“Aquilo que não me destrói me fortalece”, ensinava o filósofo Friedrich Wilhelm Nietzsche. Este poderia ser o mote dos resilientes, aquelas pessoas que, além de pacientes, são determinadas, ousadas, flexíveis diante dos embates da vida e, sobretudo, capazes de aceitar os próprios erros e aprender com eles

Sob a tirania implacável do relógio, nosso dia a dia exige grande desgaste de energia, muita competência e um número cada vez maior de habilidades. Sobreviver é tarefa difícil e complexa, sobretudo nos grandes centros urbanos, onde vivemos correndo de um lado para outro, sobressaltados e estressados. Vivemos como aqueles malabaristas de circo que, ofegantes, fazem girar vários pratos simultaneamente, correndo de lá para cá, impulsionando-os mais uma vez para que recuperem o movimento e não caiam ao chão.

O capitalismo, por seu lado, modelo econômico dominante em nossa cultura, sem nenhuma cerimônia empurra o cidadão para o consumo desnecessário, quer ele queira ou não. A propaganda veiculada em todas as mídias é um verdadeiro “canto da sereia”; suas melodias repetem continuamente o refrão: “comprar, comprar, comprar”.

Juntam-se a isso o trânsito caótico, a saraivada cotidiana de más notícias estampadas nas manchetes e as várias decepções que aparecem no dia a dia, e pronto: como consequência, ficamos frágeis, repetitivos, desesperançados e perdemos muita energia vital.

Se de um lado a tecnologia parece estar a nosso favor, pois cada vez mais encurta distâncias e agiliza a informação, de outro ela acelerou o ritmo da vida e nos tornou reféns de seus inúmeros e reluzentes aparatos que se renovam continuamente. E assim ficamos brigando contra o… tempo!

Haja resiliência! Essa é com certeza uma expressão adequada aos dias de hoje. Só a paciência já não basta. Além de pacientes, precisamos ser determinados, confiantes, ousados e ao mesmo tempo flexíveis e conscientes para manter os problemas em perspectiva – alguns têm solução, outros não -, deixar que o tempo se encarregue de mostrar os caminhos e, sobretudo, aprender a olhar de forma diferente para eles e achar novas maneiras e estratégias de contornar as adversidades.

A resiliência é caracterizada por um conjunto de atitudes adotadas pelo ser humano para resistir aos embates da vida. Esse termo se origina de uma ciência exata, a física, e significa a capacidade que os corpos têm de voltar à sua forma e estado originais, depois de serem submetidos a um grande esforço ou pressão externa.

O indivíduo pode ser mais ou menos resiliente, se levarmos em conta fatores intrínsecos de personalidade, valores, educação ou heranças parentais. Nossa cultura ocidental sempre deu um enorme valor à figura do herói, apresentando- o como um ser que deve superar situações de extrema dificuldade para proteger a própria vida, para salvar algo ou alguém. Na mitologia, temos o arquétipo do herói que passa por inúmeras provações, desafios físicos e morais e que, ao final de sua saga, voltará transformado, trazendo uma mensagem de verdade e esperança.

O sofrimento, as perdas e frustrações são inevitáveis durante a vida, e não há ninguém que possa dizer que não passou por eventos difíceis e traumáticos durante seu desenvolvimento. Para certas correntes psicanalíticas, o próprio nascimento já é, em si, um evento traumático, envolvendo medo, alterações fisiológicas súbitas, dores e riscos.

A atitude resiliente pressupõe um discernimento que advém de experiências anteriores

O psicanalista austríaco Otto Rank afirma que “somos todos heróis ao nascer, quando enfrentamos uma tremenda transformação, tanto psicológica quanto física, deixando a condição de criaturas aquáticas, vivendo no fluido amniótico, para assumirmos, daí por diante, a condição de mamíferos que respiram o oxigênio do ar e que, mais tarde, precisarão erguer-se sobre os próprios pés” (do livro O poder do mito, de Joseph Campbell).

A superação dos desafios é, sem dúvida, muito importante para se chegar a algum lugar, seja num contexto intelectual, profissional ou financeiro, tendo em vista que na natureza como um todo os melhores e mais fortes serão os vencedores.

