A ciência sempre se empenhou em explicar os complexos mecanismos que atuam em nossos órgãos dos sentidos. Embora a compreensão que temos da realidade seja sempre mediada pelo cérebro, olhos, ouvidos, boca, nariz e pele são as ferramentas essenciais na construção do que entendemos por realidade. Entender como funciona cada uma dessas máquinas de alta precisão também pode nos ajudar a compreender melhor o mundo em que vivemos. E, claro, a nós mesmos.

Alexandre Alves Tôco ficou cego ainda criança. Vítima de um glaucoma congênito, começou a perder a visão antes de nascer e aos 4 anos já não enxergava nem uma leve réstia de luz. No entanto, esse mineiro de 33 anos, que mora atualmente na capital paulista, não é só o exemplo de alguém que perdeu sua visão – Alexandre é antes de tudo um exemplo da importância de cada sentido do nosso corpo. Há pouco mais de um ano, resolveu partir para um desafio que levantou sobrancelhas de seus companheiros e parentes: acompanhar um grupo de aventureiros numa travessia de 30 quilômetros em meio às montanhas do Parque Nacional do Itatiaia, no Estado do Rio de Janeiro. Mesmo sem a visão, foi mostrando pouco a pouco, a cada um dos integrantes do grupo, que a perda de um órgão significa também a possibilidade de entender e valorizar os outros quatro.

TATO
O mais completo dos sentidos

Antes mesmo de sair, Alexandre deu sua primeira lição: sentou-se calmamente e apalpou um a um os objetos espalhados sobre o chão. Precisava reconhecer a textura e o formato de tudo que colocaria em sua mochila: barraca, fogareiro, saco de dormir, roupas e outros utensílios que necessitaria nos próximos dias. Até aí, nenhuma dificuldade. Em seu dia-a-dia, é assim que percebe quase tudo que o cerca. Tem como aliado um dos sentidos mais precisos e diversificados do nosso corpo: o tato. É através da pele que Alexandre, bem como todos nós, percebe as nuances do ambiente e forma a imagem das coisas que não consegue ver.

Resistente, apesar de sua aparência delicada, a pele consegue diferenciar cinco sensações básicas: contato, pressão, frio, calor e dor. Funciona como um extraordinário scanner, com milhares de sensores que permitem decodificar a totalidade da informação tátil, levando-a da superfície da pele ao cérebro.

Além de uma camada de gordura, a hipoderme, que serve para controlar a temperatura do corpo, a pele também é formada por duas camadas superpostas: a derme e a epiderme. A primeira tem função de barreira e de filtro protetor da segunda, na qual se encontram os capilares sanguíneos, os nervos e os receptores táteis. São os receptores táteis os responsáveis pela tradução de parte das informações recebidas, que só então serão levadas pelos nervos ao córtex, no cérebro. Apesar de o mecanismo parecer simples, o tato é um sentido extremamente complexo: as emoções táteis são de uma natureza tão diferenciada que poderiam, na realidade, corresponder a vários outros sentidos. É o que acontece no caso de Alexandre: embora não tenha a mediação das imagens, as informações são traduzidas usando referências do odor, do olfato e do paladar.

Através de um único contato conseguimos transmitir uma infinidade de informações e desejos. Um beijo, por exemplo, é uma variação de pressão, de calor e uma mistura de sensações capazes de acelerar até mesmo um dos órgãos mais importantes do nosso corpo: o coração.

Nos momentos mais perigosos a pele também age como um fantástico detector de perigo: a dor associada ao tato nos protege de agressões exteriores e, na maior parte do tempo, é seguida de reflexos que as evitam. Não é necessário pensar para retirar a mão de uma chapa aquecida que pode nos queimar. Exemplos não faltam.

No caso de Alexandre, enfrentar horas de trilhas em terrenos totalmente irregulares já demonstra a que ponto pode chegar a habilidade tátil, mesmo estando sempre acompanhado por um dos integrantes da equipe. Com um bastão na mão, que o auxiliava nas manobras mais difíceis, ele seguia sentindo cada movimento do seu condutor, e assim desviava de galhos e outros obstáculos do seu trajeto. Em pouco tempo desenvolveram um código que permitia que desviasse automaticamente de pedras e buracos, e andasse praticamente no mesmo ritmo dos outros aventureiros. “Pedra, cinco, à direita”, dizia o condutor. Alexandre sabia que teria de desviar de um galho a mais ou menos cinco metros de sua perna direita. Atento a tais palavras, ele seguia praticamente no mesmo ritmo de seus companheiros de aventura, e fazia uso de outro sentido: a audição.

