26/10/2022 - 13:59
Rússia e Ucrânia se acusam mutuamente de planejar o uso de assim chamadas “bombas sujas”. Essas armas foram criadas mais para espalhar medo e pânico do que eliminar alvos militares.A alegação do Kremlin de que a Ucrânia está construindo uma “bomba suja” se tornou mais um capítulo da guerra de informações. O ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, afirmou que a Ucrânia planeja usar o artefato em seu próprio território para responsabilizar as Forças Armadas e desacreditar a liderança da Rússia.
Assim como vários governos ocidentais, o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, rejeitou as acusações. Do ponto de vista de Kiev, é exatamente o contrário: Moscou é que pretende fazer uso desses tipos de bombas, afirmou.
“Bombas sujas” não são armas atômicas
“Bombas sujas” são armas que combinam explosivos convencionais e materiais radioativos, como os usados, sob condições controladas, na radioterapia, conservação de alimentos ou testes de materiais na indústria.
“Elas não são bombas nucleares”, explica Wolfgang Richter, coronel aposentado das Forças Armadas alemãs e especialista em segurança do Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP). “Isso significa que não há reações nucleares em cadeia, liberando uma tremenda força explosiva.”
Ao contrário das “bombas sujas”, as armas nucleares causam calor, ondas de pressão e sucção mortais, bem como radiação extremamente perigosa, que pode se transportada a vastas áreas através do vento e da chuva.
No entanto, no longo prazo, uma “bomba suja” pode se revelar perigosa ou mesmo letal, dependendo da quantidade de radiação absorvida. Conforme a força de explosão e radiação, áreas muito grandes podem se tornar inabitáveis por um período.
Uma arma terrorista?
“Bombas sujas” não são novas, porém são normalmente referidas como armas para terroristas, não para países, pois são projetadas antes para espalhar medo e pânico do que eliminar alvos militares.
Em 2003, as polícias das capitais Tbilisi, da Geórgia, e Bangcoc, da Tailândia, apreenderam carregamentos ilegais de césio e estrôncio radioativo. Ambas as substâncias poderiam ter sido usadas para a construção de “carros-bomba sujos”, por exemplo.
A detonação de tais dispositivos teriam exigido a retirada da população de uma área densamente povoada e uma descontaminação que custaria bilhões de dólares, afirmou o especialista do SWP Gebhard Geiger na época.
Em setembro de 2016, 15 anos depois dos atentados de 11 de Setembro nos Estados Unidos, o advogado e jornalista americano Steven Brill abordou o assunto na revista The Atlantic questionando se seu país havia se tornado mais seguro desde os atentados terroristas em Nova York.
De acordo com o artigo, apenas em 2013 e 2014, foram registrados 325 casos de extravio ou roubo de materiais radioativos. O número real, incluindo casos não registrados ou encobertos, poderia ser ainda maior. Brill acusou os políticos americanos de não prestarem atenção suficiente a essa ameaça.
Impacto psicológico maior que físico?
De acordo com a pesquisa de Brill, uma “bomba suja” detonada por terroristas no centro de Washington poderia contaminar 40 quarteirões com radiação, acarretando o gasto de bilhões de dólares em descontaminação.
No entanto, mesmo se a população não fosse retirada do local, os especialistas estimaram que menos de 50 pessoas poderiam morrer devido à radiação. Brill escreveu que “essa quantidade de mortes poderia ser provavelmente compensada por uma campanha antitabaco em um ou dois edifícios de escritórios em Washington”.
Embora o número de vítimas e mortos possa ser limitado, as “bombas sujas” poderiam causar pânico considerável. E é por isso que os políticos deveriam trabalhar para minimizar essa ameaça, argumentou Brill em seu artigo.
Bombas comparáveis a acidente de Chernobyl
Uma “bomba suja” projetada por militares, porém, poderia ter um poder de destruição muito maior do que outra construída por terroristas. “Pode-se comparar com a radiação de um acidente numa usina nuclear”, diz Richter, especialista do SWP, em entrevista à DW. “Chernobyl poderia ser um exemplo.”
Em 1986 explodiu um dos reatores da usina nuclear de Chernobyl, na Ucrânia. Desde então foi estabelecida uma zona de exclusão que se estende por um raio de 30 quilômetros do local do acidente.
Entretanto, Richter considera bastante improvável o uso de “bomba suja” pela Rússia, pois contraria seu grande esforço de mobilização de 300 mil reservistas. “A Rússia aposta na intensificação da guerra por meios convencionais”, recorda.
Em segundo lugar, existe o perigo de que o vento transporte a radiação do local da detonação e prejudique as próprias tropas russas. Por fim, o uso de uma “bomba suja” contaminaria regiões da Ucrânia que a Rússia considera ser suas. “É por isso que considero o uso de uma tal bomba não só irresponsável, mas também absurdo”, diz Richter.
O especialista vê, porém, um perigo – de ambos os lados – na especulação sobre o uso de “bombas sujas”, uma vez que “a Ucrânia também já anunciou um ataque preventivo contra um eventual ataque nuclear da Rússia”.