16/03/2022 - 14:07
Um pesquisador do Chipre causou alvoroço no início de janeiro ao relatar pela primeira vez a existência de uma cepa do coronavírus que combinava características das variantes delta e ômicron. Logo em seguida o balde de água fria: a sua descoberta não passaria de uma contaminação laboratorial.
Dois meses depois, porém, infecções por uma variante que combina a delta e a ômicron foram detectadas na Europa e Estados Unidos. São poucos casos, mas a deltacron lembra que a pandemia ainda está longe de acabar, apesar de muitos países terem amplamente flexibilizado as medidas de combate à covid-19.
“Agora está bastante claro que realmente é uma variante deltracron”, afirmou Luca Cicin-Sain, chefe do Departamento de Imunologia do Centro Helmholtz para Pesquisa sobre Infecções, na Alemanha.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) também já estava preparada para essa variante híbrida. “Nós conhecemos essa recombinação. É uma combinação da delta AY.4 e da ômicron BA.1”, disse Maria van Kerkhove, líder da equipe técnica da OMS para o controle da pandemia. Segundo a especialista, esse tipo de recombinação já era esperado no caso de ampla circulação de duas variantes, como ocorreu com a delta e a ômicron.
Mais perigosa?
Embora a delta cause infecções mais severas e a ômicron seja particularmente mais contagiosa, isso não significa que uma combinação de ambas as cepas seja mais perigosa. Realizada pelo Instituto Pasteur da França, uma análise da sequência do genoma mostrou que a deltacron contém caraterísticas das duas variantes.
Segundo o banco de dados de genoma Gisaid, a nova cepa possui quase que completamente a proteína spike da ômicron BA.1 combinada com partes da delta AY.4. Devido a essa ligação viral, a variante híbrida poderia possivelmente se conectar mais facilmente à membrana hospedeira, ou seja, seria mais infecciosa.
Isso faz aumentar a preocupação de que uma variante híbrida mais infecciosa possa se impor em relação a outras cepas, principalmente, onde as medidas restritivas estão sendo flexibilizadas. Assim, a pandemia poderia se prolongar e, devido ao componente delta, poderia voltar a haver um maior número de casos mais graves.
Sem motivo para pânico
A maioria dos especialistas, no entanto, reagiu com relativa calma à deltacron. Até o momento, foram registrados apenas alguns casos isolados na Alemanha, França, Holanda, Dinamarca, Reino Unido e EUA. Isso sugere que a variante não seria tão perigosa.
No Brasil, apesar de o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, ter confirmado dois casos no país na manhã desta terça-feira, ele voltou atrás no final do dia e disse que as infecções ainda estavam sob investigação.
“Se fosse uma variante que se espalha muito rápido e deixa muito doente, haveria nesse ínterim muito mais amostras”, avalia Cicin-Sain. O imunologista ressalta que é preciso continuar observando a cepa, mas, no momento, ela não é alarmante.
Etienne Simon-Lorière, do Instituto Pasteur, faz a mesma avaliação, acrescentando que a variante híbrida ainda é extremamente rara e não mostra sinais de crescimento exponencial. Ou seja: não apresenta taxa de crescimento preocupante.
O pouco entusiasmo de especialistas com a deltacron se deve ao fato de que recombinações do SARS-CoV-2 não são uma novidade. “Isso ocorre quando estamos na fase de transição de uma variante dominante para outra e, normalmente, não é muito mais do que uma curiosidade científica”, afirmou Jeffrey Barrett, que comandou a Iniciativa Genômica Covid-19 no Instituto Wellcome Trust Sanger.
Como surgiu a deltacron?
Segundo a OMS, esse tipo de recombinante é esperado quando circulam intensamente duas variantes como a delta e a ômicron. Essas recombinações surgem quando pessoas são infectadas com duas cepas do coronavírus ao mesmo tempo. Isso ocorre raramente, mas na virada do ano, a ômicron superou a delta como variante dominante.
No caso de uma infecção com ambas as variantes, o material genético do vírus pode ser misturado e combinado durante a sua reprodução na célula hospedeira, gerando assim uma cepa híbrida. Isso é, no entanto, uma exceção, pois apenas em casos raros essa variante irá prevalecer já que não possui nenhuma vantagem evolutiva sobre as variantes originais.
Vacinas protegem contra a deltacron?
Os contínuos altos números de novos casos de covid-19 mostram que nem as vacinas nem a dose de reforço podem evitar uma infecção. Isso ocorre porque a variante ômicron possui uma mutação que consegue contornar a proteção imunológica.
Portanto, nem vacinas nem uma infecção passada serão, provavelmente, capazes de proteger completamente contra a deltacron. Mas, até agora, essa variante híbrida não foi capaz de se estabelecer. Além disso, as vacinas e a dose de reforço já mostraram que conseguem proteger contra casos graves da doença.