01/07/2011 - 0:00
Embora avanços significativos tenham sido feitos em diagnóstico, prevenção e tratamento, o câncer ainda é uma das principais causas de morte no mundo. Até os anos 1960, essa doença foi tratada com cirurgia e radioterapia. Mas, nos últimos 50 anos, começou-se a entender melhor as bases moleculares do câncer. Com o rápido desenvolvimento de novos reagentes químicos no seu tratamento, a quimioterapia tornou-se uma das mais poderosas armas contra ele.
O primeiro remédio antitumor moderno, a mostarda nitrogenada, foi descoberta durante a Segunda Guerra Mundial. Pesquisadores notaram acidentalmente que o gás mostarda (cujo nome vem da cor amarela), utilizado como arma química na Primeira Guerra Mundial, pode reduzir a contagem de células brancas do sangue.
Em 1942, farmacologistas da Universidade Yale (Estados Unidos) usaram o gás para tratar linfomas avançados e descobriram que ele poderia induzir a regressão do tumor se ministrado sistematicamente. Em 1949, a Administração de Alimentos e Medicamentos dos EUA (FDA, na sigla em inglês) autorizou a comercialização da mostarda nitrogenada. Isso impulsionou o desenvolvimento de uma série de drogas quimioterápicas para tratar vários tipos de câncer. O problema é que esses remédios causam efeitos colaterais graves.
Apenas na virada do século surgiu uma nova era da terapia do câncer, em nível molecular. Tratase de uma geração de drogas que, em vez de se espalharem pelo corpo, lesionando tecidos saudáveis pelo caminho, dirigem-se exatamente aos tecidos que abrigam células cancerosas.
Evitando danos
A maioria das drogas anticâncer é feita de compostos orgânicos, mas há também remédios à base de compostos inorgânicos, sobretudo metais. O uso de metais para tratar doenças humanas vem desde a Antiguidade. Por exemplo, há 2.500 anos os chineses utilizavam o ouro como medicamento. Mais recentemente, em 1965, a platina tornou-se a base para uma das substâncias anticancerígenas mais empregadas no mundo, a cisplatina, capaz de bloquear a propagação das células cancerosas.
Mais uma vez, porém, os efeitos colaterais eram tóxicos, o que encorajou os pesquisadores a desenvolver drogas baseadas em outros metais. Graças ao trabalho pioneiro de químicos como Michael J. Clarke (EUA), K. Bernhard Keppler (Áustria) e J. Peter Sadler (Reino Unido), o rutênio surgiu como uma alternativa promissora para a platina.
Tal como o ferro, o rutênio pode se ligar à transferrina (siderofilina), a proteína do plasma que leva o ferro aos órgãos. Mas, em vez de se espalhar pelo corpo, ele se acumula nos tumores, atraído pelas células cancerosas que têm cerca de 5 a 15 vezes mais receptores de transferrina do que as células normais. Com isso, o metal age diretamente na célula cancerosa e a destrói. Além da sua grande precisão, se comparados à ação da cisplatina, certos complexos de rutênio conseguem evitar a propagação do câncer para outras partes do corpo.
Uma nova estratégia
Células com processo de autofagia em andamento (áreas em verde).
Ampliando o campo de pesquisas dos complexos de rutênio, descobriuse recentemente que a combinação do rutênio com os ingredientes ativos da planta medicinal arrudasíria (Peganum harmala) pode fornecer uma nova estratégia para o desenvolvimento de drogas anticâncer. O pó de sementes da planta é muito usado em fórmulas da medicina chinesa para curar tumores do trato digestivo.
Hoje, alguns complexos formados pela aliança de metais e ervas são capazes de deter a propagação das células cancerosas com muito mais eficácia do que a cisplatina. Além disso, percebe-se que tais complexos podem induzir ao mesmo tempo os processos de apoptose e de autofagia citoprotetora em células de câncer humano. É a primeira vez que essa dupla ação foi demonstrada.
A apoptose é um processo normal que resulta na morte de células “danificadas” em um dado momento. No caso das células cancerosas, porém, a apoptose está desligada ou desregulada, o que explicaria sua proliferação contínua. Assim, algumas das pesquisas mais recentes em oncologia têm-se concentrado em moléculas que podem religar a apoptose para induzir as células cancerígenas ao suicídio.
A autofagia, por outro lado, é um mecanismo que permite a uma célula digerir parcialmente seu próprio conteúdo a fim de sobreviver. Mas é uma faca de dois gumes, pois, embora possa significar a sobrevivência de células saudáveis e o fim das células enfermas, o inverso também pode ser verdadeiro: a digestão das saudáveis e a sobrevivência das enfermas. As moléculas compostas com metais e ervas têm o objetivo de ativar a autofagia para destruir as células cancerosas resistentes à apoptose.
Segundo o Instituto Nacional do Câncer dos EUA, as taxas de sobrevivência diante de certos tipos de câncer têm melhorado muito nas últimas décadas, mas seguem baixas em outras modalidades. Por exemplo, a taxa de sobrevivência ao câncer de fígado, em cinco anos, é inferior a 10%.
Os dados da Agência Internacional para Pesquisa sobre Câncer das Nações Unidas (Iarc, na sigla em inglês) estimam que cerca de 760 milhões de pessoas morreram de câncer em 2008. Este número pode chegar a 1,32 bilhão em 2030. A guerra continua.
Anlong Xu é vice-presidente de Pesquisa e Desenvolvimento, professor de biologia e imunologia molecular da Universidade Sun Yat-sen, de Guangzhou (China), e diretor do seu Laboratório de Biocontrole.