Em 1972, os artigos publicados na PLANETA chegavam à redação em folhas datilografadas. Hoje, são arquivos digitais enviados num instante via internet. Essa mudança, com evidente economia de tempo e recursos, é, sem dúvida, uma amostra de um dos mais importantes eventos das últimas décadas: a revolução digital.

Em termos históricos, tudo tem sido muito rápido. Os primeiros computadores pessoais (PCs, na sigla em inglês) surgiram nos Estados Unidos em 1973, ano em que o protocolo TCP/IP, embrião da internet, começava a ser desenvolvido. Em 2008, já havia mais de um bilhão de PCs no planeta, número que deve dobrar em 2014. Ao lado das versões portáteis como notebooks, netbooks e tablets, eles são ferramenta de trabalho, estudo, comunicação e lazer para bilhões de usuários. Todos, aliás, conectados pela internet, cuja existência obriga as  indústrias da comunicação como imprensa, telefonia, música, televisão e filmes a, por vezes, uma dura adaptação.

Os PCs têm cedido espaço nesse processo a aparelhos móveis como o telefone celular, cuja primeira demonstração ocorreu em 1973, nos EUA. No início, pesava um quilo e custava quase US$ 4 mil. Mas avanços como circuitos integrados cada vez menores e mais potentes levaram a versões mais baratas. A tendência foi algo revertida nos anos 1990, com os primeiros smartphones, equipados com tela de toque, acesso à internet e funções como câmera digital e biblioteca musical. A evolução desses produtos e da transmissão de dados permite que hoje se veja um filme em um smartphone com ótima qualidade de som e imagem.

As empresas de ponta dessa revolução entraram no nosso cotidiano. Um belo exemplo é o Google: criado em 1998 como portal de buscas, já virou palavra dicionarizada. Nascida em 1976, a Apple tornou-se a empresa mais valiosa da Terra graças a itens como computadores Macintosh, o iPod, o iPhone e o iPad, símbolos de excelência e inovação associados a seu cofundador Steve Jobs. A Microsoft, fundada em 1975, lançou dez anos depois o sistema operacional Windows, um êxito tão grande que fez de Bill Gates, seu cofundador, o homem mais rico do mundo. Redes sociais como Facebook (criada em 2004) e Twitter (2006) mobilizam centenas de milhões de usuários planeta afora.

Ao que tudo indica, quem quiser permanecer nesse ambiente deverá investir em agilidade com qualidade. “Smartphones e tablets vão deixar de ser simples ferramentas de comunicação para se tornar plataformas de aplicações e de acesso a informações”, diz David Smith, vice-presidente de pesquisa da consultoria americana Gartner Group.

Infinitamente pequeno

Qual é a menor fração da matéria? A pergunta que celebrizou o filósofo grego Demócrito teve desdobramentos cruciais nas últimas décadas. A imagem do átomo dividido em prótons, elétrons e nêutrons ruiu, no século 19, com a constatação da existência de outras partículas elementares. As tentativas de ordenar o cenário levaram a uma nova teoria, o Modelo Padrão.

Obra de cientistas de vários países, finalizada nos anos 1970, com a confirmação da existência dos quarks (presentes em prótons e nêutrons), o Modelo Padrão identificou as partículas básicas e mostrou como elas interagem. Pela teoria, tudo o que vemos no mundo é composto por seis partículas elementares: o elétron, os quarks para cima (up) e para baixo (down), o glúon, o fóton e o bóson de Higgs. Com mais 11 partículas, é possível explicar todos os fenômenos descritos pela física.

Alguns especialistas consideram o Modelo Padrão a mais sofisticada teoria matemática sobre a natureza já criada. Para firmá-la de vez, porém, era preciso encontrar as partículas previstas pelos cientistas. Os anos seguintes foram, assim, marcados por essa busca. A descoberta gradual dessas partículas (confira no quadro abaixo) robusteceu a teoria. No entanto, faltava um item essencial: o bóson de Higgs (homenagem ao físico britânico Peter Higgs, primeiro a propor sua existência, em 1964), que conferiria massa à matéria.

A procura parece ter acabado este ano: em 4 de julho, cientistas da Conselho Europeu de Pesquisa Nuclear (Cern, na sigla em francês) anunciaram ter encontrado uma partícula que se encaixa como luva no perfil do bóson de Higgs. A novidade consolida o Modelo Padrão, mas deixa dúvidas sobre o próximo passo. Para alguns cientistas, a partícula descoberta pode ser apenas um membro de uma família de bósons de Higgs, tal como ocorre com os quarks. Outros anteveem pesquisas sobre temas além dos limites do Modelo Padrão, como a constituição da matéria escura e da energia escura (donas de 95% da massa do universo) ou o gráviton (partícula que explicaria a interação gravitacional). “Estou empolgado por termos confirmado ideias que estavam circulando por cerca de 40 anos. Mas ainda espero que algo extraordinariamente surpreendente, inesperado, venha rugindo do Grande Colisor de Hádrons nos próximos meses ou anos”, diz o físico Brian Greene, da Universidade de Columbia (EUA).