No livro Uma História Natural dos Sentidos, a pesquisadora americana Diane Ackerman analisa de forma acessível como funcionam, como nasceram e como evoluíram nossos sentidos. E o que podem nos ensinar sobre o mundo em que vivemos.

POR UM MUNDO ADAPTADO

Longe das aventuras, Alexandre também se esforça para vencer os obstáculos de um mundo que não está adaptado às suas necessidades. Formado em Análise de Sistemas, trabalha em um dos maiores bancos do País desenvolvendo softwares. Passa grande parte do dia em frente do computador, equipado com um software chamado Jaws (sigla do inglês Job Access with Speech), que transforma em som as palavras e números que aparecem na tela. Podemos dizer que ele ouve seu computador. Aliás, é maluco por computador.

Em casa, um sistema digital de leitura chamado OCR (do inglês, Optical Character Recognition), ligado a um scanner, é capaz de reconhecer os caracteres da página de um livro e transportá-los para um arquivo digital. Assim ele consegue ler tudo que deseja, até mesmo esta reportagem que você está lendo agora, sem depender de exemplares em braille ou falados, no Brasil, ainda insuficientes.

É justamente aí que entra outra questão importante: em nosso país, a grande maioria dos portadores de necessidades especiais, como os cegos, surdos e mudos (já que estamos falando desses sentidos), não tem as mesmas condições que Alexandre. Longe disso. O Brasil é um péssimo exemplo quando se trata de adaptabilidade. Por mais que a tecnologia auxilie essas pessoas, as inovações ainda estão muito distantes da população em geral, sendo que entre os desafios estão questões básicas, como a adaptação ao ambiente físico (arquitetura, transporte, segurança, comunicação, etc.) e, claro, a conscientização da sociedade.

Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), cerca de 24,6 milhões de brasileiros, ou seja, 14,5% da população total, apresentam algum tipo de necessidade especial, incluindo- se aí pessoas com alguma dificuldade de enxergar, ouvir, falar ou locomover- se. A média nacional de empregabilidade dos portadores de necessidades especiais é extremamente baixa, de apenas 2,05%, um pouco acima da cota mínima exigida por lei. No entanto, mais que leis, é essencial uma postura consciente de cada cidadão, entendendo que essa mudança é uma necessidade coletiva, de toda sociedade. Afinal, ninguém sabe como será o dia de amanhã.

AUDIÇÃO

Uma máquina sensível

Embora estivesse em um ambiente totalmente diferente do que estava acostumado, em pouco tempo Alexandre já percebia mínimas nuances de paisagens e caminhos – a mata mais fechada trazia sons mais curtos, o barulho do vento era mais forte nos descampados, galhos sussurravam em seus ouvidos. Nas trilhas, o simples raspar de calças e mochilas, o arrastar dos bastões e o cantar dos pássaros lhe serviam de guia. Alexandre tinha como grande aliado uma máquina sensível e complexa, capaz de transformar energia sonora em impulsos elétricos, que, por sua vez, levam as informações até o cérebro.

Tudo começa com a propagação das ondas sonoras, que seguem através do ar da mesma forma que as ondas do mar desembocam na areia da praia. O processo repete-se continuamente até que a onda, enfim, alcance a orelha, que capta e interpreta as ondas sonoras. O som corresponde a uma vibração que provoca mudança de pressão; portanto, ouvir depende inicialmente de um processo mecânico, estudado por uma das áreas da física, a acústica.

Essa primeira parte do processo acontece no ouvido externo, que é formado pelo pavilhão auricular e pelo canal auditivo, um tubo de aproximadamente três centímetros que conduz ao tímpano. Já o tímpano, uma membrana hipersensível, é responsável por captar as variações das ondas sonoras, e atua, mais ou menos, como a pele em um tambor. Mas cuidado: esse “tambor” é muito delicado, e as células que compõem nosso sistema auditivo não se reconstituem.

