02/02/2022 - 14:47
Comissão Europeia aponta que proposta busca solução para que o bloco atinja gradativamente a neutralidade climática até 2050. Texto, porém, desperta críticas de ambientalistas e de países como a Alemanha.Apesar das críticasde parte da população, de ambientalistas e de países como a Alemanha, a Comissão Europeia aprovou nesta quarta-feira (02/02) o projeto que conceitua a energia nuclear e o gás como fontes de energia sustentáveis – ao menos sob determinados critérios – dentro do bloco. Ambos serão incluídos na assim chamada regulamentação de taxonomia, um sistema de classificação que visa direcionar os investimentos no setor para as energias verdes.
A coalizão governamental alemã, de social-democratas, liberais e verdes, era contra a proposta, e conseguiu que algumas condições para a inclusão do gás no projeto fossem flexibilizadas. Berlim também se posicionou contra a energia nuclear, que conta com o apoio de países como França – onde 70% da eletricidade é de origem nuclear – e do Norte, Centro e Leste Europeu.
Polônia, Hungria, República Tcheca, Bulgária, Eslováquia e Finlândia estão do lado da França, enquanto Áustria, Dinamarca e Luxemburgo concordam com a Alemanha.
Concretamente, as usinas de energia a gás natural, por exemplo,só serão consideradas “verdes” se não ultrapassarem um limite de emissões de CO2 de 270 gramas por kWh (kilowatts/hora) até o começo da década de 2030. No entanto ficam obrigadas a reduzir suas emissões até, no máximo, 2035.
Para serem classificadas como verdes, as novas usinas nucleares terão que obter licença de construção e desenvolvimento antes de 2045. Além disso, até 2050 os países onde forem construídas terão que dispor de um plano e dos recursos financeiros necessários para a eliminação segura dos resíduos radioativos.
Os críticos reclamam que a taxonomia perde credibilidade com a inclusão do gás e da energia nuclear, acabando por não ser aceita pelos investidores nos mercados de capital.
A comissária da UE para Estabilidade Financeira, Serviços Financeiros e União dos Mercados de Capitais, Mairead McGuinness, rebateu que o texto aprovado nesta quarta-feira “pode não ser perfeito”, mas oferece “uma solução real” para o objetivo do bloco de alcançar a neutralidade climática até 2050.
Para tal, será preciso investir em torno de 350 bilhões de euros anualmente, conforme a Comissão. Uma das formas para atingir essa meta seriam, justamente, os investimentos privados via taxonomia.
Críticas de ambientalistas e especialistas em energia
Desde que propôs o anteprojeto, no fim de 2021, a Comissão Europeia fez alguns ajustes no texto. Da aprovação até a entrada em vigor da legislação, em 2023, os Estados-membros da União Europeia têm agora quatro meses para alterar pontos que considerem cruciais. Mas isso é improvável, pois exigiria os vetos de 20 dos 27 países do bloco ou da maioria absoluta no Parlamento Europeu.
A chefe da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, já havia descrito o acordo como “o homem na Lua da Europa”. Identificada com questões climáticas, a política alemã também classificou o projeto como “nosso destino europeu”.
Organizações ambientais veem o texto com ceticismo e argumentam que a proposta pode justamente comprometer o objetivo da UE de alcançar a neutralidade climática até 2050. A Climate Action Network Europe criticou que a Comissão “sacrifica a integridade científica da taxonomia pelos lobbies de gás fóssil e nuclear”, e que não conseguiu “reorientar os fluxos financeiros para investimentos genuinamente positivos para o clima”.
E não são somente ativistas climáticos que criticam o projeto: especialistas em energia estão preocupados com “os impactos ambientais em que pode resultar”, como no caso de um acidente nuclear. Eles também objetam que a construção de novas usinas nucleares levaria tempo demais para contribuir para os objetivos de neutralidade climática, projetados para 2050.
Dilema alemão com as usinas e o gás
No caso da Alemanha, a principal crítica se dirige à energia nuclear, já que o gás segue sendo fundamental para a substituição gradual do carvão mineral, sendo classificado como uma “ponte”, até as fontes verdes – como a solar e a eólica – serem capazes de atender à demanda energética do país.
Nas últimas décadas, a Alemanha tem sido palco de oposição crescente à energia nuclear, sobretudo desde o desastre na usina japonesa de Fukushima, em março de 2011. Em 31 de dezembro último, o país fechou três das seis usinas que ainda em atividade.
Ao ser anunciado, dezembro, que o projeto seria levado à apreciação e votação da Comissão Europeia, o vice-chanceler federal da Alemanha, Robert Habeck, acusou a UE de planejar uma “lavagem verde”, usando políticas que parecem favoráveis ao clima para encobrir práticas destrutivas. “Não podemos antever uma aprovação para as novas propostas da Comissão Europeia”, disse Habeck, que é filiado ao Partido Verde.
Habeck classificou como equivocada a intenção de classificar a energia nuclear como sustentável, apontando os efeitos de longo prazo dos resíduos nucleares. “É mais do que duvidoso. De qualquer forma, é questionável se essa 'lavagem verde' encontrará algum tipo de aceitação no mercado financeiro.”
A também verde ministra do Meio Ambiente, Steffi Lemke, igualmente criticou o plano: “Acho completamente errado que a Comissão Europeia pretenda classificar a energia nuclear como uma atividade econômica sustentável.”.
gb/av (AFP, Reuters, ots)