Formas cilíndricas, prismáticas e triangulares são a marca do conjunto do Hypo Vereinsbank.

Todo ano, entre meados de setembro e início de outubro, Munique organiza um dos maiores festivais do planeta. Cerca de sete milhões de litros de cerveja são tragados durante a Oktoberfest. Os foliões da cevada precisam cantar e dançar muito para queimar os quatro bilhões de calorias ingeridos. Cada Tuma das gigantescas tendas, patrocinadas pelas importantes cer vejarias, acolhe de cinco a dez mil fanfarrões. A festança, na sua 175ª edição em 2008, combina com o caráter hospitaleiro da Baviera. Mas o que fazer se você visitar Munique nas outras 49 semanas do ano?

“Munique é a mais alegre das cidades alemãs”, diz Richard Hoffman, um psicoterapeuta residente e meu anfitrião. “Deveríamos ter um Aprilfest, Augustfest e Decemberfest.” Richard afirma que o estado de espírito dos habitantes da Baviera é aberto e brincalhão. “Vivemos no sul do país e sob um clima mais ameno.” Basta passar por Viktuallienmarkt, o mercado de alimentação, para entender que os habitantes locais são bem mais extrovertidos que os alemães do norte. Situado no coração do bairro antigo, esse mercado do século 19 transforma-se em um agitado ponto na hora do almoço. Fervilha de gente. À tarde, o local passa a ser um Beer Garden (Jardim de Cerveja) e mesas coletivas convidam os passantes a comer uma salsicha branca, a tomar uma sopa quente ou beber um canecão de chope.

Munique foi fundada em 1158 por Henrique, o Leão, duque de Saxônia e da Baviera, num local onde já existia um monastério beneditino. O nome em alemão, München, significa “monge”, e a figura de um monge encapuzado adorna o brasão de armas. Embora festeje em 2008 seu 850º aniversário, Munique padeceu durante a Segunda Guerra Mundial, quando mais da sua metade foi destruída. Por isso, a cidade possui, hoje, um caráter muito mais moderno, e raras são suas edificações medievais.

Quando cheguei em frente à imensa construção do BMW Welt (Mundo BMW), entendi por que os muniquenses estão mais interessados no futuro do que no passado. O conjunto arquitetônico inaugurado em 2007 é um misto de showroom, shopping center, centro de conferências e concessionária VIP. O novo prédio da Bayerische Motoren Werke (Fábrica Bávara de Motores) demorou três anos para ser levantado, sobre o antigo estacionamento do Parque Olímpico e em frente ao museu e à sede da empresa.

O responsável pelo desenho do Mundo BMW foi o arquiteto austríaco Wolf Prix. A coincidência é que foi seu professor, o também austríaco Karl Schwanzer, quem levantou o prédio da sede 35 anos antes. Apelidadas de “Quatro Cilindros”, as torres foram inauguradas em 1972, às vésperas dos Jogos Olímpicos. Hoje, quando dá uma aula na universidade, o professor Wolf Prix brinca que algum aluno seu certamente desenhará um futuro projeto para a BMW a partir de 2040.

NO MUNDO BMW, a construção mais inusitada é o Duplo Cone, na entrada do complexo. Lembrando o movimento de duas hélices e um turbilhão de vento, a edificação representou o maior desafio para o batalhão de arquitetos e engenheiros. Cerca de 13 mil desenhos foram necessários para montar o quebra-cabeça e concretizar o desenho original de Prix. O símbolo da hélice está enraizado na empresa: a BMW nasceu em 1917 como uma fábrica de motores de aviação. O logotipo branco e azul (com as mesmas cores da bandeira da Baviera) representa as pás do motor de um avião. Embora a BMW não monte mais turbinas, concentrando-se a partir dos anos 1920 em motocicletas e automóveis, o Mundo BMW faz outras alusões ao universo da aviação. O teto lembra nuvens e alguns alegam que a transparência transforma o edifício em uma gigantesca nave espacial.

Duas jovens muniquenses testam uma moto de 1.200 cilindradas. Acima, o Duplo Cone, na entrada do complexo Mundo BMW, lembra a forma de duas hélices de avião e um turbilhão de ventos.

Aproveitei que estava no bairro para conhecer as instalações dos Jogos de 1972. Embora o seqüestro e a morte de 11 atletas israelenses durante a competição tenham deixado uma lembrança de angústia, a Olimpíada de Munique havia sido avaliada, até então, como a melhor já organizada. O Parque Olímpico, com estádios semelhantes a gigantescas tendas nômades e dominado por uma torre de 190 metros de altura, foi considerado futurista na época. Hoje, continua impressionante.

Ao contrário do que aconteceu com várias outras cidades que sediaram os Jogos, as principais dependências olímpicas de Munique continuam em pleno funcionamento. Cinco milhões de visitantes anuais – considerando apenas aqueles que compram algum tipo de ingresso – assistem a uma partida de futebol, fazem esporte ou sobem no alto da torre para ver a vista da cidade. A piscina que deu ao nadador norteamericano Mark Spitz sete medalhas de ouro está aberta a qualquer pessoa que queira treinar.

