15/09/2025 - 11:04
Deputados e senadores estariam usando medida provisória, que deve ser votada em breve, para tentar reverter trechos barrados em lei que afrouxa regras para licenciamento ambiental.O embate entre Congresso e governo na questão ambiental recebeu novos contornos: a proposta de 834 emendas parlamentares em uma medida provisória (MP) que buscam reinserir pontos vetados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Lei Geral do Licenciamento Ambiental (2.159/2021), que ambientalistas apelidaram de “PL da Devastação”.
No início de agosto, Lula vetou parcialmente o projeto de lei que flexibiliza as regras do licenciamento ambiental. A proposta, que tramitou no Congresso por 21 anos, foi aprovada em julho. Com os vetos presidenciais, caberá ao Congresso decidir se mantém ou derruba os dispositivos barrados por Lula.
Paralelamente, o governo apresentou uma medida provisória para que a Licença Ambiental Especial (LAE) entre em vigor imediatamente. A LAE é um mecanismo mais rápido para aprovação de obras e empreendimentos considerados estratégicos pelo governo federal. A proposta também precisa ser avaliada pelo Congresso. Espera-se que a MP seja avaliada antes dos vetos da lei geral.
Dessa maneira, deputados e senadores estariam se aproveitando dessa proposta para tentar reverter os trechos da chamada “PL da Devastação” vetados pelo presidente. Uma análise da Repórter Brasil mostrou que entre os vetos que são recriados pelas emendas da MP estão o que retirava o regime de proteção especial da Mata Atlântica e o veto ao autolicenciamento para empreendimentos de médio potencial poluidor.
A apresentação de emendas a MPs já é esperada, mas nesse caso chama a atenção o número delas. “Só não imaginávamos que seriam 834”, pontua a coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Suely Vaz de Araújo.
A advogada do Instituto Socioambiental (ISA), Alice Dandara de Assis Correia, concorda que oito centenas de propostas foram excessivas: “Eu já vi algumas MPs mais problemáticas receberem 500, 600 emendas, mas 833 realmente é muito expressivo. Também é preciso observar que muitas delas são repetidas”, aponta.
Correia afirma que há um movimento orquestrado para retomar artigos específicos vetados pelo presidente Lula. “O recado que a Frente do Agro transmite com as emendas é que ‘a gente não vai aceitar o projeto de lei e vai ajeitar aqui na medida provisória'”, afirma. A advogada salienta que há risco de haver a retomada integral de textos vetados.
Segundo Araújo, que também coordena um Grupo de Trabalho (GT) de acompanhamento do Congresso, os movimentos legislativos apontam que os parlamentares devem priorizar a análise das emendas em vez do texto do Executivo.
Campeão de propostas
O campeão de propostas de emendas foi o senador Mecias de Jesus (PL-RR), com 38 sugestões protocoladas. Por meio de sua assessoria de imprensa, ele informou à DW que a insistência nesses pontos não teve o objetivo de driblar os vetos de Lula, “mas defender posições que já tiveram apoio da maioria e que são decisivas para o desenvolvimento da Amazônia”.
Ele ainda afirma que apresentou 38 emendas porque a medida provisória precisa, a seu ver, de correções importantes. “Em estados como Roraima, enfrentamos obras paradas e investimentos travados por excesso de burocracia no licenciamento ambiental. Minhas propostas buscam resolver esses gargalos e garantir que o desenvolvimento avance sem abrir mão da responsabilidade ambiental”, resume.
O senador Luiz Carlos Heinze (PP-RS) protocolou 28 propostas de emendas, enquanto Marussa Boldrin (MDB-GO) sugeriu 27. O deputado federal Pedro Lupion (PP-PA), por sua vez, que é presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, sugeriu 19.
Na justificativa das emendas, Lupion escreve que elas têm “como objetivo restabelecer dispositivos suprimidos por meio dos vetos presidenciais ao Projeto de Lei que resultou na Lei nº 15.190, de 8 de agosto de 2025”.
Ele também ressalta, nos textos oficiais protocolados, que “os artigos vetados foram amplamente discutidos nas comissões temáticas e no plenário de ambas as Casas Legislativas, recebendo aprovação expressiva. Portanto, a emenda se justifica como medida necessária para restaurar a integralidade e a harmonia do marco legal aprovado, preservando o consenso construído e garantindo que o licenciamento ambiental brasileiro atenda simultaneamente aos princípios da proteção ambiental, do desenvolvimento sustentável e da segurança jurídica.”
A DW tentou contato com o gabinete de Pedro Lupion, mas não obteve retorno.
Organizações confirmam que haverá judicialização
De acordo com Araújo, nas propostas de emendas para a medida provisória, apenas cerca de 50 são benéficas e melhoram o texto da LAE. O restante seria, conforme ela, “perigoso”.
O retorno, por exemplo, do dispositivo que anula a Lei da Mata Atlântica preocupa organizações que trabalham no bioma. A sócia fundadora da Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi), Miriam Prochnow, afirma que o PL inicial já era muito perigoso. “O que tinha era uma frasezinha, mas essa frase acabava com toda uma lei [da Mata Atlântica]. Essa proposta foi vetada pelo Lula, mas as emendas a recolocam da mesma forma”, lamenta.
Para Prochnow, “não há milagre” neste momento: “Estamos no nosso papel de ativista e ambientalista é juntar informações para mobilizar a sociedade. O que aconteceu gerou um caos jurídico no país do ponto de vista ambiental.”
Agora, ambientalistas e organizações da sociedade civil esperam o desfecho para entender qual será o texto final. No entanto, avaliam que a situação ficou mais complexa e se organizam para a judicialização perante o Supremo Tribunal Federal.
“A judicialização vai ocorrer, seja com a LAE específica, com um texto gerado a partir da medida provisória, ou com o projeto de lei com urgência constitucional encaminhado pelo presidente Lula”, destaca Araújo.