19/07/2022 - 6:00
O verão na Cidade do Kuwait é opressivo. Um calor escaldante irradia de todos os cantos da capital, tornando excruciante até mesmo o exercício mais leve. Quer dizer, a menos que você tenha a sorte de viver em uma bolha de ar-condicionado.
“No Kuwait, ou você está em seu apartamento com ar-condicionado ou em seu carro com ar-condicionado a caminho de seu local de trabalho com ar-condicionado ou do shopping com ar-condicionado”, conta Alexander Nasir, que morava no país do Golfo Pérsico. “Claro que é absolutamente atroz para o meio ambiente, mas é a única forma de evitar o inferno lá fora.”
Nasir mudou-se para Berlim em 2014, mas não conseguiu escapar de temperaturas escaldantes. Embora a capital alemã tenha verões bem mais amenos, ele já viveu ondas de calor de até 38°C – que pareceram ainda mais intensas pelo fato de as casas alemãs raramente terem condicionadores de ar.
“Não posso e não quero recorrer ao ar-condicionado novamente”, afirma ele. “Mas está ficando pior a cada ano, e realmente não estamos nos adaptando.”
Demanda crescente por ambientes refrigerados
A crise climática tornou mais prováveis e mais intensas as ondas de calor em todo o mundo. Em 2018, o uso de condicionadores de ar e ventiladores representou 10% do consumo global de eletricidade, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE).
É uma porcentagem alta levando em conta que o uso de ar-condicionado é generalizado em apenas alguns países – como Japão e Estados Unidos, onde mais de 90% dos lares os possuem – e que o aparelho está disponível para apenas 8% dos indivíduos nas partes mais quentes do planeta.
Mas à medida que os verões ficam mais quentes, a demanda por ambientes refrigerados aumenta, especialmente nas economias emergentes. A demanda por eletricidade pode mais que triplicar até 2050, e a energia necessária apenas para resfriar edifícios pode se tornar equivalente a toda a energia usada hoje na China e na Índia.
Para romper esse ciclo, cientistas apontam para estratégias passivas de resfriamento capazes de controlar a temperatura usando pouca ou mesmo nenhuma energia.
“O resfriamento passivo é tão promissor porque é mais barato, evita a intensificação dos efeitos da ilha de calor urbana e aumenta a capacidade de sobrevivência, enquanto diminui a dependência do ar-condicionado”, afirma Alexandra Rempel, professora assistente de design ambiental da Universidade de Oregon, nos EUA. “Ele também tira a pressão da rede elétrica.”
Soluções simples para mais refrigeração
Nos climas mediterrâneos, sobreviver ao calor extremo pode ser tão simples quanto abrir as janelas à noite para deixar entrar ar fresco, e fechar as cortinas quando o sol bate na janela durante o dia.
Rempel conduziu uma pesquisa que descobriu que apenas a ventilação natural e o sombreamento do ambiente podem reduzir as temperaturas internas em cerca de 14°C e diminuir a carga nos condicionadores de ar em até 80%.
O estudo fez essas simulações usando dados de uma onda de calor em 2021 que matou centenas no Noroeste do Pacífico, região geralmente conhecida por seu clima ameno.
Truques antigos de resfriamento podem fazer uma diferença significativa se forem facilitados e propriamente comunicados ao público, afirma Rempel.
Segundo ela, isso mostra que o Noroeste do Pacífico, uma das poucas regiões dos Estados Unidos onde o ar-condicionado não é onipresente, pode evitar – ou ao menos minimizar – o uso desses aparelhos, mesmo quando o calor extremo se tornar mais constante.
Edifícios mais eficientes energeticamente
O resfriamento passivo também pode ser integrado ao projeto de um edifício. Alguns métodos, como os coletores de vento no Norte da África e no Oriente Médio, têm aliviado o calor há séculos.
Trata-se de uma torre com janelas abertas posicionada no topo de um edifício e, como o nome sugere, tem o objetivo de “coletar” o vento. O ar fresco é direcionado para dentro do prédio, enquanto o ar quente é jogado para fora através da torre.
Embora os coletores de vento tradicionais estejam em grande parte fora de uso, modelos comerciais que usam a mesma tecnologia podem ser usados em edifícios modernos.
Outros recursos que ajudam a manter os prédios a temperaturas suportáveis incluem dispositivos de sombreamento com persianas que bloqueiam o sol, vidros duplos que limitam a quantidade de calor ganho ou perdido pelas janelas, bem como fontes de água que reduzem a temperatura do ar por meio de resfriamento evaporativo.
Edifícios residenciais nos Emirados Árabes Unidos conseguiram reduzir seu consumo anual de energia em mais de 20% com o uso de refrigeração passiva, segundo um estudo da Universidade Britânica em Dubai que analisou oito estratégias.
O prédio da Academia de Ciências da Califórnia em São Francisco é um exemplo de construção que fez do ar-condicionado um último recurso. Com seu telhado verde isolante, persianas que abrem e fecham ao longo do dia e um sistema de ventilação que usa correntes de ar naturais, a estrutura coloca a refrigeração passiva em primeiro plano.
E do lado de fora?
Quando se fala em resfriamento passivo, não se trata apenas de reduzir diretamente as temperaturas em locais fechados, mas também na superfície dos edifícios e nas áreas ao redor. Afinal, não é fácil se refrescar em selvas de concreto com pouca sombra.
“Quando as ruas e calçadas passam o dia todo apenas sendo aquecidas, esses materiais se tornam a massa perfeita de armazenamento térmico e continuam a irradiar calor de volta para o ambiente durante a noite”, explica Rempel. “Então isso anula alguns dos recursos de ventilação noturna e faz com que os condicionadores de ar trabalhem ainda mais.”
A solução é simples: quanto mais árvores, mais sombra. Em Medellín, na Colômbia, autoridades plantaram os chamados “corredores verdes”, que são passagens com vegetação para manter pedestres e ciclistas livres do sol direto. A iniciativa ajudou a reduzir as temperaturas médias da cidade em 2°C.
A capital japonesa, Tóquio, também introduziu em suas ruas pavimentos que permanecem frescos com um revestimento isolante. Em Cingapura, de clima tropical, a vegetação densa em algumas fachadas de arranha-céus os impede de aquecer muito.
“Com ao menos dez metros de vegetação na frente dos prédios, já é possível reduzir a temperatura da superfície em 5°C”, diz a arquiteta Ayu Sukma Adelia, do Cooling Singapore Research Project.
Para Nasir, que está tendo que lidar com dias particularmente quentes em Berlim neste verão, a ideia de resfriamento passivo parece atraente. “Aceito qualquer solução para que eu não sue mais”, afirmou ele, sentado em um quarto escuro e borrifando água no próprio corpo.