21/09/2022 - 11:58
“Para evitar o esgotamento mental e ter uma vida feliz, eu preciso de três coisas: trabalho das 9h às 17h, licença para recuperar a saúde física e mental quando necessário… e, por último, ser tão leal à empresa quanto ela é aos funcionários”, recomendou a criadora de conteúdo sobre carreira Genesis Hinckley, em entrevista à DW.
Hinckley, que trabalha em uma grande empresa de tecnologia, faz parte de um crescente número de funcionários que dizem “não” à pressão constante, às horas extras e ao estresse no trabalho. É a chamada quiet quitting, ou demissão silenciosa, em tradução livre. Mas os adeptos dessa prática não buscam a demissão, e sim defendem que se faça apenas o que seu cargo exige. E nada mais.
Postagens sobre o tema entraram nos trendings topics após um vídeo no TikTok publicado no final de agosto.
“Trata-se apenas de estabelecer limites e sinalizar que não vou me matar de trabalhar só para todo mundo ficar contente”, explica Hinckley. “É, sim, dar o melhor de si nos projetos a que está se dedicando. Mas depois ir embora e não responder aos e-mails após o expediente”, detalha.
Para ela, o fenômeno sempre existiu, ainda que de forma mais discreta.
Prática se expandiu na pandemia
Hinckley explica que um dos principais motivos por trás do interesse crescente sobre o tema nas redes sociais foi a pandemia, que trouxe grande parte dos profissionais para dentro de casa. Com isso, eles passaram a ter mais tempo livre para se dedicar às suas outras paixões e a dar mais atenção para o bem-estar mental.
“Percebemos que há muito mais na vida do que só trabalhar”, diz a criadora de conteúdo.
Mesmo com os trabalhadores se afastando da pressão do trabalho e buscando mais prazer pessoal, as empresas de tecnologia viram seus lucros crescerem durante a maior parte da pandemia. Apple, Microsoft e Alphabet, dona da Google, registraram mais de 50 bilhões de dólares em lucros combinados no segundo trimestre de 2021.
Isso mostrou para os executivos das empresas de TI que “as pessoas podem ser igualmente produtivas, se não até mais, trabalhando de casa”, diz Bonnie Dilber, uma gerente de RH que fez um post que viralizou sobre a quiet quitting. A publicação foi compartilhada pelo LinkedIn, a maior rede profissional do mundo na internet. À DW, ela reforçou que trabalhar em casa oferece “benefícios financeiros e no estilo de vida”.
Mais tempo para trabalhos extras
A gerente de RH lembra ainda os ganhos financeiros de trabalhar em casa, uma vez que os empregados economizam ao evitar translados diários e ao se afastar dos caros centros urbanos. Caminhando no mesmo sentido, a criadora de conteúdo Hinkley comenta que aqueles que ficaram em casa e fizeram exatamente o que suas descrições de trabalho exigiam também foram capazes de ganhar renda adicional com trabalhos extras.
“Acho que as pessoas viram que podiam ganhar dinheiro fora de seu emprego regular”, diz Hinckley. “A quiet quitting está entre fazer o que é exigido das 9h às 17h e ter um negócio extra”, pondera. A renda extra da criadora de conteúdo vem do investimento em imóveis e aluguéis no Airbnb. “Eu ganho aproximadamente o mesmo, se não mais dinheiro com isso do que com meu salário mensal.”
Mesmo assim, ela está feliz com o emprego regular e acredita que a liberdade e a renda adicional possibilitada por trabalhar em casa tornaram as pessoas mais conscientes das falhas no sistema de trabalho. “Percebi que eu não tinha o controle da minha carreira como eu pensava.”
Falta de possibilidades de crescimento
A gerente de RH Bonnie Dilber conta que o sentimento de falta de oportunidades de crescimento é um “fator propulsor subestimado”. “Normalmente, é o que faz com que a quiet quitting aconteça. É mais a administração e as oportunidades de crescimento que fazem com que as pessoas sintam que não adianta fazer muito.”
Os lucros com a força de trabalho estão em declínio globalmente. Os aumentos salariais não acompanharam o aumento dos preços de bens e serviços relacionados à inflação. Os ganhos reais dos trabalhadores americanos, por exemplo, diminuíram em 3% desde julho de 2021, de acordo com a Secretaria de Estatísticas Trabalhistas dos Estados Unidos.
As empresas de tecnologia também têm anunciado demissões de forma constante desde maio de 2022, acrescentando mais pressão ao mercado de trabalho. O maior número de demissões no setor ocorreu em junho deste ano, com 29.137 trabalhadores sendo desligados em 237 empresas, de acordo com a plataforma de busca de emprego Trueup.
Por outro lado, o número de demissões diminuiu cerca de 29% até o fim de agosto, quando os vídeos de quiet quitting viralizaram no TikTok e a busca pelo termo no Google atingiu o pico de popularidade.
Hinckley comenta que a instabilidade do mercado de trabalho fez com que ela ficasse ainda mais atenta em produzir um bom trabalho e se esforçar para ser uma das melhores em seu papel. Mas isso não significa que ela abandonará o quiet quitting, e continuará preservando o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. “Por que você é tão leal a uma empresa que, honestamente, pode substituir você em menos de uma hora?”