24/09/2022 - 7:36
Caracterizadas por sua rápida disseminação e altas taxas de mortalidade, as epidemias – sejam elas ligadas a doenças bacterianas, como peste bubônica e cólera, ou a vírus, como varíola, gripe e HIV/Aids – marcaram a história da humanidade desde os tempos pré-históricos.
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Essas epidemias foram responsáveis por um grande número de mortes – ocasionalmente resultando em desastres demográficos – e algumas vezes até mudaram o curso da história. A Grande Peste de Atenas, que atingiu a cidade entre 430 e 426 a.C., certamente precipitou a queda da cidade sitiada. As populações dos impérios inca e asteca foram dizimadas pela varíola, trazida pelos conquistadores espanhóis no século 16. Muitos historiadores acreditam que a Gripe Espanhola ajudou a acelerar o fim da Primeira Guerra Mundial.
A falta de conhecimento sobre as doenças que causaram essas epidemias e seus modos de contágio, levou as autoridades, muito cedo, a tomar as únicas medidas sanitárias possíveis para limitar sua propagação. Exemplos incluem o isolamento dos doentes, desde o século 8, para impedir a propagação da lepra; depois, o confinamento no século 14, para conter a peste, que era desenfreada na época. No mar, os cadáveres de pessoas infectadas que morriam em navios eram jogados ao mar. As primeiras medidas de isolamento sanitário forçado foram tomadas em Ragusa – hoje Dubrovnik – no século 14; depois em Veneza, no século 15. Ambas as cidades haviam imposto várias semanas de quarentena aos navios na época. Essa medida tornou-se generalizada nos principais portos, incluindo Génova e Nápoles, na Itália, e Marselha, na França.
A busca por bodes expiatórios
As consequências de tais medidas revelaram-se muito desfavoráveis para o comércio. Como a Peste Justiniana que se espalhou por diferentes partes do mundo do sexto ao oitavo séculos, a Peste Negra, que atingiu a Europa em meados do século 14, interrompeu severamente as rotas comerciais tradicionais. A bacia do Mediterrâneo foi abandonada em favor da região de Flandres, que se tornou um importante centro comercial na Europa. De fato, o desejo de não prejudicar o comércio foi um fator significativo no gerenciamento de epidemias – muitas vezes atrasando drasticamente as medidas para conter sua propagação. Não era incomum que comerciantes e políticos tentassem encobrir sua existência.
A história das epidemias também é marcada pelo surgimento de movimentos populares contra determinados grupos sociais acusados de causar a doença. A perda massiva, simultânea e repentina de vidas humanas gerava tal sensação de medo e confusão que levava a uma busca para encontrar os culpados – na maioria das vezes, as populações mais pobres e marginalizadas, que eram então discriminadas.
As pandemias causaram sofrimento generalizado, afetando famílias e aldeias inteiras. A Peste Negra matou cerca de 25 milhões a 40 milhões na Europa – entre um terço e metade da população na época. Demorou mais de dois séculos para o continente recuperar sua população anterior. A Gripe Espanhola de 1918 causou a morte de cerca de 50 milhões de pessoas em todo o mundo. É difícil imaginar o estado de devastação que essa pandemia deve ter causado no final da Primeira Guerra Mundial.
Confrontados com a morte e o inexplicável, esses desastres levaram os humanos a refletir sobre sua condição. Os eventos também impulsionaram o avanço na busca por tratamentos e medidas preventivas. Embora a medicina ainda estivesse em sua infância no final da Idade Média, certas medidas de higiene começaram a ser impostas. Já no século 14, a roupa de cama dos pacientes estava sendo trocada. Após a epidemia de cólera que atingiu Londres em meados do século 19, as autoridades passaram a monitorar o abastecimento de água.
Surgimento de políticas públicas de saúde
A sucessão de epidemias mortais levou muitos países a entender que é mais caro tratar uma crise de saúde do que preveni-la. A cólera, doença eminentemente social, destacou as condições deploráveis em que a maioria dos habitantes do mundo vivia e trabalhava. Aos poucos foi surgindo a necessidade de implementar políticas de saúde de longo prazo – promover medidas de higiene, adotar códigos sanitários e realizar pesquisas sobre a causa das doenças e sua prevenção.
Como as doenças não respeitam fronteiras, a cooperação internacional em saúde pública desenvolveu-se durante a segunda metade do século 19. Isso resultou em uma série de conferências e na elaboração de convenções internacionais de saúde.
Em um esforço para impedir a propagação de epidemias – especialmente cólera e peste – limitando ao máximo as barreiras comerciais e a livre circulação de pessoas, 12 Estados europeus organizaram a primeira Conferência Internacional de Saúde em Paris em 1851. Isso resultou em um projeto de Convenção Sanitária Internacional, acompanhado de regulamentos internacionais relativos à peste, febre amarela e cólera.
Embora tenham ocorrido conferências semelhantes, foi somente em 1903 que uma Convenção Internacional de Saúde foi adotada, e na segunda metade do século 20 que a Organização Mundial da Saúde (OMS) foi criada, no rescaldo da Segunda Guerra Mundial.
Embora as epidemias sejam causadas pela circulação de micróbios e vírus, isso não as explica totalmente. Muitas vezes, são também o resultado de crises ambientais, alimentares, migratórias, sanitárias, económicas ou políticas. As epidemias atuam como um fator agravante em crises preexistentes, muitas vezes causadas por guerras e fome.
A atual pandemia não é exceção. Isso marca uma crise do nosso modo de vida. Estudos científicos mostram que é a degradação sistemática da natureza que é a causa raiz da pandemia de covid-19 – pecuária industrial e desmatamento em particular. O desmatamento generalizado está exercendo uma pressão insustentável sobre os habitats, forçando os animais a sair de seus ambientes naturais e incentivando os patógenos a pular de uma espécie para outra – como foi o caso dos vírus ebola e zika.
As epidemias colocam a humanidade à prova, com uma ameaça coletiva, seguida de luto. Mas a história nos mostrou que eles sempre chegam ao fim – e que, saindo de cada uma, a humanidade conseguiu se reinventar, e até mesmo fazer alguns avanços. A atual pandemia também pode levar a um mundo mais respeitoso com o meio ambiente e a vida humana.
Leia também:
Pandemics: Humans are the culprits, Unesco Courier, maio de 2020
AIDS: a worldwide emergency, Unesco Courier, junho de 1995
World health: Ten years of progress, Unesco Courier, maio de 1958
* Ana María Carrillo Farga é historiadora médica, especialista em pandemias e professora do Departamento de Saúde Pública da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM).