29/01/2023 - 13:12
Dois eventos recentes chamaram atenção na esfera cultural mundial: o cantor australiano Nick Cave se posicionou contra uma música gerada por uma inteligência artificial (IA) “no estilo de Nick Cave”.
“Besteira”, disse Cave – e vale a pena ouvir seus argumentos.
Quase simultaneamente, três artistas nos Estados Unidos entraram com uma ação coletiva contra várias empresas de IA. A crítica delas: roubo profano de ideias!
Não há dúvida: a inteligência artificial está abrindo caminho no mundo da arte – com quais consequências ainda não se sabe. Os artistas já estão preocupados com a autoria das obras. O mercado de arte faz seus primeiros negócios com arte de IA. E obras geradas por computador já estão enchendo as exposições de museus. Muitos já se perguntam: como a inteligência artificial mudará a expressão da própria criatividade.
A robô Ai-Da causou alvoroço na Bienal de Arte de Veneza em 2022. Como a primeira artista robô humanoide do mundo, ela desenhou e pintou – com a ajuda de inteligência artificial. Câmeras em seus olhos examinam a área. Algoritmos processam as informações e permitem que o braço robótico desenhe retratos de pessoas. O criador de Ai-Da, o britânico Aiden Miller, a desenvolveu com uma equipe de cientistas da computação, especialistas em robótica e designers. Cada uma das obras de Ai-Da é única – mas também criativa?
Arte feita por robô
O Vitra Design Museum, na cidade alemã de Weil am Rhein, chamou sua exposição atual de “Hello, Robot”. O tema é a relação entre homem e máquina.
“O que interessa fundamentalmente às pessoas sobre robótica e inteligência artificial”, acredita a curadora Amelie Klein, “é o antigo desejo humano de brincar de Deus”.
A exposição apresenta também um robô que escreve manifestos. “Este robô é estúpido como uma porta. Ele conhece três idiomas, vocabulário, gramática e sintaxe, mas não entende o que está escrevendo”, disse Klein à DW.
O sonho de um ser artificial também desempenha um papel importante no cinema, impulsionado pelo fascínio e pelo medo de robôs, androides e inteligência artificial. Filmes de ficção científica, de Metrópolis (1927) a Blade Runner (1982) e Matrix (1999), são bons exemplos disso.
Mas a linha entre a inteligência artificial e a criatividade humana é tênue: será que as máquinas finalmente desvendam um dos últimos mistérios do nosso mundo tecnológico – a capacidade de sentir emoções e convertê-las em arte?
“A máquina não pode sentir emoções”, diz Matteo Kries, diretor do Vitra Design Museum. Isso não mudará no futuro próximo.
O cantor australiano Nick Cave também está convencido disso. Um fã o confrontou com uma música gerada por IA “no estilo de Nick Cave”. A canção sem título consiste em três estrofes. O refrão se traduz como “Eu sou o pecador, eu sou o santo. Eu sou a escuridão, eu sou a luz. Eu sou o caçador, eu sou a presa. Eu sou o diabo, eu sou o redentor.” Cave reagiu duramente: a IA pode ser capaz de escrever um discurso ou sermão, mas não uma música “real”.
Suas canções surgem do sofrimento, da “complexa luta humana interior por trás da criação criativa”. A IA não tem isso a oferecer: “Algoritmos não sentem, dados não sofrem”, diz Cave em seu site.
Obra de robô é leiloada
Quando um Rembrandt novinho em folha apareceu na Holanda em 2016, ele saiu de um computador: pintado “no estilo do mestre holandês”, criado com IA, alimentado com dados de 346 pinturas “reais” de Rembrandt, calculadas por inúmeros algoritmos que uma equipe de programadores, publicitários, cientistas da Delft University of Technology e especialistas em IA da Microsoft a ensinaram.
O que programas de IA como Midjourney, “Dall-E” e Stable Diffusion podem fazer no campo das imagens, a inteligência artificial Chat GPT, desenvolvida pela Open AI, pode fazer com textos: conduz conversas, responde a perguntas e escreve textos de todos os tipos. Professores de escolas e universidades relatam que os alunos também estão usando cada vez mais o software.
Em 2018, uma obra de arte gerada por IA alcançou um respeitável sucesso de vendas pela primeira vez: a pintura “Edmond De Belamy”, pintada por um algoritmo que já havia sido alimentado com 15 mil obras de diferentes épocas, foi leiloada pela Christie’s, de Nova York, por 433 mil dólares.
O coletivo criativo francês Obvious inventou uma árvore genealógica da família De Belamy, colocou a obra em uma moldura dourada e, em vez da assinatura do artista, acrescentou no canto uma fórmula algorítmica.
Quem é o autor?
Mas quem detém os direitos de uma obra gerada por uma máquina previamente treinada com milhões de imagens e textos protegidos por direitos autorais? De quem é a criação criativa, a realização intelectual única? Quem é o autor? A IA? Os programadores? Por que não Picasso, Rembrandt, Van Gogh e companhia, os artistas e escritores cujas obras forneceram os dados para a máquina?
Matteo Kries, diretor do Vitra Design Museum, não acredita que a inteligência artificial possa substituir o aspecto emocional da arte e da criatividade. Vinzent Britz, diretor de arte, motion designer e professor da Berlin University of the Arts, no entanto, compara a situação atual com a transição da pintura clássica para a fotografia: “Havia resistência, as pessoas diziam: ‘Isso não é arte, isso é uma foto, isso é plágio.” Então a fotografia se estabeleceu como uma forma de arte. “E acho que será semelhante com a inteligência artificial”, disse Britz à DW.
Enquanto isso, três artistas, Sarah Andersen, Kelly McKernan e Karla Ortiz, entraram com uma ação coletiva nos EUA contra Stability AI, Midjourney e Deviant Art. Elas exigem indenização e uma “liminar para evitar danos futuros”. Em seu site, o advogado delas, Matthew Butterick, escreve que o processo é mais um passo “para tornar a IA justa e ética para todos”. Até lá, ao que parece, ainda existe um longo caminho a percorrer.