04/05/2022 - 15:20
No primeiro trimestre de 2022 a Alemanha já consumiu todos os recursos naturais capazes de ser repostos em um ano todo – e outros países chegaram lá ainda mais cedo. “Não podemos continuar assim”, concluem analistas.Nesta quarta-feira (04/05) a Alemanha registra seu Dia da Sobrecarga (Overshoot Day). Isso significa que, em pouco mais de quatro meses, sua população já consumiu, em média, tantos recursos naturais quanto o planeta é capaz de repor em um ano. Ou seja: se todos no mundo vivessem como os alemães, seriam necessários três planetas Terra para sustentar esse estilo de vida.
“Isso deveria ser um sinal de alarme para nos recordar da gravidade da situação”, comenta Lara Louisa Siever, consultora-chefe de justiça de recursos da rede de desenvolvimento alemã Inkota. “É um toque de despertar para todos nós, cidadãos – mas também para os políticos e a indústria – de que não podemos continuar desse jeito.”
Calculado pelo grupo internacional de pesquisa Global Footprint Network, o índice leva em consideração quanto é consumido, a eficiência na fabricação dos produtos, o tamanho da população e até que ponto a natureza é capaz de se recuperar.
A chegada precoce do Dia da Sobrecarga da Alemanha se deve ao uso intensivo de recursos em áreas como a agricultura, e à ineficácia energética das construções, explica Stefan Küper, porta-voz da ONG para desenvolvimento ambiental e sustentável Germanwatch: “E isso resulta em a Alemanha viver de crédito e tirar muito mais do planeta do que deveria.”
Vivendo à custa das nações pobres
Não é a primeira vez que o país consumiu seus recursos tão rapidamente: na realidade, há anos ele tem alcançado o seu Dia da Sobrecarga mais ou menos na mesma época.
“E essa é a parte mais triste: não vemos suficiente ação na Alemanha. Estamos inegavelmente não fazendo qualquer progresso real, mensurável, no sentido de usar menos recursos ou emitir menos gases do efeito estufa”, critica Küper. Isso, além de tudo, envia sinais errados a outros países que possivelmente tomam a Alemanha como modelo para o enfrentamento das emissões carbônicas.
“O que eles veem é a Alemanha não fazendo nenhum progresso real para alcançar suas metas climáticas. Aí vão achar que isso tampouco deve ser prioridade para eles.” Portanto seriam necessários “passos gigantes, mensuráveis, para mostrar que a Alemanha não só estabeleceu metas, mas está fazendo algo para atingi-las.”
O país sequer foi o primeiro a atingir o ponto de sobrecarga tão cedo em 2022: outras nações de renda alta, como Catar, Luxemburgo, Canadá, Emirados Árabes Unidos e Estados Unidos alcançaram o pouco lisonjeiro marco ainda mais cedo.
Para Siever, isso evidencia como os países industrializados estão vivendo à custa dos de baixa renda: Jamaica, Equador, Indonésia, Cuba e Iraque, por exemplo, usam bem menos recursos e não atingirão seu Dia da Sobrecarga antes do fim do ano. No Brasil, ele chega em 12 de agosto.
“A Alemanha é a quinta maior consumidora de matérias-primas e importa 99% de seus minerais e metais dos países do Sul Global. Estes não consomem a mesma quantidade de insumos, mas são os que arcam com os custos, na forma de degradação dos direitos humanos e de danos ambientais.”
Sobrecarga da Terra cada vez mais cedo
Meio século atrás, a biocapacidade do planeta era mais do que suficiente para cobrir a demanda humana de recursos. Porém há muito o Dia da Sobrecarga da Terra – em que a humanidade como um todo esgota os recursos necessários a viver sustentavelmente por um ano – vem pouco a pouco subindo no calendário.
Em 1970, ele foi 30 de dezembro; em 1990, 10 de outubro. Em 2010, já se registrava em 6 de agosto. Em 2020 caiu para 22 de agosto (possivelmente em decorrência da pandemia de covid-19). No ano corrente ainda não foi anunciado.
“É o que me preocupa tanto: estarmos abusando de nossos recursos naturais há décadas e, do ponto de vista global, acusarmos um nível crescente de abuso. É uma tendência que precisa parar imediatamente”, urge Küper.
As emissões carbônicas estão entre os principais responsáveis pelo fasto excessivo do orçamento natural terrestre. Atualmente elas compõem 60% da pegada ecológica da humanidade e, se fossem reduzidas à metade, o Dia da Sobrecarga da Terra chegaria cerca de três meses mais tarde.
Migrar para a energia renovável é uma das maneiras mais poderosas de cortar as emissões. Mas Lara Louisa Siever alerta que é também preciso estar ciente das cadeias de agregamento de valor das matérias-primas.
“Todo mundo está pedindo a transição para a energia renovável. Mas para isso precisamos de minerais e metais, como cobalto, lítio e níquel. E costumamos esquecer que o processamento desses minerais contribui com 11% das emissões globais de CO2.”
Ela vem trabalhando junto à sociedade civil para o avanço de uma transição das matérias-primas no sentido da redução radical de seu consumo. Encorajador é o fato de o governo alemão ter incluído em seu acordo de coalizão um plano para reduzir o uso desses materiais básicos.
Importância prática do Dia da Sobrecarga
Numerosas iniciativas cidadãs, medidas municipais e estratégias de negócios já estão implementando mudanças capazes de, futuramente, atrasar a chegada do Dia da Sobrecarga à Alemanha.
Na cidade de Wuppertal, no oeste do país, os cidadãos iniciaram um projeto para transformar uma velha ferrovia numa rede de ciclovias, a ser trafegada por 90 milhões de ciclistas nos próximos 30 anos.
Não muito longe, em Aachen, os administradores lançaram as bases estratégicas para uma cidade climaticamente neutra até 2030. A superfície dos telhados locais capazes de acomodar sistemas fotovoltaicos é grande o suficiente para cobrir a demanda de eletricidade de toda a população local. O financiamento de 150 dessas instalações já está garantido, e outras mil estão a caminho em 2022.
Stefan Küper, da Germanwatch, atribui essas mudanças à pressão que iniciativas cidadãs, como a Greve para o Futuro (Fridays for Future), exerceram sobre os políticos. Para ele, datas como o Dia da Sobrecarga da Terra são importantes para fazer soar o alarme por todo o mundo.
“Quando começamos a conscientizar sobre esse dia, junto com outras organizações, quase ninguém sabia nada a respeito. Agora notamos um enorme crescimento da consciência pública sobre a data e os problemas que ela representa. E precisamos disso: sem pressão pública, nada vai mudar tão rápido quanto precisamos.”