A vibração captada pelo tímpano passa então pelo ouvido médio, formado por três ossinhos: o martelo, a bigorna e o estribo. Através deles é conduzida ao ouvido interno, formado por um meio líquido que abriga dois conjuntos distintos: a cóclea (ou caracol), que permite a audição, e o labirinto, órgão do equilíbrio. Ao ser transmitida ao ouvido interno, a vibração é captada pelas células do caracol, que a interpretam em três etapas: inicialmente, amplificam as vibrações, depois as transformam em impulsos nervosos e, finalmente, as enviam ao cérebro. Assim, o córtex cerebral capta e interpreta a mensagem, e devolve a sensação auditiva, como para confirmar o recebimento. É assim que ouvimos.

Claro que no dia a dia não atentamos para todo esse processo. Na maioria das vezes, nem mesmo atentamos para o ambiente sonoro que nos cerca. Não é o caso de Alexandre: desde criança, ouvir é uma grande arma para entender o mundo à sua volta. “Lembro- me sempre de quando era criança e saía de carro com minha avó. Ela ia descrevendo tudo enquanto eu sentia o vento no rosto. É assim que eu compreendo o mundo”, diz o rapaz.

Apesar de nunca ter visto um pôr do sol, uma montanha, uma árvore ou uma cachoeira, são essas descrições que ajudam Alexandre a compreender um pouco os lugares por onde passa.

Em sua aventura, durante as longas caminhadas diárias, quem o acompanhava também dedicava parte do tempo à descrição da paisagem. A cada quilômetro descrevia mais e mais as encostas, os vales e árvores, a textura das pedras, das folhas e as minúcias de uma pequena flor brotada no chão. Ele recolhia algumas, tocava-as, sentia-as e, levando-as ao nariz, iniciava uma outra jornada rumo ao olfato.

O filme O Céu de Lisboa, dirigido pelo cineasta alemão Wim Wenders, conta a viagem de um sonoplasta à capital portuguesa, onde se encanta com seus sons e com a música do grupo lusitano Madredeus. Já O Filme Surdo de Beethoven, de Ana Torfs, conta os últimos dias na vida do gênio musical que perdeu sua audição e se comunicava apenas através da escrita, embora nunca tenha deixado de compor.

O OUVIDO ABSOLUTO

Imagine que você faça um show para dez mil pessoas. Ao tocar uma música, um dos instrumentistas termina seu solo com uma nota solitária, contundente, que dura alguns segundos. Entre seus convidados, há a probabilidade de que apenas uma pessoa seja capaz de identificar aquela nota sem nem ao menos conhecer a música que está sendo tocada. É isso que chamamos de ouvido absoluto, essa capacidade de reconhecer uma nota musical sem que outra tenha sido tocada como referência. É só tocar qualquer nota que as pessoas dotadas dessa habilidade vão dizer tratar-se de um dó maior, ou um si bemol.

O fenômeno, bastante raro, ocorre em uma a cada dez mil pessoas. O curioso é que durante muito tempo se pensou que essa característica tivesse origem no ouvido. Mas não. É o cérebro (embora chamemos de ouvido absoluto) que processa essa informação com total maestria.

Embora alguns cientistas defendam a genética como principal motivo de se possuir o ouvido absoluto, é possível adquirir essa habilidade com muita prática. Músicos o fazem, e memorizam, um a um, os sons da escala musical. Há ainda cientistas que defendem que nós todos nascemos com ouvido absoluto e vamos perdendo essa habilidade no decorrer da vida.

OLFATO

O aliado dos instintos

No café da manhã, era o cheiro do queijo quente que despertava Alexandre, principalmente por ser uma das poucas comodidades da vida moderna presentes na sua aventura pelas montanhas. Depois de vários dias dormindo em barracas e caminhando horas em trilhas tortuosas, esse era um cheiro reconfortante.

No entanto, eram os odores da natureza que enchiam sua viagem de sentindo e davam a ele mais informações necessárias para curtir cada ambiente. Em pouco tempo já distinguia o cheiro doce das matas fechadas da grama úmida de cada manhã e o cheiro de chuva, que anunciava que água cairia a qualquer momento. Através do olfato, Alexandre parecia mais conectado com a natureza à sua volta. Talvez seja por isso que os cientistas afirmem que o olfato é o sentido mais animal que possuímos. Diferente da visão e da audição, o olfato é identificado no cérebro em uma área ligada à emoção, a mais primitiva. Ou seja, é puro instinto.

