06/04/2022 - 4:27
A história da África do Sul está diretamente relacionada à das especiarias. Em 1453, o domínio turco em Constantinopla fechou a rota comercial terrestre da Europa Ocidental para o Extremo Oriente, de onde vinham as especiarias. Instalou-se então uma crise econômica comparável à do petróleo nos anos 1970.
A interdição da rota obrigou os europeus a buscarem alternativas. Em 1487, o navegador português Bartolomeu Dias já havia descoberto o caminho das Índias pelo sul da África.
No entanto, devido aos fortes ventos de sudeste, os portugueses não instalaram base no antes chamado Cabo das Tormentas, preferindo fazê-lo numa ilha de coral na costa de Moçambique, para dali apoiar as viagens para a Ásia.
Base de reabastecimento de navios
Somente um século e meio depois, o Cabo da Boa Esperança viria a ser colonizado. Não pelos portugueses, mas pelos holandeses. O médico naval Jan van Riebeeck foi encarregado pela Companhias das Índias Orientais de instalar uma base de apoio para os navios holandeses. Em seu navio Dromedaris, acompanhado por dois veleiros ligeiros, Van Riebeeck partiu da Holanda na véspera do Natal de 1651.
Em 6 de abril do ano seguinte, o holandês aportou no Cabo e estabeleceu um povoado. Os primeiros habitantes que chegaram junto com Van Riebeeck não eram colonizadores ideologizados nem famintos por terras. Eram biscateiros, desempregados e saltimbancos que desejavam deixar para trás sua vida miserável nas ruas de Amsterdã.
Eles deveriam plantar legumes sob encomenda da Companhia das Índias Orientais. A produção abasteceria com alimentos frescos as tripulações dos navios. Uma medida fundamental para combater o escorbuto, doença que matava muitos marujos.
“O objetivo dos holandeses não era colonizar a África. O povoado visava a apoiar o comércio direto com as Índias. Além disso, pretendiam anular os intermediários árabes, que lucravam muito como opção à rota de Constantinopla. Como a viagem por mar era muito longa, foi necessário fundar estações nas quais os navios pudessem se reabastecer com alimentos frescos e água”, explica o professor Ludwig Gerhard, do Instituto de Africanística da Universidade de Hamburgo.
O estudioso continua: “Esta foi a principal razão da fundação de uma pequena cidade no Cabo da Boa Esperança. Na verdade, mais do que uma cidade, tratava-se de uma fortaleza, com o objetivo de proteger as pessoas que ali moravam.”
Segregação racial desde o início
Já naquela primeira iniciativa de colonização se podia identificar sementes do apartheid. Nos dez anos em que viveu no Cabo, Jan van Riebeck jamais teve contato pessoal com a população negra. Nunca tentou aprender os idiomas locais. Muito pelo contrário, ordenou, em 1660, a implantação de uma cerca para isolar a si e a todos os colonizadores. Os nativos eram chamados por ele de “cães negros, imbecis e fedorentos”.
Há quem especule que, se os portugueses tivessem tomado posse do Cabo da Boa Esperança, a história da África do Sul teria seguido rumo bem diferente. O jornalista sul-africano Allister Sparks é um dos que acreditam nisto. Em seu livro The Rise and Fall of Apartheid in South Africa, Sparks escreveu:
“A história girou com o vento. Tivessem os portugueses ficado no Cabo, jamais teria havido o povo dos africânderes (ou bôeres) e sua ideologia do apartheid. Talvez uma República da Boa Esperança, rica em minérios, teria se desenvolvido num segundo Brasil, numa sociedade conhecida por integrar diversas raças e não como símbolo mundial da segregação racial.”