O desenho do Parque Olímpico é um bom exemplo de arquitetura pós-moderna. Esse movimento iniciado nos Estados Unidos na década de 1960 nasceu como uma resposta às limitações da escola precedente, a arquitetura moderna, mais preocupada com o racional e o funcionalismo. A partir da segunda metade do século passado, desenhistas e arquitetos consideraram que a arte moderna das décadas de 1910 a 1950 havia falhado nos quesitos humanismo e sensibilidade. Passaram, assim, a reconsiderar a beleza, a criatividade e o contexto social. As formas arquitetônicas não poderiam ser apenas úteis ou econômicas; deveriam trazer conforto físico e emocional.

FASCINADO PELAS propostas contemporâneas de Munique, sejam de 1972 ou de 2007, mudei o enfoque de minha peregrinação e fui até a Allianz Arena. O estádio de futebol, inaugurado em maio de 2005, foi palco do jogo de abertura e da partida do Brasil contra a Austrália na última Copa do Mundo. Com capacidade para 70 mil pessoas, é a casa do Bayern Munich. Jacques Herzog e Pierre de Meuron, os arquitetos suíços responsáveis pelo projeto, incluíram um sistema insólito de iluminação azul, branca e vermelha através do casco de plástico translúcido.

A dupla suíça Herzog e Meuron também invadiu o centro histórico de Munique. Eles uniram cinco pátios internos de velhos edifícios e criaram, em 2003, um sofisticado shopping. Do lado de fora, tive dificuldade para encontrar a entrada do Fünf Höfe (literalmente, Cinco Pátios). Mas quando penetrei na primeira galeria, foi como dar um pulo no futuro. Plantas pendiam do teto e uma iluminação lembrando estrelas criava um ambiente feérico. Os maiores nomes da moda estavam presentes com lojas elegantérrimas. Em uma das passagens encontrei um globo de metal excentricamente iluminado. Surpreso, retornei às ruas de pedestres da antiga Munique, cada vez mais fascinado pela inventividade do lugar.

O estádio de futebol Allianz Arena sedia os jogos do time Bayern Munich. Acima, estádio que abriga a piscina olímpica e, mais ao fundo, a Torre Olímpica.

Aproveitei que estava no centro para fazer uma visita à Frauenkirche, a Igreja da Nossa Senhora. A catedral, concluída em 1488, possui duas altas torres maciças de tijolos. Com mais de 500 anos de idade, as torres de 99 metros dominam a paisagem. Elas devem continuar a ser as mais altas no bairro antigo, uma vez que está interditado construir acima de 100 metros. A imponência da catedral católica combina com a força da fé cristã da Baviera. Joseph Ratzinger, o atual papa Bento 16, é exemplo dessa robusta crença católica. Ele foi consagrado como bispo na catedral Frauenkirche e serviu como arcebispo de Munique até 1982, quando partiu para Roma.

O fascínio pelas torres – góticas ou futuristas – está também presente no centro de negócios HighLight (2004). Os dois edifícios estreitos, unidos por passarelas de vidro e aço, elevam suas pontas leves e luminosas ao céus. A construção das torres transparentes custou 100 milhões de euros e o projeto foi assinado pelo alemão Helmut Jahn. Formado em Munique, ele foi o desenhista do novo aeroporto da cidade, mesmo morando hoje em Chicago.

ALÉM DO AZUL e branco bávaro, uma terceira cor está sempre presente na arquitetura contemporânea de Munique: o prateado. O mais arrojado exemplo é o arranha-céu do grupo Hypo Vereinsbank, um complexo construído em 1981 que combina estruturas de cilindros e de prismas. O desenho quis evitar o esquema banal de imensos andares quadradões, onde os empregados sentem-se desorientados. A alternativa foi romper com o retângulo, trazendo assim mais luz do dia a um maior número de escritórios e criando uma sensação diferente em cada um dos blocos.

O coração do bairro antigo de Munique: as duas torres da Frauenkirche, Catedral de Nossa Senhora, e a torre da Prefeitura de Munique, em frente à Mariemplatz.

Terminei minhas andanças em Munique num cantinho oriental do Jardim Inglês, que, com 600 quilômetros de trilhas, é uma das maiores áreas verdes urbanas da Europa. A Torre Chinesa é um ponto de encontro dos muniquenses. Ao redor do pagode de madeira de cinco andares, centenas de mesas convidam os visitantes a beber chope em um ambiente agradável. O espaço para sete mil pessoas faz do local o segundo maior Beer Garden da cidade.

Um grupo de torcedores do time Bayern Munich, ao saber que eu era brasileiro, intimou-me a sentar com eles. Mesmo sem empunhar um meio litro de cerveja, acompanhei as discussões. Cansado da maratona arquitetônica, adorei mudar de assunto e fui conquistado pelo ambiente alegre e brincalhão. Concluí que parte de Munique vive em constante festa. A qualquer época do ano, temos um Januaryfest, Februaryfest, Marchfest.

Globo em uma das cinco entradas do Shopping Fünf Höfe (Cinco Pátios). À esquerda, abaixo, a Torre Chinesa, um pagode oriental no Jardim Inglês, rodeado de mesas coletivas onde toma-se cerveja.

A Alemanha é um dos 222 países e territórios do Teste de Viajologia Mundial

 

haroldo@viajologia.com.br

www.viajologia.com.br

Haroldo Castro viaja como jornalista, fotógrafo e conservacionista. O fundador do Clube de Viajologia já documentou 136 países.