26/11/2022 - 15:03
Obras de arte criadas por amadores e espalhadas de forma descentralizada num antigo campo de concentração situado nos arredores de Berlim. É com esse conceito que a mostra Untold (Hi-)stories (Histórias não contadas, em português), em exibição no Memorial de Sachsenhausen até o fim de 2023, busca oferecer uma visão de como os jovens de toda a Europa veem hoje os crimes cometidos pela Alemanha nazista.
Com esculturas, instalações e curtas-metragens, a exposição foi montada como parte de um projeto chamado Young Interventions (Jovens Intervenções, em português), lançado em 2020. Agora ela foi enfim aberta ao público no extenso terreno do campo de concentração de Sachsenhausen, transformado em memorial em 1961.
Apesar de contar com um mapa, talvez a melhor maneira de visitar a exposição seja caminhar pelo memorial e se defrontar com as instalações de maneira aleatória.
Sachsenhausen foi construído em 1936, e a primeira obra de arte que se vê está na chamada Torre A, o portão de entrada do campo erguido naquele mesmo ano por seus primeiros prisioneiros. Outras obras são encontradas ao se caminhar pelos locais onde ficavam os alojamentos, onde mais de 200 mil pessoas ficaram presas antes da libertação do campo por soldados soviéticos e poloneses em abril de 1945.
Dezenas de milhares de prisioneiros de Sachsenhausen morreram de fome e doenças, em grande parte causadas por trabalhos forçados, experimentos médicos e maus-tratos.
Para elaborar a exposição, grupos de adolescentes, jovens adultos e descendentes de sobreviventes de campos de concentração de todo o mundo se reuniram em workshops diversas vezes nos últimos dois anos. Sob orientação profissional, eles criaram então suas obras de arte.
Pessoas reduzidas a números
Dorothy Ann van der Ent e Alex Rovira Lopez vêm da Espanha, um país que também esteve sob uma ditadura fascista. “Ficamos muito chocados ao saber como as pessoas aqui eram despojadas de sua identidade”, disse Van der Ent à DW. “Elas eram apenas um número ou um triângulo.” A contribuição da dupla para a exposição foi uma escultura tridimensional que lembra um pouco a Torre A.
Prisioneiros nos campos de concentração alemães não tinham permissão para relatar seus nomes aos guardas e tinham que, em vez disso, fornecer o número a eles atribuído. Em Auschwitz, na Polônia ocupada pelos alemães, a cifra dos detentos era inclusive tatuada em seus antebraços.
Os detentos também tinham um triângulo de tecido estampado em diferentes cores no lado esquerdo de suas roupas listradas. O detalhe servia para dividir as vítimas dos nazistas em categorias: oponentes políticos eram marcados em vermelho; homossexuais em rosa; os chamados “antissociais”, em preto; criminosos, em verde. Já o famoso triângulo amarelo foi adicionado posteriormente para os judeus.
Os estereótipos de ontem e de hoje
Foram justamente esses triângulos de cores diferentes, usados para estigmatizar os prisioneiros, que serviram de inspiração para Henrieix du Teilhet. Durante o workshop, conta, ele aprendeu que as atrocidades da era nazista não teriam sido possíveis “sem todo o aparato por trás disso”. Foi assim que Du Teilhet teve a ideia de criticar em seu trabalho como as pessoas ainda são rotuladas com base em sua orientação política e sexual.
Sua instalação convida os visitantes a “mudarem de perspectiva”: um filme plástico transparente exibe 266 triângulos coloridos, mas, do outro lado, são todos brancos. E isso, espera Teilhet, nos leva a perguntar: “Por que ainda pensamos em rótulos e por que ainda excluímos pessoas?”
Já o curta-metragem Men in Zebra, uma alusão às roupas listradas dos prisioneiros, é um projeto familiar criado por Stefan, Mischa, Milo e Lotus Lemaire, da Holanda. No filme, os membros da família leem as memórias de seu avô e bisavô, Jan, tendo como pano de fundo o antigo campo de concentração. Jan, um comunista, foi deportado pelos nazistas da Holanda para Sachsenhausen, onde ficou preso de 1942 até o fim da guerra, em 1945.
Mischa Lemaire visitou Sachsenhausen pela primeira vez em 2010 e desde então retorna com frequência. O filme de sua família, que também pode ser visto no YouTube, é uma homenagem ao avô. “Quando lemos o diário dele e ouvimos as histórias da família, conseguimos entender muito melhor este lugar”, diz Mischa.
Em Sachsenhausen, as pedras ‘ganham vida’
Jan Lemaire ficava no alojamento 52 que, como a maioria dos outros, não existe mais. Mas sua localização ainda pode ser vista pela marca de suas fundações. “Por meio do diário, as pedras daqui ganham vida”, conta o neto, Stefan, que nunca chegou a conhecer o avô, falecido aos 53 anos.
Hoje Stefan e Mischa têm quase a mesma idade de Jan Lemaire quando morreu. E é graças aos registros dos anos que ele passou em Sachsenhausen que os membros da família de terceira e quarta gerações também puderam saber como ele se sentia em relação aos alemães. “Ele fazia uma grande distinção entre seus amigos alemães dentro e fora do campo de concentração, de um lado, e os nazistas, de outro”, conta o neto Mischa.
Quando os dois falam sobre seu curta-metragem na exposição, eles primeiro o fazem em sua língua nativa e depois de forma traduzida, o que consideram uma forma de homenagear o avô. “Idioma holandês neste lugar, cercado por arte e beleza que vem do coração – ele teria gostado disso”, diz Stefan.