No que diz respeito ao funcionamento do sistema olfativo, repete-se a existência de um complexo caminho químico e físico que, aqui, começa em nossas vias respiratórias e termina no cérebro. O nariz é composto por duas fossas nasais, cavidades revestidas de mucosas e abertas do lado das narinas. As fossas nasais umidificam e filtram o ar graças ao muco e aos cílios que revestem as mucosas. O ar, carregado de odores, é captado por esses “pelinhos” localizados no topo do canal da narina. São eles que traduzem as sensações olfativas em impulsos nervosos que serão transmitidos ao cérebro, onde tais informações são interpretadas e armazenadas. Para se ter uma idéia, estima-se que são mais de 300 mil os odores encontrados na natureza e passíveis de serem reconhecidos pelo homem.

Um sentido poderoso, o olfato também serve como uma espécie de sinalizador, que nos permite perceber e caracterizar o mundo que nos cerca, reconhecer uma pessoa, identificar uma alimentação boa ou má e apurar o gosto durante a mastigação.

Se dermos uma olhadinha nos outros animais, vamos perceber que é dessa forma, pelo cheiro, que eles se reconhecem. Com o homem primitivo também já foi assim, mas o desenvolvimento das civilizações modernas e de novas formas de relacionamento foram mascarando seus odores e eles acabaram perdendo (quase totalmente) tal função. Hoje em dia, instintivamente ainda utilizamos o olfato para identificar uma pessoa, mas isso quase sempre acontece por intermédio de um perfume.

Também é fácil perceber a importância do odor em nossa vida quando estamos com gripe. Já reparou que os alimentos perdem o sabor? É que o que entendemos por gosto é processado também pelo nariz, ou seja, o gosto é composto também pelo cheiro. Aliás, falando em gosto, vamos tentar entender esse outro saboroso sentido, a gustação.

No livro O Perfume, História de um Assassino, de Patrick Süskind, um homem busca a fórmula de um perfume ideal, num mundo descrito por odores. Já no filme Perfume de Mulher, com direção de Martin Brest, um jovem é contratado para acompanhar um cego que reconhece belas mulheres pelo cheiro.

FEROMÔNIO: ARMA DA SEDUÇÃO

Entre as substâncias presentes nos odores do nosso corpo, uma delas tem uma função muito especial. Ligado aos hormônios sexuais, os feromônios servem para alertar o parceiro de sua condição sexual, como, por exemplo, avisar se você está em um bom momento para ter uma relação sexual. Ou seja, são uma arma secreta na atração sexual.

Um estudo do Monell Chemical Senses Center, da Filadélfia, nos Estados Unidos, provou que o suor masculino provoca alterações na libido das mulheres. Durante seis horas, foi colocado suor masculino – disfarçado com fragrâncias – nos lábios de mulheres voluntárias. Além de terem seus índices hormonais acelerados, muitas ficaram “aptas” ao ato sexual. No caso das mulheres, e de fêmeas de outras espécies, os feromônios agem especialmente quando estão em seu período fértil, indicando ao macho que é hora de se fazer alguma coisa para preservar a espécie.

Agora, a idéia é que em pouco tempo estejam disponíveis nas prateleiras substâncias feitas a partir dos feromônios, que possam servir como tratamento efetivo e seguro para uma série de disfunções sexuais. Ou simplesmente para deixar o parceiro com os outros sentidos à flor da pele.

GUSTAÇÃO

Um sentido a ser educado

Agora deixemos de lado a aventura de Alexandre pra falar de um sentido que pouco tem a ver com a nossa percepção espacial. A gustação é considerada, sobretudo, um sentido ligado ao prazer. Basta atentarmos para o grande número de expressões que ligam o sabor a épocas de nossas vidas – quem não se lembra de algo com aquele delicioso “sabor de infância”, ou do incomparável “gostinho de comida de vó”? Ou mesmo de uma comida que lembra alguém que gostamos…

Pois o responsável por tudo isso é a língua, um órgão extremamente elaborado, que consegue decodificar milhares de nuances de gostos e texturas.

