01/03/2011 - 0:00
A partir de 2012, estações localizadas na África do Sul, nas Ilhas Canárias (Espanha), no Egito e no Gabão poderão acessar dados de um satélite de observação da Terra processados pela China e pelo Brasil. Esse será o terceiro satélite CBERS lançado pela parceria sino-brasileira desde 1999. Até agora, as imagens feitas no espaço haviam sido enviadas só a usuários na China e na América Latina – 1,5 milhão deles desde 2004. Uma vez que um satélite em órbita não se detém nas fronteiras, faz sentido partilhar os dados coletados com os países no seu caminho, criando novas parcerias. A corrida espacial do século 20 está dando lugar à diplomacia espacial.
Na foto maior, detalhe do Colisor de Hádrons do Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern), na Suiça, iniciativa que envolve mais de 20 países. À esquerda, imagem de Florianópolis feita pelo satélite CBERS-2 (abaixo), resultado de uma parceria entre o Brasil e a China.
Esse exemplo, citado no Unesco Science Report 2010, mostra uma tendência crescente de colaboração internacional: o uso de tecnologias espaciais para o monitoramento ambiental. A prática é consequência da preocupação com a rápida degradação ambiental e as mudanças climáticas. Com o reconhecimento das conexões entre a terra, a água e a atmosfera, cresce a percepção de que a partilha de dados entre países será crucial para melhorar a compreensão e o controle do ambiente.
Esse é apenas um subconjunto do fenômeno amplo da diplomacia científica, que pode abranger um vasto leque de áreas, como saúde, informação, tecnologias de comunicação e fontes de energia limpa. Em junho de 2009, por exemplo, o Sudão inaugurou uma usina de biocombustível na cidade de Kenana, construída com a empresa brasileira Dedini. Outro projeto, de US$ 150 milhões, produz no Egito biocombustíveis de segunda geração a partir de culturas não comestíveis, incluindo resíduos agrícolas como palha de arroz, talos e folhas.
O Centro Regional para Energia Renovável e Eficiência Energética, sediado no Cairo, tem dez membros fundadores: Argélia, Autoridade Palestina, Egito, Iêmen, Jordânia, Líbano, Líbia, Marrocos, Síria e Tunísia. Fundado em 2008, ele conta com apoio financeiro da União Europeia, da Agência Alemã de Cooperação Técnica e da Agência de Desenvolvimento Internacional da Dinamarca. Em 2012 espera-se que se torne autossuficiente, graças às contribuições dos Estados-membros e à renda gerada por trabalhos de pesquisa e consultoria.
O rei Abdullah II, da Jordânia, posa ao lado da pedra inaugural do Centro de Luz Sincrotrônica (Sesame), localizado na capital do país, Amã, em foto de 2003. O centro, apoiado pela Unesco, tem como membros nove países, entre eles Israel e Irã.
A diplomacia científica está sendo usada também para estimular o desenvolvimento e a paz. O Centro de Luz Sincrotrônica para Ciência Experimental e Aplicações (Sesame, na sigla em inglês), concluído na Jordânia em 2008, tem como membros Autoridade Palestina, Bahrein, Chipre, Egito, Irã, Israel, Jordânia, Paquistão e Turquia. Quando o laboratório estiver totalmente operacional, em 2015, cientistas de diferentes países e culturas poderão trabalhar juntos na mesma instalação, operada sob os auspícios da Unesco. À espera desse dia, cerca de 65 pesquisadores têm passado até dois anos trabalhando em instalações na Europa, nos Estados Unidos, na Ásia e na América Latina.
Seguindo um acordo assinado em 2003, Paquistão e EUA agora “contribuem para um fundo comum, administrado em conjunto pela Academia Nacional de Ciências dos EUA e pela Comissão de Ensino Superior e o Ministério da Ciência e Tecnologia do Paquistão”, afirma Tanveer Nair, que, como presidente do Conselho de Ciência e Tecnologia do Paquistão, teve um papel fundamental nesse acordo.
A cada ano, propostas de colaboração em pesquisa convidam pelo menos um cientista dos EUA e um paquistanês como investigadores principais. As propostas, selecionadas por mérito, são submetidas à revisão por pares nos dois países. “Esse programa resultou não só na capacitação dos laboratórios do Paquistão, mas também na descoberta conjunta de uma vacina para prevenir uma doença mortal causada por picada de carrapato, que aflige quem trabalha com rebanhos na região sul do Sindh, no Paquistão”, afirma a cientista.
