30/12/2022 - 16:34
A cada dezembro, Natal, Hanukkah e Kwanzaa, entre outros, tomam conta de nossos pensamentos e nossas carteiras enquanto participamos de cerimônias que nossos ancestrais praticam desde que podemos nos lembrar. Todos esses são exemplos de tradições. E na maioria dos casos, as tradições são acompanhadas de rituais.
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Qual é a diferença?
Em termos científicos, uma “tradição” refere-se à transmissão de costumes e crenças de uma geração para outra. Um “ritual”, por outro lado, é uma série de ações executadas de acordo com uma ordem prescrita e que geralmente está inserida em um sistema simbólico mais amplo, como religião ou filosofia.
Tradições e rituais
Por exemplo, comemorar aniversários é uma tradição, soprar as velas de um bolo é um ritual. Da mesma forma, enquanto casar é uma tradição, trocar votos é um ritual.
Novos rituais podem ser criados a qualquer momento. Para se tornarem tradição, eles só precisam ser compreendidos e replicados por uma comunidade mais ampla.
E não é apenas em grandes gestos que os humanos praticam rituais; alguns estão tão inseridos em nossa vida cotidiana que não os reconhecemos mais. A maneira muito particular de algumas pessoas prepararem seu chá ou café pela manhã é um ritual que elas praticam diariamente.
Basicamente, os rituais estão por toda parte. Isso levanta a questão: por que os temos?
Evidências arqueológicas para os primeiros rituais
O comportamento ritual tem origens muito profundas na humanidade. No entanto, rastrear essas origens e seu desenvolvimento é difícil, pois os rituais geralmente deixam poucos ou nenhum vestígio físico para os arqueólogos encontrarem.
Até agora, a melhor evidência de rituais antigos é o enterro deliberado de entes queridos. O exemplo mais antigo é encontrado no Monte Carmelo, em Israel, onde há cerca de 130 mil anos uma mulher neandertal foi sepultada por sua comunidade.
Os arqueólogos também sugerem que o uso extensivo de pigmentos coloridos (especialmente vermelho vivo) para pintar corpos, objetos e paredes rochosas aponta para a prática de comportamentos “simbólicos”, incluindo rituais. A evidência confiável mais antiga do uso de corantes data de 500 mil a 310 mil anos atrás e vem de vários sítios arqueológicos no sul da África.
Outro tipo de evidência muitas vezes intrinsecamente ligada a rituais e tradições são os instrumentos musicais. Flautas de osso que datam de cerca de 42 mil anos atrás foram encontradas na Europa Ocidental. Por quanto tempo as pessoas usaram os primeiros instrumentos – a voz humana, batendo palmas e batendo os pés – permanece desconhecido.
Por que temos rituais?
Os rituais desempenham um papel muito importante nas comunidades humanas por várias razões.
Em primeiro lugar, os rituais ajudam a reduzir as ansiedades individuais e coletivas, especialmente quando nós mesmos, nossa família ou toda a comunidade enfrentamos momentos de incerteza ou crise.
Uma pesquisa mostrou que, ao orarmos ou cantarmos juntos, nos sentimos conectados e apoiados e nossa ansiedade é reduzida. Isso pode explicar por que os parisienses foram levados a cantar juntos enquanto assistiam à sua amada Catedral de Notre Dame queimar em 2019.
Os parisienses cantam juntos enquanto Notre Dame queima – um ritual espontâneo para lidar com uma crise inesperada
Redução da ansiedade
Os rituais também ajudam a reduzir a ansiedade, permitindo-nos sentir o controle sobre o que nos rodeia. Por exemplo, os novos pais podem estar preocupados em proteger seu bebê. Os rituais que acolhem o bebê na família e na comunidade os ajudam a sentir que fizeram todo o possível – inclusive recorrer à proteção sobrenatural – para garantir o bem-estar de seus filhos.
Em segundo lugar, os rituais reúnem as pessoas para celebrar ou marcar marcos importantes da vida. Nascimentos, formaturas, casamentos e óbitos são marcados por rituais e tradições em todo o mundo. Esses eventos fornecem um momento e um local para reunir e incentivar as pessoas a renovar seus laços com amigos e familiares.
Esses laços são especialmente importantes em tempos de má sorte, o que ajuda a explicar por que o incentivo para mantê-los perdurou ao longo da história humana.
Imagine viver dezenas de milhares de anos atrás, quando as comunidades humanas eram bem menores e muitas vezes viviam mais distantes umas das outras. Se um vulcão entrasse em erupção, a destruição resultante poderia significar que os recursos vegetais e animais – alimentos essenciais e materiais necessários para a sobrevivência – não estariam disponíveis por meses, ou talvez anos.
Lembrança e compartilhamento
Você teria então de contar com os laços que manteve com as comunidades vizinhas por meio de rituais compartilhados. Esses vínculos encorajariam o compartilhamento de recursos até que as circunstâncias melhorassem.
Finalmente, os rituais nos ajudam a lembrar e compartilhar grandes quantidades de informações culturais. Ao aprender um formato ou padrão de comportamento por meio do ritual, podemos absorver informações e recuperá-las mais tarde com mais facilidade.
Essa abordagem funciona surpreendentemente bem para garantir que as informações sejam transmitidas oralmente por longos períodos. Até agora, a história mais antiga datada usando métodos científicos é a história do povo aborígine australiano gunditjmara sobre a erupção do vulcão Budj Bim, que ocorreu 37 mil anos atrás no que hoje é o sudoeste do estado de Victoria.
Ser capaz de reter informações sobre mudanças na paisagem, suas plantas, animais e pessoas aumentou a probabilidade de sua família não apenas sobreviver – mas prosperar.
Os rituais permanecerão
Sem os rituais e as tradições nas quais eles estão inseridos, é improvável que a humanidade tivesse avançado para seu estado atual de desenvolvimento cultural e tecnológico.
Não teríamos sido capazes de coletar e compartilhar informações continuamente, manter laços em extensas áreas geográficas ou sobreviver a períodos difíceis.
Apesar de estarem cercados por tecnologias cada vez mais complexas, os rituais hoje permanecem mais importantes do que nunca. Com eventos climáticos extremos e conflitos continuando a deslocar pessoas em todo o mundo, eles atuarão como uma cola social essencial que mantém nossas comunidades unidas.
* Michelle Langley é professora associada de arqueologia na Universidade Griffith (Austrália).
** Este artigo foi republicado do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original aqui.