E é na língua que tudo acontece. É ali que se inicia a formação do bolo alimentar e é dali que são transmitidas ao cérebro as primeiras informações acerca dos alimentos que acabaram de ser ingeridos. Formada de músculos revestidos por uma fina mucosa, ela é coberta de pequenas saliências – as papilas gustativas –, divididas em quatro regiões, cada uma dedicada a um tipo de sabor: as sensações de doce estão localizadas na ponta da língua, as de salgado nas partes laterais, as de azedo nas porções posteriores e a sensação de amargo, no meio. Talvez você não saiba, mas é em função dessa divisão que surgiu o hábito de tomar remédio jogando o líquido direto no fundo da boca, “goela abaixo”, sem que se tenha contato com a parte que reconheceria seu sabor amargo desagradável.

Entretanto, as sutilezas do paladar são ameaçadas pelos excessos de açúcar e de sal, que mascaram o sabor característico do que comemos e bebemos, e, por falta de uma educação nutricional, o paladar se perde no decorrer de nossa vida. Segundo novos estudos, no momento que nascemos possuímos milhares de terminações nervosas ligadas à gustação, que se reduzem a algumas centenas ao atingirmos a idade adulta.

O órgão de gustação começa a funcionar quando estamos na barriga de nossa mãe, sendo que o feto já é capaz de reconhecer certos sabores. Sabe-se até que há nítida preferência pela sensação de doce, o que talvez explique nossas preferências na infância. Então o paladar começa a se inclinar para o salgado e vai mudando ao longo da vida, de acordo com nossos hábitos e com a sociedade em que vivemos. O que se sabe hoje (e isso vale para todos os sentidos) é que nossos órgãos sensoriais também estão impregnados com nossa bagagem social, o que explica o fato de certas culturas terem o paladar mais desenvolvido para o ardido, outras para o amargo e assim por diante.

O livro Como Água para Chocolate, de Laura Esquivel, é um formidável exemplo do poder do paladar. Nele uma jovem expressa suas emoções e seu amor através da comida. Há também uma bela adaptação para cinema, dirigida pelo mexicano Alfonso Arau.

OS SENTIDOS NO MUNDO ANIMAL

Você já deve ter ouvido a expressão de que uma pessoa tem olhos de águia, ou mesmo olhos de lince, fazendo referência à acuidade visual desses animais. Não é à toa. Afinal, alguns animais são conhecidos pela característica de seus sentidos. As aves, por exemplo, possuem muito mais células visuais do que a maioria das espécies, o que determina sua capacidade de ver objetos pequenos a grandes distâncias. Enquanto a retina humana tem aproximadamente 200 mil células visuais por milímetro quadrado, a maioria das aves tem três vezes mais do que isso. Gaviões, abutres e águias têm um milhão, ou mais. Também dispõem de lentes excepcionalmente flexíveis, que permitem um foco rápido, capacitando- os para um vôo em meio a uma floresta fechada ou entre arbustos.

Em comparação com os humanos, muitos animais também possuem uma audição fenomenal. Enquanto nós podemos ouvir sons na freqüência de 20 a 20 mil hertz, os cães podem ouvir na freqüência de 40 a 46 mil hertz e os cavalos, de 31 a 40 mil hertz. Além disso, como as freqüências baixas trafegam mais longe, os elefantes podem comunicar-se a distâncias de quilômetros.

Há ainda sentidos que são exclusividade dos animais. Os tubarões, por exemplo, possuem o que é chamado de eletrorreceptividade, ou seja, eles detectam campos elétricos da mesma forma que os ouvidos humanos detectam os sons. Já os mosquitos ouvem com a ajuda de pêlos hipersensíveis que reagem não apenas ao som, mas também aos mais suaves movimentos do ar. Essa sensibilidade explica por que é tão difícil matar uma mosca com as mãos.

Outra descoberta fantástica em alguns animais é uma espécie de sentido magnético, que lembra o funcionamento de uma bússola. É que dentro do corpo de muitas criaturas, como as abelhas, pesquisadores encontraram pedaços microscópicos de magnetita, um tipo de ímã natural. As células que contêm esses cristais são ligadas ao sistema nervoso e assim as abelhas conseguem detectar campos magnéticos que auxiliam na orientação e na precisão de seus vôos. É possível que os animais migratórios também tenham esse sentido magnético, o que explicaria o retorno ao local exato onde estiveram há anos.

