01/12/2007 - 0:00
Uma novidade está ganhando força na psicologia, e seu êxito pode significar uma reviravolta e tanto numa área tão habituada a lidar com o lado escuro da mente humana. Intitulada psicologia positiva, essa corrente se baseia numa mudança básica de perspectiva: em vez de se concentrar nas falhas de seus pacientes, os profissionais preferem focar inicialmente as forças e virtudes dessas pessoas. É a partir daí que os pacientes ganham condições de superar tanto os obstáculos de agora como outros que poderão surgir.
A psicologia positiva é uma reação à tendência do setor de ressaltar apenas os estados e aspectos negativos da psique humana. Essa tendência – baseada na crença de que a virtude e a felicidade são estados inautênticos e, em última instância, a pessoa acaba por voltar a um padrão negativo – vem de muito longe, afirma Martin Seligman, professor de psicologia da Universidade da Pensilvânia, Estados Unidos.
“Sua manifestação primeira é a doutrina do pecado original. Na sua forma secular, Freud trouxe essa doutrina para a psicologia do século 20, na qual ela se entrincheirou e permanece firme no pensamento acadêmico atual”, explica Seligman.
Segundo Alex Linley, professor de psicologia na Universidade de Leicester (Grã-Bretanha), o problema também possui razões políticas e econômicas. Após a Segunda Grande Guerra, o governo norte-americano investiu pesado no estudo de distúrbios psicológicos, como o estresse traumático, a ansiedade e a esquizofrenia.
Isso levou os pesquisadores a se concentrar nessas áreas de estudo, situação que só mudaria nos anos 1960, com o surgimento da psicologia humanística de Abraham Maslow. Mas esse movimento nunca penetrou no mundo acadêmico e, depois, com o advento da psicologia cognitiva (o segmento que estuda a percepção, o pensamento e a memória), ficou ainda mais deslocado.
A falta de rigor científico típica de muitos adeptos da psicologia humanística prejudicou a sua credibilidade ao mesmo tempo que fortalecia o setor de auto-ajuda – uma distorção que a psicologia positiva busca corrigir. “Muitos livros de auto-ajuda foram lançados com conceitos baseados em emoção e intuição”, comenta o psicólogo israelense Tal Ben-Shahar. “A psicologia positiva combina isso com a razão e a pesquisa”, explica.
Pesquisas apontam que o OTIMISMO é habilidade que pode ser ensinada e aprendida
UM DESSES ESTUDOS sobre o “funcionamento ótimo” das pessoas, realizado com freiras idosas, revelou que aquelas com uma perspectiva positiva da vida quando tinham entre 20 e 30 anos viveram até uma década a mais do que as demais. Outro, com pessoas a quem se solicitou que redigissem um diário todas as noites durante seis meses, registrando coisas que haviam dado certo naquele dia, mostrou que seu desempenho em avaliações de felicidade, otimismo e saúde física foi melhor do que aquelas que não escreveram. Além disso, pesquisas apontaram que o otimismo é uma habilidade que pode ser ensinada e aprendida.
Em 1998, Martin Seligman, em seu discurso presidencial para a American Psychological Association, exortou a psicologia a voltar-se para “a compreensão e a edificação das forças humanas a fim de complementar nossa ênfase na cura de distúrbios”. A idéia prosperou: a Gallup Organization criou o Gallup Positive Psychology Institute para patrocinar estudos na área e, em 1999, 60 pesquisadores participaram do 1º Encontro Gallup de Psicologia Positiva. Em 2001, o evento se tornou internacional e a cada ano esgota rapidamente as 400 vagas oferecidas.
EM 2006, O CURSO MAIS procurado por alunos não-graduados na faculdade norte-americana de Har vard (uma das mecas do pensamento acadêmico tradicional) foi psicologia positiva, com quase 28% a mais de inscrições do que o segundo colocado, introdução à economia. Já existem mais de 200 cursos sobre psicologia positiva em universidades norte-americanas, além de um mestrado na Universidade da Pensilvânia (orientado por Seligman). Uma instituição de ensino público britânica – a Wellington College – incluiu aulas de psicologia positiva e felicidade em seu currículo básico.
No artigo “The Science of Happiness” (edição de janeiro/fevereiro de 2007 da Harvard Magazine), o professor de psiquiatria George Vaillant observa que no livro Comprehensive Textbook of Psychiatry (a “bíblia” clínica da psiquiatria e da psicologia clínica nos Estados Unidos) “há milhares de linhas sobre ansiedade e depressão e centenas sobre terror, culpa, raiva e medo. Mas só há cinco linhas sobre esperança, uma linha sobre alegria e nenhuma sobre compaixão, perdão e amor”. A psicologia positiva tem mudado isso, popularizando termos como otimismo, resiliência (expressão da física que significa poder de recuperação, grau de elasticidade), coracoragem, virtudes, energia, forças, felicidade, perdão ou alegria.
Afora o mestrado da Universidade da Pensilvânia, ainda não existe treinamento específico para a psicologia positiva. Linley não vê mesmo necessidade disso: “Você pode dizer que qualquer profissional está atuando como um psicólogo positivo se está adotando uma abordagem que examina tanto o que está funcionando bem como o que não está funcionando.”
Mas essa simples mudança de enfoque conduz o tratamento para terrenos bem diferentes dos tradicionais. No artigo da Harvard Magazine, o editor-assistente Craig Lambert ilustra: “Em vez de analisar a psicologia subjacente ao alcoolismo, os psicólogos dessa área podem estudar a resiliência dos que conduziram uma recuperação bem-sucedida – por exemplo, por meio dos Alcoólicos Anônimos.
“Em vez de ver a religião como uma ilusão e uma muleta, (…) eles podem identificar os mecanismos por meio dos quais uma prática espiritual como a meditação fortalece a saúde física e mental. Suas experiências em laboratório podem definir não as condições que induzem a um comportamento indesejado, mas as que estimulam a generosidade, a coragem, a criatividade e a alegria.”
UM DOS NOMES MAIS destacados nessa área é o de Tal Ben-Shahar. Formado em Harvard, ele foi o responsável pelo curso mais requisitado da universidade no ano passado, e seus livros são best-sellers. Os exigentes alunos de Harvard endossam o sucesso. “A psicologia positiva pode ser o curso em Harvard que todos os alunos precisam fazer”, diz Nancy Cheng, aluna de biologia. “Nesse ambiente de ritmo rápido e competitivo, é muito importante que as pessoas arranjem tempo para parar e respirar. Uma aula de auto-ajuda? Talvez… Mas a partir do que vi e experimentei em Harvard, acho que poderíamos todos usar um pouco de auto-ajuda como essa.”