Os empreendimentos hidrelétricos devem evitar a inundação de florestas para minimizar a perda de biodiversidade e perturbações nos ecossistemas nas ilhas da floresta amazônica, segundo um novo estudo de pesquisadores do Reino Unido, do Brasil e de Portugal. O trabalho foi tema de artigo publicado na revista Science Advances.

O desmatamento, a perda de habitat e a fragmentação estão ligados e impulsionam a atual crise de biodiversidade, com a energia hidrelétrica como responsável por grande parte dessa degradação. Em florestas tropicais de baixa altitude, o represamento de rios normalmente inunda vastas áreas de baixa altitude, enquanto os pontos mais altos geralmente se tornam manchas de floresta insulares.

No novo estudo, os cientistas – da Universidade de East Anglia (Reino Unido), do Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, da Universidade Estadual de Santa Cruz, da Universidade Estadual de Mato Grosso e do Instituto Federal Farroupilha de Educação, Ciência e Tecnologia (Brasil) e do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO) da Universidade do Porto (Portugal) – usaram a teoria das redes para entender como a fragmentação do habitat insular afeta a biodiversidade das florestas tropicais. Essa abordagem percebe manchas de habitat e espécies como unidades conectadas na escala de toda a paisagem, abrangendo uma rede espécie-habitat.

Impacto maior

Os autores estudaram 22 manchas de habitat, compostas por ilhas florestais e três sítios florestais contínuos, que foram criados pela represa da hidrelétrica de Balbina, uma das maiores da América do Sul. As 608 espécies pesquisadas representam oito grupos biológicos: mamíferos de médio a grande porte; pequenos mamíferos não voadores; aves do sub-bosque; lagartos; sapos; besouros; abelhas e árvores de orquídeas.

O estudo revelou extinção generalizada de espécies, especialmente de espécies de grande porte, mas isso variou entre diferentes grupos de plantas, vertebrados e invertebrados. O tamanho da ilha determinou a persistência da diversidade de espécies, com apenas algumas ilhas mantendo uma diversidade maior.

Grandes extensões de florestas tropicais tornam-se mais raras à medida que são subdivididas e isoladas em pequenas manchas de habitat. A remoção de áreas florestais maiores exercerá o maior impacto, provavelmente induzindo extinções secundárias de espécies que ocorrem apenas em um único local ou daquelas que possuem maiores exigências espaciais.

Por outro lado, pequenos fragmentos florestais abrigam proporcionalmente mais espécies do que um ou alguns fragmentos maiores de área total igual, de modo que a perda de locais menores também deve causar extinções secundárias.

Risco duplo

O prof. Carlos Peres, professor de Estudos Ambientais da UEA e coautor do estudo, disse: “Os países tropicais em desenvolvimento ainda estão empenhados em criar vastos reservatórios hidrelétricos sob a bandeira da energia ‘verde’. Esse é um risco duplo porque perdemos tanto a biodiversidade única das terras baixas quanto os estoques de carbono das florestas antigas agora inundadas”.

Peres prosseguiu: “Tais ações também geram uma poderosa bomba de metano, sem falar nos enormes custos financeiros das megabarragens em comparação com a eletrificação in situ difusa baseada em energias renováveis ​​de baixo impacto. (…) Precisamos de um diálogo estratégico muito melhor entre a segurança energética sustentável e a conservação da biodiversidade, particularmente nas economias emergentes mais biodiversas do mundo”.

A drª Ana Filipa Palmeirim, atualmente investigadora do CIBIO-Universidade do Porto e anteriormente na UEA, liderou o estudo, que investigou uma paisagem complexa como uma unidade única. Ela afirmou: “Esta abordagem nos permitiu desvendar padrões anteriormente desconhecidos, como a simplificação da estrutura da rede e mudanças em parâmetros importantes da rede devido à perda de espécies afetadas pela barragem”.

A coautora drª Carine Emer, do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, disse: “A beleza deste estudo está na combinação de redes sofisticadas e análises estatísticas, com a história natural de inventários de espécies de alta qualidade de um laboratório vivo tropical surpreendente. Mais de 3 mil ilhas foram criadas há 35 anos devido ao represamento do rio Uatumã, e estudando-as pudemos entender o funcionamento de uma paisagem tão complexa e rica de modificação humana”.