24/12/2022 - 17:28
Yao Ruyan andava freneticamente do lado de fora de uma clínica de febre de um hospital municipal na província de Hebei, na China, 70 km a sudoeste de Pequim. Sua sogra tinha covid-19 e precisava de atendimento médico urgente, mas todos os hospitais próximos estavam cheios. “Dizem que não há camas aqui”, ela falou no telefone.
Enquanto a China enfrenta sua primeira onda nacional de covid-19, as enfermarias de emergência em cidades pequenas e vilas a sudoeste de Pequim estão sobrecarregadas. Unidades de cuidado intensivo estão recusando ambulâncias, parentes de pessoas doentes estão procurando leitos disponíveis, e os pacientes aguardam em bancos nos corredores dos hospitais ou deitados no chão por falta de leitos.
A sogra idosa de Yao tinha adoecido há uma semana. Eles foram primeiro a um hospital local, onde exames de imagem do pulmão mostraram sinais de pneumonia. Mas o hospital não podia lidar com casos da covid-19, Yao foi informada. Ela foi orientada a ir a hospitais de cidades adjacentes.
Enquanto Yao e seu marido dirigiam de hospital em hospital, descobriram que todas as enfermarias estavam cheias. O hospital Zhuozhou, a uma hora de carro da cidade natal de Yao, foi a última decepção.
“Estou furiosa”, disse Yao, chorando, enquanto segurava as chapas de pulmão tiradas no hospital local. “Não tenho muita esperança. Estamos procurando há muito tempo e estou aterrorizada porque ela está com dificuldade para respirar.”
Jovens voltam ao trabalho, idosos sofrem
Durante dois dias, jornalistas da agência de notícias AP visitaram cinco hospitais e dois crematórios em cidades pequenas e vilas das províncias de Baoding e Langfang, no centro da província de Hebei. A área foi o epicentro de um dos primeiros surtos da China depois que o governo flexibilizou as medidas de controle da pandemia, em novembro e dezembro. Durante semanas, a região ficou silenciosa, pois as pessoas adoeceram e ficaram em casa.
Muitos já se recuperaram. Agora, os mercados e os restaurantes estão agitados e os carros buzinam no trânsito, mesmo que o vírus esteja se espalhando em outras partes da China. Nos últimos dias, manchetes na mídia estatal disseram que a área está “começando a retomar a vida normal”.
Mas o cotidiano nas enfermarias de emergência e crematórios do centro de Hebei é tudo menos normal. Mesmo quando os jovens voltam ao trabalho e as filas nas clínicas de febre encolhem, muitos idosos de Hebei infectados estão em estado crítico, o que pode ser um prenúncio do que está por vir no resto da China.
O governo chinês relatou apenas sete mortes por covid-19 desde que as restrições foram aliviadas em 7 de dezembro, elevando o número total de mortes no país para 5.241. Na terça-feira, um oficial de saúde chinês disse que a China só conta as mortes por pneumonia ou insuficiência respiratória em seu número oficial de mortos pela covid-19.
Especialistas previram de 1 a 2 milhões de mortes na China no próximo ano, e a Organização Mundial da Saúde (OMS) advertiu que o sistema de contagem de Pequim iria “subestimar o verdadeiro número de mortes”.
Crematórios fazem hora extra
No hospital Baoding 2, em Zhuozhou, na quarta-feira, os pacientes lotavam o corredor da ala de emergência. Doentes respiravam com a ajuda de respiradores. Uma mulher chorava depois que os médicos lhe disseram que um parente querido havia morrido.
No crematório de Zhuozhou, os fornos estão funcionando em horas extras enquanto os trabalhadores lutam para lidar com um pico de mortes na semana passada, de acordo com um funcionário. Um funcionário da funerária estimou que está cremando de 20 a 30 corpos por dia, contra de três a quatro antes da flexibilização das medidas de controle da pandemia.
“Tantas pessoas têm morrido”, disse Zhao Yongsheng, um trabalhador numa loja de produtos funerários perto de um hospital local. “Eles trabalham dia e noite, mas não conseguem cremá-los todos.”
Durante mais de duas horas no crematório de Gaobeidian na quinta-feira, jornalistas da AP observaram três ambulâncias e duas vans descarregando corpos. “Muitos!”, disse um trabalhador quando perguntado sobre o número de mortes por covid-19, antes que o diretor funerário Ma Xiaowei entrasse e trouxesse os jornalistas para se encontrarem com um funcionário do governo local.
Enquanto o funcionário do governo ouvia, Ma confirmou que havia mais cremações, mas disse que não sabia se a covid-19 estava envolvida, e culpou a chegada do inverno pelas mortes extras.
Oficiais dizem ter controle da situação
Mesmo com evidências anedóticas e modelos sugerindo que um grande número de pessoas está sendo infectadas e morrendo, alguns oficiais de Hebei negam que o vírus tenha tido muito impacto.
“Não há a chamada explosão nos casos, está tudo sob controle”, disse Wang Ping, gerente administrativo do Hospital Gaobeidian, falando junto ao portão principal do hospital.
Wang disse que apenas um sexto dos 600 leitos do hospital estava ocupado, mas recusou-se a permitir a entrada de jornalistas da AP. Duas ambulâncias chegaram ao hospital durante a meia hora em que os jornalistas estavam presentes, e um parente de um paciente disse à AP que elas foram rejeitadas porque a ala de emergência estava cheia.
Pacientes no chão
Em Bazhou, uma cidade a 100 quilômetros a leste de Gaobeidian, uma centena ou mais de pessoas lotavam a ala de emergência do hospital Langfang 4 na noite de quinta-feira.
Os seguranças trabalhavam para organizar a multidão enquanto as pessoas disputavam sua posição na fila. Sem espaço na enfermaria, os pacientes aguardavam em corredores. Pessoas doentes se espalhavam sobre cobertores no chão, enquanto funcionários moviam freneticamente macas e ventiladores. Em um corredor, meia dúzia de pacientes ofegavam em bancos de metal enquanto tanques de oxigênio bombeavam ar em seus narizes.
Durante duas horas, os jornalistas da AP testemunharam meia dúzia ou mais de ambulâncias chegando à UTI do hospital para pegar pacientes críticos e levá-los para outros hospitais, enquanto carros chegavam trazendo dezenas de novos pacientes.
Uma van bege encostou na UTI e buzinou freneticamente para uma ambulância que esperava. O motorista gritou: “Mova-se!”. “Vamos, vamos!”, gritou uma voz em pânico. Cinco pessoas tiraram um homem da parte de trás da van e o levaram ao hospital.
O segurança pediu a um paciente para se mover, mas desistiu quando um parente reclamou. O homem da van foi deitado no chão, no meio de médicos correndo para frente e para trás.
Os médicos chegaram correndo com um ventilador. “Você pode abrir a boca dele?”, alguém gritou. Quando tubos plásticos brancos foram colocados em seu rosto, o homem começou a respirar mais facilmente.
Outros não tiveram tanta sorte. Parentes ao redor de outro leito começaram a chorar quando os sinais vitais de uma mulher idosa se foram. Um homem puxou um pano sobre o rosto da mulher, e eles ficaram de pé, silenciosamente, antes que seu corpo fosse levado. Em poucos minutos, outra paciente havia tomado seu lugar.
bl (AP)