Tendo ficado chocado ao testemunhar pessoalmente a extrema brutalidade da violência de vigilantes, o sociólogo Muhammad Asif, da Universidade de Amsterdã (Holanda), decidiu estudar por que as pessoas fazem justiça com as próprias mãos. Seu trabalho de doutorado, a ser defendido no início de fevereiro, culminou em uma nova teoria das causas subjacentes à violência vigilante, que combina fatores explicativos, como desconfiança do Estado ou da polícia, e fortes reações emocionais a violações de valores morais. O estudo de Asif ocorreu no Paquistão, mas seus dados também são relevantes para outros casos de violência coletiva em todo o mundo.

Em 15 de agosto de 2010, dois adolescentes foram espancados brutalmente por um grupo de pessoas na cidade de Sialkot, no Paquistão. Os adolescentes eram suspeitos de assaltos em um bairro próximo. Depois de ver as imagens do incidente, Asif decidiu investigar o fenômeno da violência vigilante. “Eu nunca havia testemunhado tamanha brutalidade na minha vida”, disse ele. “As cenas que vi foram tão intensas que fiquei em estado de choque por dias após o evento”.

Em sua pesquisa, Asif deixou de olhar para as causas tradicionais da violência dos vigilantes – como a fraca intervenção estadual e a ilegitimidade da polícia – e desenvolveu uma nova teoria para explicar por que as pessoas fazem justiça com as próprias mãos.

Nova teoria

A concepção de Asif, chamada de teoria dos rituais de vigilantes, vai além das ideias tradicionais sobre tal vigilantismo, incorporando tanto emoções como raiva ou desejo de vingança como impulsionadores da violência, quanto incentivo político à violência. “Mesmo quando as pessoas percebem a polícia como legítima e eficaz, elas podem recorrer à violência dos vigilantes”, explica Asif. “As pessoas podem experimentar emoções fortes e podem desejar ações punitivas se sentirem que valores morais que consideram essenciais para sua identidade de grupo foram violados.”

Além disso, a violência dos vigilantes é frequentemente praticada sob certas condições sociolegais de ilegitimidade legal, exposição à violência e incentivo à violência pelas autoridades, acrescenta Asif. “Isso ajuda a organizar os processos microssociológicos subjacentes aos rituais de vigilantes que levam à violência e à punição do infrator. Os líderes políticos podem induzir e explorar emoções ao colocar esses rituais em movimento para criar atos de violência coletiva.”

Linchamentos

A violência do vigilante pode começar com tapas e socos comuns, escalando para uma punição extrajudicial mais intensa do infrator. Quando os supostos infratores são punidos e mortos por tortura e mutilação, isso é definido como linchamento. Asif estudou especificamente a violência e o linchamento de vigilantes no Paquistão, onde muitas vezes estão ligados a emoções e valores em torno da prevenção da blasfêmia.

Asif inicialmente examinou empiricamente duas hipóteses derivadas de sua teoria dos rituais de vigilantes, a saber, que as pessoas apoiariam a violência dos vigilantes quando experimentassem a falta de legitimidade policial e estatal e quando estivessem com raiva porque os valores morais foram considerados violados. Ele descobriu que as pessoas de fato apoiam a violência dos vigilantes quando percebem a polícia como ilegítima e corrupta ou quando se irritam facilmente.

“As descobertas revelaram que as pessoas que se irritam facilmente podem preferir a punição dos vigilantes em vez de se submeter às autoridades legais, mesmo quando estas estão presentes”, diz Asif. “Essas descobertas apoiam a teoria de que as abordagens de emoção e legitimidade estão relacionadas ao apoio à violência dos vigilantes”.

Comunhão moral

Asif também tentou descobrir se a violência dos vigilantes é mobilizada e canalizada por meio de rituais de vigilantes e se sua probabilidade aumenta quando as autoridades incentivam tal violência. Com base em entrevistas em profundidade com perpetradores, testemunhas e funcionários do governo, juntamente com imagens de vídeo e recortes de jornais, ele analisou como os linchamentos ocorreram e são decretados.

Sua análise revelou que os linchamentos são orquestrados por meio de rituais de vigilantes, em que multidões geram um sentimento de comunhão moral sob o estímulo ativo de “engenheiros de rituais” político-religiosos. Esses engenheiros mobilizam multidões entoando slogans e canções para ativar processos de alinhamento corporal (participantes sincronizando os movimentos de seus corpos). Os vigilantes procedem então ao linchamento do suposto infrator para restabelecer a integridade de seus valores morais.

“O objetivo dos líderes político-religiosos em incitar multidões parece ser controlar a comunidade para obter ganhos políticos e mostrar sua própria capacidade de cumprir a lei”, conclui Asif.

Violência vigilante no mundo

Embora a violência de vigilantes e o linchamento possam estar mais presentes em alguns países africanos e asiáticos, também há casos no mundo ocidental. Talvez o melhor exemplo recente tenha sido a multidão invadindo o Capitólio dos EUA em janeiro de 2021, incitada pelo ex-presidente Donald Trump. Fatores explicativos como a falta de legitimidade do Estado e da polícia, a violação de valores morais e o incentivo político também desempenharam um papel nesse incidente. “Isto implica que a violência dos vigilantes em particular, e a violência coletiva em geral, precisam ser vistas como uma interação entre processos microrrituais e condições macro da luta política”, diz Asif.

Asif conclui que sua nova teoria é mais integrativa e abrangente do que suas antecessoras, pois fornece uma compreensão mais ampla e inclusiva da violência e linchamentos dos vigilantes do que as teorias sociológicas e criminológicas anteriores sobre o assunto.