VISÃO

Janela para o mundo

Agora que já passeamos pelos quatro sentidos, é hora de falarmos da visão. Trata-se de um dos mais complexos mecanismos do corpo humano, embora a comparação quase inevitável seja com uma máquina. Pensar em como funcionam nossos olhos nos remete imediatamente à imagem da objetiva de uma máquina fotográfica moderna. E não é à toa: essas duas ferramentas de alta precisão guardam semelhanças em sua estrutura que ajudam a entender o complexo órgão da visão.

O que nas objetivas chamamos de diafragma, um mecanismo que abre e fecha para entrar mais ou menos luz, nos olhos temos a pupila (no centro) e a íris (ao redor) que cumprem essa mesma função. Repare em como aquele círculo mais redondo no centro do olho, a pupila, abre e fecha de acordo com a quantidade de luz do ambiente. Já o cristalino, tal como o jogo de lentes que existe dentro de uma objetiva, muda de formato e ajusta-se até regular a nitidez, até dar o foco, como se diz em fotografia.

As semelhanças não param por aí. A imagem então atravessa o olho e segue para fixar-se na retina, que funciona exatamente como em um filme – no caso da retina são 130 milhões de células nervosas, o que podemos comparar a um filme de alta precisão e hipersensível. Mas é aí que começam as diferenças entre os dois mecanismos. Embora sejamos dotados de uma perfeita máquina de enxergar – os nossos olhos –, com um intricado sistema óptico, é necessário que toda essa informação seja interpretada em nossa mente.

O ato de enxergar, desde o momento em que a luz adentra nossa retina até o momento em que essa luz é interpretada pelo cérebro, pode ser comparado então ao ato de se fazer uma fotografia. Seguindo esse raciocínio, podemos ainda comparar o nosso cérebro ao fotógrafo, que sempre busca o melhor recorte para registrar uma cena. A partir daí, máquina e fotógrafo trabalham juntos, um não seria nada sem o outro. O mesmo se passa com a visão e o cérebro. As informações da imagem fixada na retina são transmitidas imediatamente por um nervo óptico até o córtex visual, zona do cérebro responsável pela interpretação de tudo que entra por nossos olhos. Mais precisamente, uma parte da mensagem segue um trajeto chamado “ventral”, em direção às zonas encarregadas da análise das formas, e um trajeto “dorsal”, em direção às zonas de localização espacial. Decodificados, os raios luminosos captados são traduzidos como um objeto, um rosto conhecido, uma paisagem.

Uma forma de perceber essa relação entre cérebro e visão está no simples fato de que possuímos dois olhos: fechando um e depois o outro você vai perceber que são duas imagens diferentes, uma captada mais à direita e outra mais à esquerda, com alguns centímetros de diferença. No entanto, você está vendo apenas uma imagem, pois seu cérebro processa as duas e as junta em uma só. O mesmo ocorre com um fotógrafo, que chega em uma paisagem e encontra milhões de possibilidades de fazer uma foto, mas opta por uma na hora de dar o clique. É por isso que enxergar é antes de tudo uma forma de ver o mundo, mediada pelo nosso cérebro, tal como um ensaio fotográfico é uma forma de ver o mundo, mediada pelo artista, que nos ajuda a descobrir o que está por trás das imagens que vemos. Aliás, falando em descobrir o mundo através do olhar, você deve estar se perguntando: e Alexandre, conseguiu completar sua aventura?

A resposta é sim. Com o passar dos dias, quando a caminhada acumulava o cansaço de dezenas de horas em trilhas, o desafio de Alexandre era não desistir. O desconforto parecia leválo à conclusão de que chegara ao limite. Mas não. Sua motivação estava justamente nos outros quatro sentidos, que o colocavam em contato íntimo com a natureza, nos caminhos estreitos que ensinam que para viver é preciso muito equilíbrio, nas flores miúdas e delicadas tateadas nas horas de descanso, no vento que refrescava e no frescor inigualável da água da serra. No último dia, Alexandre havia concluído todo o percurso e acompanhado a equipe em todas as etapas da viagem. “Se eu tivesse que sintetizar tudo em uma frase, eu diria que foi uma experiência inesquecível rumo ao conhecimento de mim mesmo”, disse ao final de sua jornada.

