01/11/2022 - 11:44
As emissões brasileiras de gases de efeito estufa atingiram em 2021 o maior nível em quase duas décadas: foram 2,42 bilhões de toneladas brutas de CO2 (tCO2e) despejadas na atmosfera no período.
De 2020 para 2021, o salto em emissões foi de 12,2%, o maior crescimento percentual registrado desde 2003, ano em que o país atingiu o pico de emissões. Mais uma vez, a alta foi puxada pelo desmatamento.
Os dados fazem parte do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg) e foram divulgados nesta quinta-feira (01/11). O projeto, que publica essas informações desde 2013, integra o Observatório do Clima, rede que reúne 77 organizações, entre ONGs, institutos de pesquisa e movimentos sociais.
“Já aguardávamos este aumento por conta da subida do desmatamento. A surpresa foi a alta nos setores de energia, agropecuária e processos industriais”, comenta Tasso Azevedo, coordenador do Seeg, em entrevista à DW.
As emissões por desmatamento, contabilizadas no relatório como “mudanças de uso da terra”, foram responsáveis por 49% do total, com 1,19 bilhão de tCO2e.
A agropecuária é a segunda colocada no ranking, com 601 milhões de tCO2e em 2021, 3,8% a mais que o ano anterior. O setor de energia, que totalizou 435 milhões de tCO2e, teve um salto de 12,2%, a maior alta desde 1973, quando o país vivia o período chamado de “milagre econômico”, de forte industrialização, em plena ditadura militar.
Os gases de efeito estufa liberados pelas atividades humanas são os principais responsáveis pelas mudanças climáticas. Projeções reunidas no relatório mais recente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) sugerem que, por causa da alta concentração desses gases, a temperatura média global deve subir 1,5 °C até a próxima década e que alguns impactos – como elevação do nível do mar e queda no volume de chuvas em algumas regiões – já são irreversíveis.
Desmatamento na liderança absoluta
O desmatamento na Amazônia novamente domina as emissões brasileiras. Dos 16,5 mil km² de cobertura de vegetação nativa perdidas no país no ano passado, 9,7 mil km² foram no bioma amazônico, apontam medições feitas pelo MapBiomas, cuja base de dados é usada no cálculo do Seeg.
“A Amazônia é o local que tem as maiores taxas de desmatamento no país, assim como os maiores estoques de carbono na floresta. A gente está vendo desde 2017 um aumento de desmatamento, e, consequentemente, de emissões”, comenta Bárbara Zimbres, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
O Cerrado, segundo maior bioma e que tem 45,4% do seu território original ocupado por agropecuária, é o segundo maior emissor.
Uma surpresa desagradável durante o levantamento veio da Mata Atlântica: reduzida a apenas 12,4% de sua área original, ela teve a maior participação como fonte de CO2. “O aumento do desmatamento e das emissões na Mata Atlântica, que é um bioma de uso consolidado, com pouco desmatamento na série, foi surpreendente. A gente viu um aumento significativo, de 65%”, pontua Zimbres.
Segundo a pesquisadora, o quadro, apesar de sombrio, pode ser alterado. “Isso já foi feito no Brasil. A gente viu um pico de desmatamento em 2004, com quase 30 mil km², e o índice caiu bruscamente até 2012. Existe aparato legal, institucional, só precisa de vontade política”, afirma.
Mais gado e menos álcool
De acordo com o Seeg, em 2021 o setor da agropecuária registrou um dos maiores índices de sua série histórica. Foram 601 milhões de tCO2e contra 579 milhões de tCO2e em 2020.
O gás metano, liberado pelo gado, é o que tem o maior peso no setor (79,4%). Outro fator que explica os números foi o crescimento do rebanho bovino, que contava em 2021 com 224,6 milhões de cabeças – 3,1% a mais que o ano anterior.
O uso de adubo nitrogenado também influenciou os números do setor agropecuário. Grandes quantidades desse produto aplicado no solo acarretam elevadas emissões de N2O para a atmosfera.
“A gente tem que fazer um bom trabalho com os fertilizantes, que aumentou a participação nas emissões do setor”, comenta Azevedo, citando a alta de 13,8% no consumo e de 20% no volume de calcário usado nos plantios.
“Temos que olhar para os próximos anos pensando em ganhar em produtividade, em prosperar com a agricultura sem novos desmatamentos”, sugere.
O setor de energia, que engloba a queima de combustíveis e a produção de eletricidade, registrou o maior aumento absoluto desde a década de 1970. “O setor se ‘recuperou’ depois da pandemia, e as taxas de intensidade de uso de energia voltaram para patamares próximos a 2014, 2015”, explica Felipe Barcellos, analista do Instituto de Energia e Meio Ambiente.
Essa retomada, por outro lado, se deu com um uso maior de combustíveis fósseis. Com menos água disponível nos reservatórios para gerar eletricidade em 2021 devido à crise hídrica, mais usinas termelétricas foram acionadas, principalmente as movidas a gás natural.
“No Brasil, não adianta bater recorde de energia renovável se tiver que ligar termelétrica. O país faz a opção por ligar essas usinas, além de contratos novos de termelétricas, movidas a gás principalmente, contratadas a longo prazo”, critica Tasso Azevedo.
Outro fator que contribuiu para o aumento das emissões no setor foi a baixa na produção de cana-de-açúcar, matéria prima do etanol usado nos carros, adiciona Barcellos.
“Como o país tem a tendência de aumento do consumo de energia, é preciso incentivar tecnologias de baixo carbono, uso de fontes renováveis como a eólica, além do transporte público”, cita Barcellos alguns exemplos para equilibrar o cálculo de CO2.