Disse um mestre: “Não podemos evitar as ondas do oceano, mas podemos aprender a surfá-las.” O surfista tem jogo de cintura, agilidade, presença de espírito, amor pelo esporte, conhece o mar, conhece os ventos favoráveis e sabe a hora de pular fora da onda, pois logo atrás já vem vindo outra!

A atitude resiliente, no entanto, não é sinônimo de força ou coragem no sentido mais egoico ou heroico do termo. Ela pressupõe também uma sabedoria e uma criatividade, um discernimento que aparece como consequência de experiências anteriores, algo que também é um ganho, à medida que as adversidades vão criando uma espécie de “musculatura interior”.

Numa pessoa resiliente devem estar presentes a capacidade de adaptação e a flexibilidade perante o seu destino. Ela deve ser capaz de promover as mudanças necessárias quando elas são inevitáveis.

A resiliência pode e deve ser exercitada; ela não é algo simplesmente herdado ou um traço de personalidade. Como podemos fazer isso? Aqui vão algumas dicas para se treinar a resiliência:

Aceitação – Em primeiro lugar, não negar o problema quando ele bate à sua porta; a negação só faz aumentar seu tamanho, assim como acentuar a resistência para as mudanças. As soluções podem começar a aparecer a partir dessa compreensão.

Controle – Uma vez que a vida é inexoravelmente mutável e transitória, as reações de controle e de apego são ineficazes. Bem ao contrário do que se pensa, exercer muito controle sobre tudo e todos não é uma solução; os eventos da vida têm um curso próprio que independe da nossa vontade e da nossa opinião. Respeitar o curso natural das coisas nada tem a ver com uma atitude de resignação. Significa simplesmente não nadar contra a corrente dos fatos. Por outro lado, o criticismo exagerado e a expectativa utópica em relação a resultados são uma porta aberta para as desilusões. Reconhecer e assumir as próprias fraquezas e incompetências é, antes de tudo, um ato de coragem.

Aprendizado – Adotar uma perspectiva de entendimento e aprendizado, quando algo traz muita contrariedade ou angústia. Há muitas maneiras de sofrer: para começar, podemos sofrer com inteligência ou com burrice! Na primeira, há mais crescimento e dignidade; na segunda, a pessoa se coloca na posição de vítima e desencadeia uma busca incessante de culpados, assumindo uma postura errônea, que acaba por paralisar sua vida. As experiências difíceis são de grande valia, pois criam “anticorpos” que nos protegerão em outras possíveis situações de risco. Toda sabedoria bem absorvida funciona como uma imunização. Da mesma forma, o trabalho psicoterapêutico eficiente pode mostrar que não precisamos nos identificar com o sofrimento ou com os padrões negativos, mas podemos, sim, examiná-los, compreendê-los e aprender com eles.

Tecnologia – Use todo e qualquer instrumento tecnológico sempre a seu favor e empregue o seu discernimento para não se tornar refém das tecnologias. O excesso de informação é estressante, leva à dispersão e não pode nunca substituir com vantagem o contato pessoal, o afeto e a convivência com as pessoas queridas.

Preocupação – John Lennon dizia que “a vida é uma coisa que acontece, enquanto você fica preocupado, fazendo planos”. Assim, não se preocupe demais com o futuro. Sofrer por antecipação é um dos hábitos mais negativos do homem contemporâneo. A ansiedade é corrosiva para a saúde, afeta o sistema imunológico e sua base é o medo e a falta de confiança. O pânico, as fobias e a depressão são os sintomas da demolição dos nossos esquemas mentais de segurança.

Não há fórmulas mágicas para superar crises e dificuldades, sejam elas quais forem. Mas o indivíduo resiliente tem um diferencial na sua forma de atravessar esses momentos. Concentração, foco e tolerância podem moldar um jeito diferente de olhar os nossos problemas. Felicidade é também um modo de interpretar a realidade.

Bibliografia

– Aprenda a relaxar, Mike George, Ed. Gente

– Mente alerta, Jon Kabat-Zinn, Ed. Objetiva

– Stress a seu favor, Susan Andrews, Ed. Ágora

– Em busca do sentido, Viktor Frankl, Ed. Vozes

Tereza Kawall é psicóloga com orientação junguiana, especializada em orientação vocacional. Blog: http: bliss1000.blogspot.com