30/07/2022 - 12:22
Há uma boa chance que você tenha intolerância à lactose – e você não está sozinho. Apenas um terço dos humanos consegue atualmente digerir esse açúcar presente no leite, e há 5 mil anos esse percentual era ainda menor.
Uma pesquisa publicada na quarta-feira (27/07) na revista Nature, realizada por pesquisadores da Universidade de Bristol e do University College London, descobriu que a capacidade de algumas pessoas para digerir a lactose tornou-se mais comum cerca de 5 mil anos depois dos primeiros sinais de consumo de leite humano, que datam aproximadamente do ano 6000 a.C.
Usando novos métodos de modelagem computadorizada, eles também descobriram que o consumo de leite não foi o motivo para o aumento da tolerância à lactose entre os humanos.
“O leite não ajudou em nada”, afirmou Mark Thomas, um dos autores do estudo e pesquisador do University College London, à DW. “Estou empolgado com o método de modelagem estatística que desenvolvemos. Até onde sei, ninguém fez isso antes.”
O que é intolerância à lactose?
Todos os bebês podem digerir a lactose normalmente. Mas, para a maioria deles, essa capacidade começa a diminuir depois que param de consumir leite materno.
Cerca de dois terços das pessoas são lactase não persistentes, o que significa que elas perdem ao longo da vida a capacidade de digerir a lactose, o principal açúcar do leite.
As pessoas que são lactase não persistentes não produzem a enzima lactase, que decompõe a lactose. Quando essa enzima está ausente, a lactose chega até o cólon, no intestino, onde bactérias alimentam-se dela.
Isso pode causar efeitos colaterais desagradáveis, como cólica, flatulência ou diarreia, alguns dos sintomas da intolerância à lactose.
Análise de DNA e histórico médico
Os resultados da pesquisa são contrários a uma crença generalizada de que o consumo de leite por nossos ancestrais pré-históricos levou à evolução de uma variação genética que lhes permitiu digerir a lactose na idade adulta.
Essa suposição pode ser parcialmente atribuída à comercialização dos supostos benefícios à saúde da tolerância à lactose. Por anos, a indústria do leite, médicos e nutricionistas apresentaram o leite e os laticínios como importantes suplementos de vitamina D e cálcio.
Os pesquisadores descartaram essa ideia depois de analisar um enorme conjunto de DNAs e de informações médicas de pessoas no Reino Unido. Eles descobriram que ser ou não tolerante à lactose tinha pouco efeito sobre a saúde das pessoas, seus níveis de cálcio ou se elas bebiam leite ou não, disse Thomas.
Por que a persistência da lactase evoluiu?
Estudos genéticos mostram que a persistência da lactase é “a característica genética única mais fortemente selecionada que evoluiu nos últimos 10 mil anos”, disse Thomas.
Por volta do ano 1000 a.C., 5 mil anos após começarmos a consumir leite de animais, o número de humanos com capacidade de digerir a lactose, que está codificada em um gene, começou a aumentar rapidamente.
Depois de descobrir que o consumo de leite não estava por trás desse crescimento acelerado, os pesquisadores testaram duas hipóteses alternativas.
Uma hipótese era que, quando os humanos ficaram expostos a mais doenças, os sintomas de intolerância à lactose combinados com os novos patógenos poderiam se tornar mortais.
“Sabemos que a exposição a patógenos cresceu nos últimos 10 mil anos, à medida que as densidades populacionais aumentavam e as pessoas viviam mais perto de seus animais domésticos”, disse Thomas.
A outra hipótese tinha a ver com a fome. Quando as colheitas plantadas por populações pré-históricas intolerantes à lactose não vingavam, o leite e os produtos lácteos se tornaram algumas de suas únicas opções de alimentação.
“Se você é uma pessoa saudável, você fica com diarreia. É embaraçoso. Se você está gravemente desnutrido e contrai uma diarreia, há uma boa chance que você irá morrer”, disse Thomas.
Os pesquisadores usaram os mesmos métodos de modelagem computadorizada para examinar se essas ideias poderiam explicar melhor a evolução da persistência da lactase.
“E eles explicaram muito, muito melhor”, disse Thomas. “Todas essas teorias que, em última análise, relacionam-se ao uso do leite não parecem úteis”.
O estudo concentrou-se principalmente nas populações europeias, e seriam necessárias mais pesquisas para populações de outros continentes.