04/05/2022 - 13:01
Em uma caverna estreita e úmida num local não determinado do Alabama, no sul dos Estados Unidos (mantido em segredo pelos pesquisadores para evitar saqueadores e outros visitantes indesejados), pesquisadores descobriram grandes e delicadas obras de arte rabiscadas na lama, com idade acima de mil anos. É a maior galeria de arte rupestre já encontrada na América do Norte.
Graças à umidade e ao isolamento da caverna, essas obras não secaram nem sofreram erosão, mas o que resistiu delas está tão fraco que elas estão imperceptíveis ao olho humano. Mas a fotogrametria de digitalização 3D as tornou visíveis novamente, como pode ser avaliado em estudo publicado na revista Antiquity.
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Milhares de fotografias
Pesquisas anteriores mostraram que nativos americanos antigos ocuparam uma caverna no Alabama denominada 19ª Caverna Sem Nome (o nome real foi preservado) e deixaram obras de arte para trás. Embora não seja possível datar as gravuras feitas nas paredes, os cientistas conseguiram datar o carbono deixado pelas tochas carregadas pelos artistas. Eles mostram que a arte na caverna foi criada aproximadamente 1.200 a 1.700 anos atrás. Cacos de cerâmica encontrados no chão da caverna foram datados entre mil e 3 mil anos atrás.
Em 2017, os pesquisadores deram uma nova olhada nas paredes e no teto da caverna usando luzes LED, uma câmera digital e um equipamento fotográfico que permitia a fotogrametria 3D. A técnica envolve deitar no chão da caverna e tirar várias fotos dos desenhos. A seguir, usa-se modelagem 3D para comparar e sobrepor imagens a fim de obter uma imagem clara das obras.
No total, ao longo de dois meses de trabalho foram tiradas 16 mil fotografias para criar os modelos dos desenhos. A partir desse material, os arqueólogos puderam estudar imagens de cobras e figuras antropomórficas que poderiam ter sido gravadas nas paredes e nos tetos com o uso de pedras ou dos dedos. As pessoas que fizeram isso não tinham nada além de tochas para ajudá-las a ver o que estavam fazendo.
Uma dessas obras é um ser antropomorfo, descrito assim pelo arqueólogo Jan Simek, professor da Universidade do Tennessee em Knoxville e um dos autores do artigo: “A cabeça é triangular com projeções ovais que se estendem de ambos os lados, dando o aspecto geral de uma cabeça de animal com orelhas eretas. O braço direito da figura se estende para fora e desaparece em uma linha de piso estalagmítico natural, enquanto o braço esquerdo é levantado, dobrado no cotovelo e termina em uma mão claramente humana com cinco dedos estendidos.”
Espíritos do submundo
As figuras de animais reproduzidas incluem uma cascavel-diamante, sagrada para os povos indígenas do sudeste dos EUA.
Até agora, a maior parte da arte rupestre descoberta na América do Norte era pequena – nunca tinha mais de um metro de largura. Já os desenhos encontrados no Alabama podem ter mais de 3 metros de comprimento e apresentam muito mais detalhes do que os anteriores sobre a cultura nativa norte-americana.
“Os aspectos mais marcantes dessas imagens de arte rupestre são seu tamanho e contexto”, escrevem os autores do artigo publicado na Antiquity. “Eles são tão grandes que os criadores tiveram de criar as imagens sem poder vê-las na íntegra. Assim, os criadores trabalharam a partir de sua imaginação, e não de uma perspectiva visual desimpedida.”
Os cientistas salientam que as cavernas eram consideradas locais sagrados para os nativos americanos há mais de 6 mil anos. “As cavernas eram consideradas caminhos para o submundo, justapostos com paisagens culturais pré-contato e suas comunidades sedentárias, organizadas e em grande escala”, escreveu Simek. “Nesses assentamentos, os nativos americanos do sudeste construíram montes, pelos quais poderiam ascender aos espíritos do mundo superior para interação religiosa. Cavernas decoradas representavam o oposto: portais para os mundos abaixo”. Os pesquisadores propõem que as grandes figuras dentro da caverna do Alabama seriam espíritos de um mundo sobrenatural.