23/02/2022 - 17:37
Bombeiros exaustos batalham há semanas contra o fogo no norte da Argentina. Alimentados por ventos fortes, pouca chuva e baixa umidade decorrente de uma seca excepcionalmente longa, os incêndios florestais já destruíram quase 8 mil quilômetros quadrados de floresta, pântano e terras agrícolas – uma área equivalente a cinco cidades de São Paulo.
“Isso nunca aconteceu conosco, nunca vivemos algo assim, fomos realmente vencidos”, afirmou o morador Jorge Ayala à agência de notícias AP no fim de semana. E a expectativa é que desastres como esses se tornem mais constantes e destrutivos, nos próximos anos e décadas.
Incêndios extremos – mais frequentes, intensos e cada vez mais localizados em áreas atípicas, como o Ártico – devem aumentar até 14% até 2030 e 30% até meados do século, de acordo com um novo relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e do centro ambientalista sem fins lucrativos GRID-Arendal, da Noruega.
A probabilidade de incêndios pode aumentar até 50% maior, até 2100. Mesmo se o mundo conseguir reduzir significativamente as emissões, provavelmente haverá um aumento dos incêndios florestais, afirma o relatório.
Pesquisadores têm cada vez mais relacionado esses desastres às mudanças climáticas causadas pela humanidade, um fato ressaltado pelo relatório, que liga a crescente gravidade dos incêndios a uma maior incidência de secas, temperaturas crescentes e fortes ventos.
“Ao mesmo tempo, a mudança climática é agravada pelos incêndios florestais, principalmente pela devastação de ecossistemas sensíveis e ricos em carbono, como turfeiras e florestas tropicais”, afirmam os autores do relatório.
À medida que esses ecossistemas são destruídos, eles liberam na atmosfera cargas de CO2 que estavam contidas, contribuindo ainda mais para o aquecimento global e reduzindo o potencial de captura de emissões futuras. “Isso transforma as paisagens em barris de pólvora, tornando mais difícil deter o aumento das temperaturas.”
Nações pobres são as mais afetadas
A terrível previsão já começou a se tornar realidade. Nos últimos anos, houve temporadas de incêndios cada vez mais destrutivas em locais como América do Norte, Brasil, partes da Europa, Sibéria e Austrália, que devastaram ecossistemas e comunidades em todo o mundo.
Essa destruição – de plantações e casas, da saúde humana e da natureza – mostra que incêndios florestais “afetam desproporcionalmente as nações mais pobres do mundo”, segundo o relatório. As consequências podem durar anos, após os incêndios serem extintos, sobretudo em partes do mundo que carecem de recursos para reconstruir e se adaptar ao ambiente em mudança.
“O fogo afeta o ar, o solo, a água”, lembra Glynis Humphrey, da Universidade da Cidade do Cabo, que contribuiu para o relatório. “O fogo interage de perto com o clima, em termos de emissões de carbono e padrões de chuva, e afeta a saúde dos seres humanos e do ecossistema. E afeta os empregos e a situação econômica em que os indivíduos se encontram.”
Foco na prevenção, não na resposta
Os cientistas alertam que a maior parte dos gastos governamentais globais relacionados a incêndios florestais é dedicada ao combate às chamas após o início do fogo, com menos de 1% destinado ao planejamento, prevenção e preparação. Para enfrentar esse risco crescente e diminuir o impacto de incêndios destrutivos, os governos precisarão “mudar radicalmente seus investimentos”.
“As reações atuais dos governos aos incêndios florestais muitas vezes colocam dinheiro no lugar errado”, afirma Inger Andersen, diretora executiva do Pnuma. “Temos que minimizar os riscos de incêndios florestais extremos, estando mais bem preparados: investir mais na redução do risco de fogo, trabalhar com as comunidades locais, e fortalecer o compromisso global de combater a mudança climática.”
O relatório pede aos governos que destinem dois terços do financiamento ao planejamento, prevenção, preparação e recuperação. “É essencial que o fogo esteja na mesma categoria que a gestão de desastres com enchentes e secas”, disse Humphrey em coletiva de imprensa. “É absolutamente essencial.”
Conhecimento indígena
Embora parte desse financiamento deva ser destinada ao monitoramento e análise aprimorados, a fim de entender melhor como os incêndios florestais estão evoluindo num clima em mudança, e o que pode ser feito para gerenciar isso, os autores também destacam a importância do conhecimento indígena.
Isso pode incluir o uso de queimadas induzidas, ou “incêndios bons”, para reduzir o combustível capaz de alimentar chamas maiores. Outros métodos incluem criar aceiros ou usar chamas controladas para estabelecer paisagens em mosaico, que inibem a propagação de incêndios florestais; ou promover o crescimento de grama e plantas que ajudam a evitar a seca.
“Enquanto os países e as economias se desenvolvem, e a demografia muda, muitas dessas práticas tradicionais perdem força ou mudam ou diminuem com o tempo, ou dão lugar a práticas alternativas”, diz Peter Moore, que trabalhou como especialista em gestão de incêndios na Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).
Em resposta a uma consulta da DW, Moore apontou que as práticas indígenas estão começando a ser reconhecidas e implementadas na Austrália, Canadá e oeste dos Estados Unidos, com organizações como a International Savanna Fire Management Initiative transplantando práticas indígenas tradicionais da Austrália para locais como Botsuana.
O ex-especialista da FAO enfatizou que a documentação e ter esse conhecimento amplamente acessível são as chaves para convencer o mundo do valor dessas práticas tradicionais, “ser capaz de mapear a experiência [indígena], de trabalhar com ela e reintroduzi-la de volta no meio ambiente”.