28/01/2023 - 14:52
Quando se chegava ao Templo de Afaia, na ilha grega de Egina, há 2.500 anos, a primeira coisa que se via era a escultura de um jovem arqueiro. Ele era pintado em cores vivas − um recurso muito usado nos tempos antigos para tornar as figuras o mais realistas possível.
“Deixe seus olhos subirem ao céu e contemple os relevos pintados no frontão”, escreveu sobre o templo o dramaturgo grego Eurípides por volta de 408 a.C. em sua peça Hipsípila.
Conforme documentado em muitos escritos antigos contemporâneos, as esculturas de mármore não eram deixadas brancas, mas pintadas em cores vivas. No entanto, hoje é difícil imaginar que as esculturas clássicas originais brilhassem em todas as cores. Existem muitas razões para o surgimento do mito das estátuas puramente brancas. Uma delas remonta ao século 15.
Cores desbotaram
“Essa estranha noção de escultura incolor vem do Renascimento, quando era privilegiada a forma em detrimento da cor”, explicou o arqueólogo Vinzenz Brinkmann à DW em 2020. “Naquela época, as atividades de construção estavam em alta em Roma, e uma escultura era encontrada após a outra. E elas não tinham mais cores.” As cores brilhantes haviam simplesmente desaparecido ao longo dos séculos. Mas, naquele tempo, ninguém sabia disso.
E assim as estátuas brancas se adequaram perfeitamente ao gosto da época: uma simplicidade inspirada por Deus sem a distração do essencial por meio de cores ou acessórios decorativos. Os artistas renascentistas projetaram suas obras de forma correspondente, contribuindo assim para a criação do mito das estátuas brancas.
“Pinceladas por bárbaros”
Essa ideia persistiu. Quando foram descobertos resíduos de tinta em alguns achados, eles foram “deliberadamente ignorados”, explica Brinkmann. “Muitas vezes, também se dizia que bárbaros haviam dado pinceladas nas estátuas.” A verdade foi intencionalmente escondida do público para corresponder aos ideais sociais, explica.
Brinkmann e sua esposa, a arqueóloga Ulrike Koch-Brinkmann, desenvolveram juntos a exposição itinerante “Deuses Coloridos”. Desde 2003, ela percorre o mundo, com mais de 100 réplicas de esculturas antigas pintadas em cores brilhantes. O esquema de cores é baseado em suposições sobre como as figuras poderiam ter sido na Antiguidade − e também em traços de cores que foram encontrados e identificados usando tecnologia moderna. Os Brinkmann e sua equipe também estão envolvidos na atual exposição “Chroma − Ancient Sculptures in Colour”, no Metropolitan Museum of Art, em Nova York, que vai até o final de março.
Noções modernas de racismo
As estátuas brancas da Antiguidade também se encaixavam perfeitamente na visão de mundo dos europeus brancos do século 18. O branco significava pureza e clareza, o que estava em conformidade com o espírito da época. As cores, por outro lado, representavam a sensualidade, reprovada publicamente. Assim, as esculturas brancas se destacavam das obras de arte decorativamente coloridas de outras culturas.
“Do ponto de vista histórico, as sociedades aplicam seus próprios padrões ideológicos ao olhar o mundo”, diz Nikos Stampolidis, diretor geral do Museu da Acrópole, em entrevista à DW. “As pessoas daquela época admiravam a simplicidade da cor branca do mármore. Ela se encaixava com suas ideias sobre a superioridade dos brancos.”
Pintar estátuas era prática comum
As escavações em Pompeia no século 18 poderiam ter provado que a pintura de estátuas e esculturas era uma prática cotidiana nos tempos antigos. A cidade foi soterrada em uma erupção vulcânica no ano 79 d.C. Sob as cinzas, as cores das estátuas ficaram bastante preservadas, mas isso foi deliberadamente ocultado.
O site da mostra “Deuses Coloridos” afirma que “métodos de pesquisa inapropriados e diferentes interpretações de fontes de texto antigas” levaram a dúvidas sobre se as estátuas eram ou não pintadas.
Um dos exemplos mais conhecidos de uma estátua antiga sobre a qual foram encontrados restos de tinta é a Peplos Kore, a estátua de uma menina de cerca de 1,20m de altura, criada por volta de 530 a.C.. Feita de mármore da ilha de Paros, a escultura foi descoberta no século 19 no decorrer de extensas escavações na Acrópole.
Os arqueólogos encontraram vestígios de tinta laranja nos cabelos da estátua e isso está documentado. No entanto, eles fizeram cópias de gesso para enviá-las a exposições mundiais e isso contribuiu para a consolidação da imagem de que a estátua era branca.
Hitler e as esculturas brancas
No século 20, os fascistas abraçaram a ideia de que figuras brancas da Antiguidade simbolizavam a superioridade da “raça branca”. Tanto Benito Mussolini quanto Adolf Hitler louvaram, acima de tudo, a arte e a arquitetura de Grécia e Roma antigas e seu ressurgimento na Renascença.
Para os nazistas, tais figuras simbolizavam a visualização perfeita da mítica raça ariana − as representações de homens com torsos tonificados eram particularmente populares. Hitler mandou fazer centenas de tais esculturas para manifestar a suposta superioridade ariana em todo o Reich.
O significado das cores na Antiguidade
Acredita-se que as muitas cores usadas para as antigas estátuas gregas tinham significados especiais − uma ideia explorada pelo Museu da Acrópole de Atenas em sua exposição “Archaic Colours”.
Cabelos loiros, vistos tipicamente em deuses, guerreiros e atletas gregos, simbolizavam poder. Um tom de pele mais acinzentado significava virtude e bravura, enquanto a pele branca das jovens mulheres “transmitia graça e o esplendor da juventude”, de acordo com a descrição do museu.
As cores também eram comumente usadas para distinguir os gêneros na antiga arte grega: os homens eram representados com tons de pele mais escuros, pois normalmente trabalhavam ao ar livre, enquanto as mulheres eram frequentemente pintadas de branco, porque idealmente permaneciam dentro de casa e longe do sol.
Nem todo mármore é igual
Exposições como a “Deuses coloridos” e a atual mostra no Museu Metropolitano de Arte ajudam a destruir o mito da escultura branca clássica.
No entanto, Nikos Stampolidis, do Museu da Acrópoles, acredita que tais exposições dão uma “falsa impressão” de como essas cores eram na realidade. Para reconstruir estátuas antigas da forma mais realista possível, deve-se tomar um tipo de mármore e nele tentar usar cores minerais ou vegetais, como era feito na Antiguidade, disse Stampolidis à DW. Ele ressalta que cada tipo de mármore tem uma composição cristalina diferente: “Alguns são maiores, outros são menores, alguns têm mais ou menos propriedades de brilho”.
Para Stampolidis, a pesquisa está longe de ter terminado. Os portões para um mundo antigo colorido até então desconhecido estão apenas se abrindo.