22/05/2024 - 15:57
Moscou retomou neste mês sua ofensiva na região de Kharkiv. A DW acompanhou a polícia ucraniana durante esforços de evacuação de moradores da área de fronteira, que se veem novamente no alvo de bombas.A viatura do policial ucraniano Vladyslav Yefarov tem várias marcas de tiros. Outro dia, um franco-atirador russo abriu fogo contra ele e seu colega Yuri Yaremchuk enquanto seguiam para a cidade de Vovchansk, no nordeste da Ucrânia, para resgatar uma mulher idosa. Eles ainda estão vivos graças ao veículo blindado de seus parceiros americanos, mas não conseguiram chegar até a mulher.
Yefarov e Jaremtschuk estão retirando moradores do norte da região de Kharkiv há quase duas semanas, desde que, na noite de 10 de maio, o exército russo retomou sua ofensiva naquela área de fronteira e ocupou vários vilarejos. É perigoso ficar em Vovchansk porque há combates lá, diz Yefarov. Os russos estão bombardeando áreas residenciais com foguetes e artilharia.
A reportagem da DW está no banco de trás da viatura de Yefarov. Pouco antes de chegar à cidade, devemos acelerar o máximo possível, pois os russos estão disparando mísseis guiados antitanque por ali, diz ele.
“Não voltarei nunca mais para casa”
Volodimir morava na parte sul da cidade de Vovchansk, onde não há combates no momento. O caminho até a casa do idoso passa por várias ruas com casas destruídas. De repente, a polícia ordena que todos se deitem no chão, pois uma bomba explodiu nas proximidades.
Volodimir não tem pressa. Ele fica ali de pé, de camiseta, retira ternos e camisas do guarda-roupa e os coloca em uma mala. Quando o policial pede que se apresse, ele diz: “um minuto, um minuto! Só preciso me trocar”. Todas as janelas da sua residência foram quebradas quando a casa vizinha foi atingida por um projétil.
Yefarov suspira e carrega as malas até o carro. Ele vê um cachorro peludo correndo pelo pátio, encontra uma guia e a coloca nele: “você também vem”, diz. Enquanto isso, Volodimir olha novamente pelo pátio e observa o celeiro, como se tentasse memorizar tudo. Ao som de explosões no fundo, o carro da polícia finalmente parte em direção a Kharkiv.
No meio do caminho, Volodimir é recebido por sua filha Maryna, uma policial. Ela abraça o pai com força. Há lágrimas de alegria, mas também de reprovação. “Por que você esperou tanto tempo para sair de lá?”, pergunta ao pai. Quando Maryna vê todas as malas, balança a cabeça em sinal de desaprovação.
“Meu coração está triste”, diz Volodimir, abraçando seu cachorro. Como se tentasse se justificar para a filha, acrescenta: “estou com 66 anos e não voltarei para lá”. “É difícil deixar sua casa”, responde Maryna, tentando confortar o pai com um sorriso.
Primeiro a ocupação, depois o bombardeio
Vovchansk, que fica a apenas dez quilômetros da fronteira com a Rússia, foi ocupada logo no primeiro dia da invasão em grande escala pelo exército russo. Era a manhã de 24 de fevereiro de 2022.
Naquela época, era impossível retirar a população local, diz Yefarov. Ele e seus colegas tinham acabado de retirar armas e documentos da cidade ocupada, mas alguns de seus colegas rapidamente concordaram em colaborar com os russos.
Somente dois meses mais tarde os ocupantes russos permitiram que ao moradores de Vovchansk se deslocassem para o território da Ucrânia controlado por Kiev. Volodimir e Maryna ficaram. Os russos ofereceram a ela que cooperasse, mas a policial se recusou.
A situação mudou quando Vovchansk foi libertada pelas forças ucranianas no outono de 2022. Desde então, as tropas russas têm bombardeado a cidade. Maryna se mudou para Kharkiv e foi integrada à força policial de lá, enquanto Volodimir ficou na cidade e gradualmente se acostumou à vida em meio a bombas.
Dos antigos 17 mil habitantes, apenas cerca de 3.500 permaneciam em Vovchansk naquele momento. De acordo com a polícia, agora quase todos os habitantes já deixaram a cidade – apenas cerca de 200 não querem sair.
Vários moradores relatam terem sido mantidos à força em porões por soldados russos que invadiram a parte norte da cidade na investida recente. Quando os russos finalmente foram para outra rua, eles aproveitaram para fugir até um ponto de encontro para serem levados para fora da cidade.
Uma mulher recebeu ordens das forças de ocupação para cuidar dos russos feridos. E um homem de Vovchansk, a quem falta um dedo da mão, disse que um soldado russo atirou nele quando tentou entrar em sua casa. Há relatos de que dois voluntários desapareceram nos primeiros dias da evacuação, e alguns dizem que eles foram baleados pelos russos.
Fuga sob bombas e ataques de drones
As pessoas resgatadas são levadas a um vilarejo a meio caminho de Kharkiv. A maioria delas não sabe como ou para onde ir em seguida. “Passamos seis dias no porão”, diz Daria, de Vovchansk, acrescentando: “não sobrou nenhuma casa em nossa rua. Tudo foi bombardeado, tudo estava pegando fogo. No meu jardim havia bombas que não detonaram”.
A polícia não conseguiu chegar à rua onde Daria morava. Por isso, sua família foi por conta própria ao ponto de encontro para evacuação. “Fugimos para os arredores de Vovchansk, sob ataques de drones e bombardeios, e passamos por um veículo blindado que estava destruído”, diz Daria, com a voz trêmula. Ela está triste por não ter conseguido trazer seu pastor alemão. A maioria leva seus animais de estimação – um homem esconde um gato branco sob seu moletom, e outro mia em sua bolsa.
“Nos primeiros dias da evacuação, as pessoas ainda se recusavam a sair, mas depois ligavam e queriam ser resgatadas”, diz Yefarov. A situação em Vovchansk está se deteriorando a cada dia e a polícia ucraniana não consegue mais entrar na cidade. Por isso, os moradores têm que caminhar quilômetros até o ponto de encontro. “As pessoas estão desesperadas”, relata.
Restos de foguetes na rua, patos entre escombros
A próxima ligação que a polícia recebe é de um homem do vilarejo de Bilyj Kolodjas, ao sul de Vovchansk. O local só pode ser alcançado por uma estrada de terra esburacada. Mas, ao chegarem lá, o homem não quer ser evacuado. Yefarov engole a raiva e vai até a próxima casa. Lá, um homem mais velho se aproxima, e também não quer ir embora. “Ainda não estamos muito assustados aqui”, diz ele.
O telefone toca novamente. Duas mulheres querem ser resgatadas na aldeia de Sosnowyj Bir. Suas casas foram atingidas por um foguete, mas a polícia não consegue encontrá-las no local. Há apenas patos andando entre as ruínas de casas, de onde sai fumaça.
A polícia encontra os restos do foguete na rua e os coloca em seu veículo. “Isso também faz parte do nosso trabalho”, diz Yefarov. “Todo bombardeio é um crime. Os restos de armas são evidências materiais que podemos usar para provar a culpa dos ocupantes.”