14/11/2016 - 16:30
Desde algumas décadas vivemos com o mito que se torna cada vez mais monstruoso e desadaptado à civilização de amanhã: o mito do trabalho. Retomando a ideia do pecado original, que condena o homem a trabalhar com o suor do seu rosto, a sociedade industrial erigiu, ou tenta erigir, o trabalho como objetivo supremo da existência e lança contra a ociosidade a pior das condenações. A maior parte das pessoas considera hoje que o trabalho é o destino natural do homem, e esse trabalho deve ser duro, cansativo, penoso.
Durante muito tempo foi necessário justificar os trabalhos mais exaustivos e humilhantes. Mas entramos numa era em que as tarefas consideradas antigamente inevitáveis serão cada vez mais realizadas por máquinas. Por outro lado, o homem terá maiores momentos de folga. Deveremos repensar o conceito do trabalho. Não é, como se pretendeu muitas vezes, o aspecto monótono do trabalho que gasta e consome o indivíduo.
O trabalho é destruidor no plano psicológico quando utiliza uma pequeníssima parte das faculdades humanas, isto é, quando o indivíduo, incapaz de explorar o conjunto de suas aptidões, termina por atrofiá-las e destruí-las. O artista ou o cientista, que nos seus trabalhos exerce a maior parte de suas faculdades, raramente considera suas tarefas penosas ou cansativas. Os momentos mais difíceis são também os mais estimulantes.
O operário industrial que durante uma hora aplica somente um reflexo termina por se embrutecer e se esgotar. De fato, todo homem procura uma atividade que lhe permita desenvolver o conjunto de suas funções psicofisiológicas. Se essa atividade coincide com um meio de subsistência, tanto melhor. O essencial, porém, não é a subsistência, mas a realização do indivíduo. Essa realização deveria ser acessível a um número muito maior de indivíduos numa civilização do lazer.
O importante é nos prepararmos desde já. Todos os homens, mesmo os mais iletrados, ao contemplarem um crepúsculo ou sonhar diante de um céu estrelado, interrogam-se sobre a finalidade da existência. E é essa interrogação fundamental que o lazer deveria possibilitar a todos. Os dirigentes atuais, contudo, não tomam nenhuma providência para que o lazer, no futuro, não se torne um fator geral de padronização, ou de tédio mortal, fonte de todas as neuroses.
Trecho de “A dinâmica da mutação”, de Patrick Ravignant,
publicado em PLANETA 3 (novembro de 1972)