Partilha de custos
Os países estão desenvolvendo parcerias em ciência, tecnologia e inovação dentro de um amplo leque de alianças políticas, reforçando sua presença em nível global. É claro que a colaboração internacional também é motivada pelo desejo pragmático de agregar recursos em face da escalada dos custos de infraestrutura científica.
A conta de um projeto internacional para desenvolver uma fonte de energia limpa a partir da fusão nuclear é estimada em nada menos do que US$ 10 bilhões. Esse é “o mais ambicioso projeto de cooperação em ciência já concebido”, diz Peter Tindemans, coordenador da política de investigação e ciência na Holanda. O projeto é construir um Reator Termonuclear Experimental Internacional (Iter, na sigla em inglês) em Cadarache, França, em 2018.
O fato de o projeto envolver não só poderes científicos tradicionais – União Europeia, Japão, Rússia e EUA –, mas também China, Índia e Coreia do Sul, reflete o crescente poder econômico e tecnológico desses países. A China “assumirá 9,09% do custo de construção e gastará mais de US$ 1 bilhão no total”, diz Mu Rongping, diretor da Academia Chinesa do Centro de Inovação e Desenvolvimento de Ciências. “Cerca de mil cientistas chineses participarão do Iter. A China será responsável por desenvolver, instalar e testar 12 componentes”, explica.
Conquistar novos mercados
O setor empresarial também tem percebido com rapidez as vantagens da colaboração científica internacional. Além da partilha de custos, os consórcios multinacionais oferecem oportunidades tentadoras de conquista de mercados. O sucesso do consórcio Airbus advém da fusão das fabricantes de aeronaves, antes independentes, da França, da Alemanha, da Espanha e do Reino Unido – um ótimo exemplo do que a cooperação pan-europeia pode fazer.
Vinte anos após a queda da Cortina de Ferro, um crescente volume de contratos comerciais e joint ventures em ciência e tecnologia envolve empresas russas e estrangeiras. Em 2010, a companhia que reúne a francesa Alcatel-Lucent RT e a estatal Russian Technologies começou a investir no desenvolvimento, na fabricação e na comercialização de aparelhos de telecomunicações para o mercado russo e a Comunidade dos Estados Independentes. Enquanto isso, a empresa russo-americana IsomedAlpha deu início à produção de equipamentos de alta tecnologia, como tomógrafos computadorizados.
Coautoria internacional
Nos últimos anos observou-se tanto um aumento na colaboração internacional como uma diversificação de parceiros. Um dos três principais parceiros da Austrália em coautoria científica entre 1998 e 2008 foi a China, ao lado de Reino Unido e EUA. Nas Filipinas, o destaque foi para os EUA e o Japão, seguido pela China. A China foi ainda o parceiro número 1 da Malásia, à frente do Reino Unido e da Índia. Há sinais de que o papel crescente da China e da Índia em autoria científica já remodela a paisagem científica no Sudeste da Ásia.
O presidente francês, Nicolas Sarkozy (no centro), discursa na linha de produção do Airbus A380 – o maior avião de passageiros do mundo –, na fábrica da empresa em Blagnac. O consórcio Airbus é uma bem-sucedida fusão das indústrias aeronáuticas da França, da Alemanha, da Espanha e do Reino Unido.
Vizinhos mais próximos nem sempre tendem a ser os parceiros mais estreitos. No Brasil, onde a colaboração científica internacional tem-se mantido estável nos últimos cinco anos em cerca de 30% do total, “cientistas dos EUA são os principais parceiros”, afirmam Carlos Henrique de Brito Cruz e Hernan Chaimovich, respectivamente diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e superintendente geral da Fundação Butantan. Eles citam um estudo de 2009, que “constatou que 11% dos artigos científicos escritos por brasileiros entre 2003 e 2007 tinham pelo menos um coautor dos EUA e 3,5%, um do Reino Unido. Parceiros de Argentina, México e Chile representaram, juntos, apenas 3,2% dos coautores de artigos brasileiros”.
*Susan Schneegans editou o Unesco Science Report 2010.