Em seu livro Ensaio sobre a Cegueira, o escritor português José Saramago, Prêmio Nobel de Literatura, descreve uma epidemia de cegueira que leva o mundo a situações aterrorizantes, mas que nos fazem olhar fundo na alma humana.

NOSSOS ÓRGÃOS CONSUMIDORES

Já reparou que embalagens de produtos light têm quase sempre predominância da cor branca? Pois a idéia é justamente transmitir uma sensação de leveza a esses produtos que servem para deixar as pessoas, digamos, mais leves. Trata-se apenas de um pequeno exemplo das centenas de artimanhas que a propaganda utiliza para trabalhar os sentidos em favor do consumo. Aromas, sons, texturas, tudo é objeto de reflexão para que o produto seja agradável no uso e pareça mais eficiente. Aproveitam brechas na nossa percepção para atacar com mensagens subliminares (ver box à pág. 50), aquelas que adentram nosso cérebro inconscientemente, sem que percebamos.

Repare, por exemplo, que em comerciais nos quais o personagem principal é um médico, quase sempre a parede vai estar forrada de diplomas. Mesmo desfocados, num segundo plano, eles ajudam a compor o ambiente de confiança que é preciso ter para uma marca desse ramo. Sem que você, conscientemente, preste atenção nesse detalhe, seu cérebro percebe tal informação visual e traduz o sinal como “confiança”.

Outro exemplo é a propaganda de grandes empresas, como bancos, que mantém a cor de sua marca presente constantemente na cena, seja na roupa, no céu, nos detalhes da decoração, etc. Isso ajuda a firmar sua marca, faz com que você sempre relacione aquele tom de amarelo, por exemplo, com o seu banco. Aliás, é provável que você saiba até de que banco estamos falando. Uma das idéias, além de torná-lo reconhecível, é fazer com que você se familiarize com aquela cor e se sinta bem quando está próximo dela.

Para conquistar o cliente, todos os meios são válidos: cores berrantes que anunciam uma liquidação, disposição harmoniosa de uma vitrine, aromas irresistíveis que atiçam nossas narinas. Se o assunto são os odores, o truque é associar o produto com cheiros que transmitem sensações positivas e fazem referência a qualidades necessárias a ele. Se lavanda ou limão nos fazem lembrar limpeza, produtos de limpeza trarão esse cheiro.

No caso de um detergente, por exemplo, acrescenta-se aí a percepção de sua textura, que ao toque deve transmitir a certeza de bons resultados: se é muito líquido, a dona-decasa pode pensar que é ineficaz; se muito viscoso, que deve ser difícil de enxaguar.

No caso de ambientes fechados, como shopping centers e lojas de departamento em geral, o som é outro grande aliado, já que se descobriu que os clientes, inconscientemente, costumam pautar seus passos pelo ritmo que sai dos altos-falantes. Nos locais dedicados às compras o raciocínio é bastante simples: quanto mais um cliente se sente bem por ali, mais tempo ele fica. Ficando mais, aumentam as chances de ele sair com um produto nas mãos. É com essa constatação que os profissionais de vendas e de marketing começaram a estudar uma forma de melhorar nosso bem-estar dentro de lojas – se a música clássica tende a manter você mais calmo, esse será o grande hit.

Por outro lado, algumas lojas escolhem músicas mais cadenciadas e rápidas para os setores onde ficam os provadores. Pesquisas apontam que isso reduz o tempo de permanência dos clientes, evitando demoras e filas na hora de experimentar o produto. Da mesma forma, os restaurantes usam esse artifício para controlar o tempo de ocupação das mesas. Ou seja, você pode estar dançando conforme a música.

TEMOS UM SEXTO SENTIDO?

