cástulo.
Após a Segunda Guerra Mundial, os americanos exigiram sua remoção, mas mudaram de ideia ao saberem que o artista havia sido um combatente da resistência nas últimas semanas da guerra.
Claramente, tais imagens não devem ser ocultadas ou removidas, defende Kuderna: elas podem servir de base para lidar com o passado. “Mesmo que seja difícil, porque até hoje há muita coisa que não foi processada”.
Testemunho da história contemporânea
O padre Anton Gruber também é a favor de uma discussão aberta e transparente de tais representações. “As imagens que foram criadas durante a era nazista são um testemunho da história”, afirma.
Gruber acha importante que a igreja esteja viva e apresente obras de arte de diferentes épocas, não sendo apenas um museu do passado. “Na minha igreja, por exemplo, temos peças de 1500, 1750, de 1939/40, mas também obras de 2020”, destaca.
Uma das representações mais recentes de Hitler na igreja de Gruber é uma pintura de Dieter Gross adicionada em 2018 na parte de trás das alas do altar da Epifania. Mostra Jesus Cristo cercado por uma multidão de pessoas que supostamente representam os tolos do mundo, entre eles o ex-presidente americano Donald Trump e, mais atrás, Adolf Hitler.
“A questão é: como posso representar Hitler como um simples tolo entre tantos?”, pergunta o pároco. “Trata-se de dar às pessoas o que pensar: onde eu estaria na multidão de tolos na imagem? Quão tolo eu sou?”.
O historiador Kuderna diz que esta última representação de Hitler é a mais curiosa que ele encontrou em sua pesquisa. “É engraçado e bonito, mas faz você pensar”. Para ele, não está claro se a imagem funciona ou se banaliza Hitler.
Gruber deixa a interpretação e discussão para sua congregação e os visitantes.