15/03/2022 - 10:29
Um estudo liderado pela Universidade de Tel Aviv (Israel) analisa o que levou os humanos pré-históricos a coletar e reciclar ferramentas de sílex que foram feitas, usadas e descartadas por seus predecessores. Depois de examinarem as ferramentas de pederneira de uma camada no sítio pré-histórico de 500 mil anos de Revadim, no sul da planície costeira de Israel, os pesquisadores propõem uma nova explicação: os humanos pré-históricos, assim como nós, eram colecionadores por natureza e cultura. O estudo sugere que eles tinham um desejo emocional de coletar artefatos antigos feitos pelo homem, principalmente como meio de preservar a memória de seus ancestrais e manter sua conexão com o lugar e o tempo.
O estudo foi liderado pela doutoranda Bar Efrati e pelo prof. Ran Barkai, da Universidade de Tel Aviv, em colaboração com a drª Flavia Venditti, da Universidade de Tübingen (Alemanha) e a profª Stella Nunziante Cesaro, da Universidade Sapienza de Roma (Itália). O artigo foi publicado na revista científica Scientific Reports, do grupo Nature.
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Segundo Bar Efrati, ferramentas de pedra com dois ciclos de vida foram encontradas em sítios pré-históricos em todo o mundo, mas o fenômeno nunca havia sido completamente investigado. No estudo atual, os pesquisadores se concentraram em uma camada específica em Revadim – um grande local ao ar livre com várias camadas no sul da planície costeira de Israel, datado de cerca de 500 mil anos atrás. As ricas descobertas em Revadim sugerem que este era um local popular na paisagem pré-histórica, revisitado repetidamente pelos primeiros humanos atraídos por uma abundância de vida selvagem, incluindo elefantes. Além disso, a área é rica em pederneira de boa qualidade, e a maioria das ferramentas encontradas em Revadim eram de fato feitas de pederneira nova.
Resposta na pátina
“A grande questão é: por que eles fizeram isso?”, perguntou-se Bar Efrati. “Por que os humanos pré-históricos coletavam e reciclavam ferramentas reais originariamente produzidas, usadas e descartadas por seus antecessores, muitos anos antes? A escassez de matéria-prima claramente não era a razão em Revadim, onde o sílex de boa qualidade é fácil de encontrar. A motivação também não era meramente funcional, uma vez que as ferramentas recicladas não eram incomuns em forma nem exclusivamente adequadas para qualquer uso específico.”
A chave para identificar as ferramentas recicladas e entender sua história é a pátina – um revestimento químico que se forma na pederneira quando exposta aos elementos por um longo período de tempo. Assim, uma ferramenta de pederneira descartada que ficou no chão por décadas ou séculos acumulou uma camada de pátina facilmente identificável, que é diferente em cor e textura das cicatrizes de um segundo ciclo de processamento que expôs a cor e a textura originais da pederneira.
No estudo atual, 49 ferramentas de sílex com dois ciclos de vida foram examinadas. Produzidas e utilizadas em seu primeiro ciclo de vida, essas ferramentas foram abandonadas e, anos depois, após acumular uma camada de pátina, foram recolhidas, retrabalhadas e utilizadas novamente. Os indivíduos que reciclaram cada ferramenta removeram a pátina, expondo a pederneira mais recente, e moldaram uma nova aresta ativa. Ambas as bordas, a antiga e a nova, foram examinadas pelos pesquisadores em dois tipos de microscópios, e por meio de diversas análises químicas, em busca de marcas de uso, desgaste e/ou resíduos orgânicos. No caso de 28 ferramentas, foram encontradas marcas de uso nas bordas antigas e/ou novas, e em 13 ferramentas foram detectados resíduos orgânicos, indícios de contato com ossos ou gordura de animais.
Propósitos diferentes
Surpreendentemente, as ferramentas foram usadas para propósitos muito diferentes em seus dois ciclos de vida. As bordas mais antigas foram empregadas principalmente para corte, e as bordas mais novas, para raspagem (processamento de materiais macios como couro e osso). Outra descoberta desconcertante: em seu segundo ciclo de vida, as ferramentas foram remodeladas de maneira muito específica e mínima, preservando a forma original da ferramenta, incluindo sua pátina, e modificando apenas ligeiramente a borda ativa.
“Com base em nossas descobertas, propomos que os humanos pré-históricos coletavam e reciclavam ferramentas antigas porque davam significado a itens feitos por seus predecessores”, afirmou o prof. Ran Barkai. “Imagine um humano pré-histórico andando pela paisagem há 500 mil anos, quando uma velha ferramenta de pedra atrai seu olhar. A ferramenta significa algo para ele – ela carrega a memória de seus ancestrais ou evoca uma conexão com um determinado lugar. Ele a pega e pesa nas mãos. O artefato o agrada, então ele decide levá-lo para ‘casa’. Entendendo que o uso diário pode preservar e até aprimorar a memória, ele retoca a borda para uso próprio, mas cuida para não alterar a forma geral – em homenagem ao primeiro fabricante.”
Barkai prosseguiu: “Em uma analogia moderna, o humano pré-histórico pode ser comparado a um jovem agricultor ainda arando seus campos com o trator velho e enferrujado de seu bisavô, substituindo peças de vez em quando, mas preservando a boa e velha máquina como está, pois simboliza o vínculo de sua família com a terra. Na verdade, quanto mais estudamos os primeiros humanos, aprendemos a apreciá-los, sua inteligência e suas capacidades. Além disso, descobrimos que eles não eram tão diferentes de nós”.
“Este estudo sugere que os colecionadores e o desejo de colecionar podem ser tão antigos quanto a humanidade”, concluiu Barkai. “Assim como nós, nossos ancestrais atribuíam grande importância a artefatos antigos, preservando-os como objetos de memória significativos – um vínculo com mundos mais antigos e lugares importantes na paisagem.”