Não. Na verdade o que temos são duas grandes concepções do que vem a ser essa habilidade humana tão discutida. Para os espiritualistas, o termo sexto sentido está ligado principalmente à intuição e à mediunidade. Também refere-se a uma enorme gama de fenômenos, como a telepatia e a clarividência, mais conhecidos, a precognição (antecipação dos fatos), clariaudiência (quando a informação mediúnica é ouvida) e a retrocognição (visão de fatos do passado). Tal concepção vem evoluindo com o homem desde os primórdios de nossa história, estando presente nas culturas mais primitivas, na figura de pajés e feiticeiros, e nas culturas mais evoluídas, através de profetas, gurus e mestres.

No entanto, para a ciência, o sexto sentido estaria ligado aos nossos reflexos e ao nosso equilíbrio. O sentido do equilíbrio, ou proprioceptivo,tem sido considerado a âncora orgânica da identidade, pois reúne o conjunto dos mecanismos inconscientes que mantém o corpo equilibrado, independentemente dos obstáculos que se apresentem. Graças a esses mecanismos, não temos necessidade de enxergar nossos joelhos, nosso abdômen, nosso nariz para poder tocá-los. Isso tudo graças à ação combinada de certas regiões complexas da visão e da sensibilidade muscular. É por essa razão que é difícil manter-se em equilíbrio com os olhos fechados. Também associa-se com freqüência o princípio do sentido proprioceptivo ao funcionamento do sistema nervoso vegetativo, pois é ele que lhe dá suporte, controlando a respiração, a microcirculação do sangue, os reflexos, em suma, tudo aquilo sobre o que não temos controle, nem mesmo atuação, mas que nos matém vivos.

MENSAGENS SUBLIMINARES

Uma das armas da propaganda é mandar mensagens diretamente para seu cérebro, sem que seus sentidos nem ao menos se dêem conta. A esse tipo de informação, camuflada nos estímulos sensoriais, chamamos de mensagem subliminar, e acontece porque o nosso inconsciente é capaz de perceber, interpretar e guardar uma quantidade muito maior de dados que o consciente. De acordo com o psicólogo Carl Jung, nosso inconsciente é como um porão. Ao se entrar lá com uma lanterna, você só consegue iluminar um pedaço de cada vez. Esse “foco” de luz é o consciente, e todo o resto é o inconsciente. É justamente nessa penumbra que são depositadas as mensagens subliminares.

Imagens, por exemplo, que possuem um tempo de exposição pequeno demais para serem percebidas pelo olho, ou sons baixos demais para serem identificados pelos ouvidos, podem trazer informações tão valiosas quanto imperceptíveis. Com determinados graus de persuasão, isso pode influenciar nossas vontades de uma forma imediata, fazendo com que você sinta vontade de beber ou comer algo que não queria. Portanto, fique bem atento às suas vontades.

O MUNDO SEM FOCO

Tanto na fotografia quando no que diz respeito ao nosso corpo, é preciso manter os equipamentos sempre em perfeito estado. No entanto, alguns podem apresentar falhas congênitas ou de uso. No caso de Alexandre a cegueira veio de um glaucoma, uma doença causada pelo aumento de pressão no globo ocular e que atinge 4% da população.

No entanto, há outros problemas ligados à nossa visão que são bem mais comuns. Entre os principais e mais conhecidos estão dois relacionados ao “foco” de nossa superlente. Se o globo ocular é grande demais, a imagem se forma à frente da retina e gera um problema chamado miopia. Se é pequeno demais, a imagem vai se formar atrás, gerando o que chamamos de hipermetropia. Em ambos os casos os olhos não conseguem focar com nitidez. E torna-se necessário a utilização de lentes (óculos ou lentes de contato) com a propriedade de alongar ou diminuir artificialmente essa diferença na formação das imagens.

Já o astigmatismo é causado por um defeito no formato da córnea ou do cristalino, o que impede a sincronização correta dos dois olhos. Algo parecido acontece com o estrabismo, que decorre da falta de coordenação dos músculos oculares, impedindo a focagem em um só objeto. E finalmente temos o daltonismo, uma disfunção das células da retina, que não deixam penetrar uma ou várias cores básicas (vermelho, azul, verde). Sabe-se que 5% da população, sobretudo masculina, sofrem de daltonismo por herança genética.

O daltonismo foi primorosamente abordado pelo neurologista Oliver Sacks em seu livro A Ilha dos Daltônicos, que discorre sobre a grande incidência dessa doença nas Ilhas Marianas, situadas na Micronésia, no Oceano Pacífico.

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