Além de uma das manifestações de arte mais antigas conhecidas, os desenhos rupestres feitos por caçadores-coletores europeus durante a Idade do Gelo tinham um propósito inesperado. As imagens de 20 mil anos também eram um sistema de escrita primitivo que registrava informações detalhadas sobre a vida dos animais e uma espécie de calendário lunar, mostram novas pesquisas.

Foi um conservador de móveis e arqueólogo amador britânico, chamado Ben Bacon, quem fez a descoberta inicial de um “sistema de protoescrita” dessas marcas antigas encontradas em mais de 600 imagens da Idade do Gelo em toda a Europa. Depois que Bacon passou incontáveis horas tentando decodificar os pontos, formas e outras marcações – ao lado de representações de animais como renas, cavalos selvagens, peixes e bovídeos extintos –, ele consultou uma equipe de especialistas e pesquisadores independentes sobre suas ideias. Foi aconselhado a persistir no esforço, mesmo não sendo um acadêmico.

Tony Freeth, professor honorário do University College London (UCL, no Reino Unido), foi um dos especialistas consultados por sobre sua teoria. Freeth acabou por tornar-se parceiro de pesquisa do colega amador. “Fiquei surpreso quando Ben veio até mim com sua ideia subjacente de que o número de pontos ou linhas nos animais representava o mês lunar de eventos-chave nos ciclos de vida dos animais”, disse ele à BBC.

Pontos associados a bovídeo desenhado na caverna de La Pasiega, Espanha. Crédito: Henri Breuli

Pioneirismo

Os pesquisadores compararam os ciclos de nascimento das versões modernas dos animais com o número de marcas para determinar que eles faziam referência a um calendário lunar e acompanhavam os ciclos reprodutivos. Para eles, a inclusão de um sinal “Y”, formado pela adição de uma linha divergente a outra, significava “dar à luz”. Essa descoberta é anterior a outros sistemas de manutenção de registros em pelo menos 10 mil anos.

O trabalho de Bacon, Freeth e de Paul Pettitt e Robert Kentridge, da Universidade de Durham (Reino Unido), bem como dos pesquisadores independentes Azadeh Khatiri e James Palmer, foi publicado na revista Cambridge Archaeological Journal.

“Os resultados mostram que os caçadores-coletores da era do gelo foram os primeiros a usar um calendário sistêmico e marcas para registrar informações sobre os principais eventos ecológicos dentro desse calendário”, disse Pettit.

Segundo Bacon, ele recorreu a informações e imagens de arte rupestre disponíveis publicamente online e por meio da Biblioteca Britânica para coletar dados e procurar padrões repetidos. “O significado das marcações nesses desenhos sempre me intrigou, então comecei a tentar decodificá-los, usando uma abordagem semelhante à que outros adotaram para entender uma forma primitiva de texto grego”, disse ele à BBC. “Foi surreal sentar na Biblioteca Britânica e descobrir lentamente o que as pessoas diziam há 20 mil anos, mas as horas de trabalho duro certamente valeram a pena.”

A equipe está empolgada para fazer novas pesquisas sobre o significado de outras marcas encontradas em desenhos rupestres. “O que esperamos, e o trabalho inicial é promissor, é que desbloquear mais partes do sistema de protoescrita nos permitirá entender quais informações nossos ancestrais valorizavam”, afirmou Bacon.