11/11/2022 - 8:12
O pesquisador e técnico de radioisótopos Jorge Rivera, da Universidade de Sevilha (Espanha), participou de uma descoberta única na Europa. Depois de aplicar uma técnica de luminescência opticamente estimulada nos laboratórios do Centro de Pesquisa, Tecnologia e Inovação da Universidade de Sevilha (CITIUS) e no CENIEH em pegadas de hominídeos encontradas em Matalascañas em 2020, Rivera ajudou a determinar que as pegadas são de fato 200 mil anos mais velhas do que se suspeitava.
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Isso significaria que pré-neandertais teriam vivido na área de Doñana (sudoeste da Espanha) durante o Pleistoceno Médio, cerca de 295.800 anos atrás. Para obter esse resultado, a equipe usou luminescência opticamente estimulada, um método usado para encontrar a idade absoluta de sedimentos que foram totalmente expostos à luz solar.
A pesquisa, liderada pelo professor de paleontologia Eduardo Mayoral, da Universidade de Huelva (Espanha), foi publicada na revista Scientific Reports.
Marco científico
A descoberta, em junho de 2020, de pegadas de hominídeos com mais de 106 mil anos ao lado de El Asperillo (Matalascañas, Huelva) foi uma revolução para o mundo científico, tanto que foi considerada uma das descobertas mais importantes daquele ano. Agora, a publicação do novo artigo confirmou o que alguns especialistas suspeitavam na época: essas pegadas eram muito mais antigas e são, na verdade, 200 mil anos mais velhas do que se pensava anteriormente. Embora elas tenham sido anteriormente colocadas no Pleistoceno Superior, a evidência agora aponta claramente para o Pleistoceno Médio. Elas têm 295.800 anos, o que as torna um registro único na Europa, já que não há melhor local no mundo para pegadas fósseis de hominídeos em termos de número, idade e área do que a praia de El Asperillo.
Após a coleta de amostras dos vários níveis, e mais dois depois para comparar os primeiros resultados, a idade dos restos fósseis foi estabelecida e aponta para o Pleistoceno Médio, um momento crucial entre diferentes fases climáticas, entre um período quente, MIS 9 (360 mil-300 mil anos atrás), em transição para MIS 8 (300 mil-240 mil anos atrás), em que ocorreu uma grande glaciação.
A idade é assim especificada em 295.800 anos, com uma margem de erro de 17.800 anos, de acordo com os dados coletados das quatro amostras de níveis sedimentares nas falésias de El Asperillo onde o sítio foi encontrado. Eram inicialmente 87 pegadas, mas agora há registro de mais de 300 pegadas, das quais 10% são consideradas bem preservadas. Com exceção das de Matalascañas, nota-se que não são conhecidas outras pegadas de hominídeos entre os estágios climáticos MIS9 e MIS 8 do Pleistoceno Médio. É por isso que é incerto se as pegadas vieram dos neandertais.
Mas as pegadas vieram dos neandertais?
A princípio, pensava-se que as pegadas eram de neandertais, mas isso agora está em dúvida. A principal hipótese entre os cientistas é que as pegadas vieram de indivíduos da linhagem neandertal, com a qual o Homo heidelbergensis e o Homo neanderthalensis foram associados. A hipótese de que as pegadas pertenciam a hominídeos pré-neandertais é viável. Precisamente por isso, as pegadas de Matalascañas são agora mais valiosas devido à sua contribuição para os registros fósseis de hominídeos no Pleistoceno Médio, que é muito pobre na Europa devido à escassez de depósitos com pegadas.
Até agora, de acordo com o artigo da Scientific Reports, pegadas desse período foram encontradas apenas em Terra Amata e Roccamonfina (Itália), e foram datadas entre 380 mil e 345 mil anos atrás, com registros de Homo heidelbergensis. São os únicos mais velhos que os de Huelva nesta época. Depois disso, os achados nos sítios de Biache-Vaast (França) e Theopetra (Grécia), de 236 mil a 130 mil anos atrás, são atribuídos ao Homo neanderthalensis. Neste contexto, a faixa de comprimento de todas as pegadas encontradas em Matalascañas, de 14 a 29 centímetros, é semelhante à encontrada em sítios europeus, como Theopetra (14-15 centímetros), Roccamonfina (24-27 cm) e Terra Amata (24cm).
De qualquer forma, os especialistas destacam a singularidade da descoberta de Matalascañas, cuja nova datação desafia os paradigmas existentes e exigiu uma análise profunda antes que qualquer conclusão pudesse ser aceita.
Clima diferente
A nova cronologia estabelece agora uma mudança no cenário que então prevalecia na costa do Golfo de Cádiz, com povoamentos humanos num clima mais temperado e úmido do que no resto da Europa, com lençóis freáticos elevados e vegetação abundante.
Nesse mesmo período, o nível do mar estaria cerca de 60 metros abaixo do nível atual. Isso implica que a costa estaria a mais de 20 quilômetros de onde está hoje, que é assim que teria existido uma grande planície costeira, com grandes áreas propensas a inundações, na qual teriam sido feitas as pegadas descobertas em meados de 2020.
A nova datação do local também afeta os animais vertebrados encontrados, já que os vestígios de hominídeos também incluíam pegadas de grandes mamíferos, como elefantes de presas retas, touros gigantes (auroques) e javalis. Foi a fauna que habitou Doñana 300 mil anos atrás e não 100 mil anos atrás, como outras investigações afirmavam.