Imensamente grande

Há 40 anos, os americanos encerravam o Projeto Apollo, de voos tripulados para a Lua. Foi a senha para as sondas robóticas dominarem as expedições espaciais, rumando para os mais diversos destinos. A Lua manteve seu magnetismo. A sonda americana LCROSS, lançada em 2009, e a indiana Chandrayaan-1, lançada em 2008, descobriram água lá. Todos os planetas do Sistema Solar receberam atenção, de Mercúrio (orbitado pela sonda Messenger desde 2011) a Plutão, rebaixado a planeta anão em 1998, que será examinado pela nave New Horizons, em 2015.

As Voyager 1 e 2, lançadas pela Nasa em 1977, exploraram Júpiter e Saturno e hoje cruzam o espaço interestelar. A Voyager 1 está a cerca de 120 Unidades Astronômicas (distância média entre a Terra e o Sol). A Voyager 2, que visitou ainda Urano e Netuno, chegou a quase 98 UA. As naves levam um disco de cobre revestido de ouro com imagens, sons e saudações, em 55 línguas, a alienígenas.

Marte tem sido alvo de várias missões. A bola da vez é o robô Curiosity, levado pela sonda Mars Science Laboratory em 2011, que explora uma cratera marciana em busca de indícios de vida.

Os progressos em equipamentos são notáveis. A Estação Espacial Internacional, em órbita desde 1998, consegue a proeza de conciliar 16 países em torno de pesquisas científicas e tecnológicas.O telescópio espacial Hubble, o primeiro de três grandes telescópios da Nasa a orbitar a Terra (ao lado do Chandra e do Spitzer), envia, desde 1993, imagens espetaculares de estrelas, nebulosas e galáxias. Os dados reunidos desde 2001 pelo satélite WMAP, também da Nasa, ajudaram a fixar em 13,7 bilhões de anos a idade do universo. Em terra, telescópios de ponta foram erguidos em locais de atmosfera limpa, como o deserto de Atacama, no Chile, e o Havaí. Veio de um desses aparelhos, este ano, a primeira imagem de um buraco negro, região do espaço da qual nem a luz escapa.

A evolução instrumental aprimora a busca por planetas extrassolares. De 1988 (ano da primeira descoberta) até setembro deste ano, o Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa registrava 809 planetas confirmados e 2.321 candidatos. Os números dão força à ideia de que não estamos sós no cosmos, pois muitos cientistas já consideram possível existir vida em habitats diferentes dos da Terra. “Há muitas descober tas de planetas excêntricos e gigantes gasosos”, diz o astrônomo Stephen Kane, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, ligado à Nasa. “Podemos encontrar surpresas lá ao começarmos a determinar exatamente o que consideramos habitável.”

Gramática da vida

Sonho antigo do homem, mexer na gramática da criação ficou mais viável nas últimas décadas. Baseados nas pesquisas sobre o ácido desoxirribonucleico (DNA, na sigla em inglês), a “molécula da vida”, os avanços no setor têm se multiplicado, com reflexos em campos tão variados quanto a agricultura, a medicina ou a paleontologia.

Mudar o DNA requer “cortar” suas letras e “emendar” com precisão. A “cola” – a enzima ligase – já havia sido isolada em 1967. A “tesoura” veio com as enzimas de restrição, isoladas em 1978. Para facilitar as coisas, cinco anos depois surgiu um método capaz de gerar múltiplas cópias de DNA, a reação em cadeia da polimerase (PCR, na sigla em inglês). Abriu-se, assim, caminho para um sem-número de aplicações, como o sequenciamento e a clonagem do DNA, o diagnóstico de doenças infecciosas e hereditárias e o estudo de fósseis.

Graças à análise genética, por exemplo, foi possível rastrear as origens do Homo sapiens até cerca de 200 mil anos atrás, na África. A ovelha Dolly, nascida na Escócia, em 1996, foi o primeiro caso bem-sucedido de mamífero clonado a partir de uma célula adulta. Nos anos 1990 estrearam no mercado vários organismos geneticamente modificados, como o tomate mais duradouro, a soja tolerante a herbicidas (1994), o salmão que cresce rapidamente (1996) e o arroz mais nutritivo (2000). Os sequenciamentos de genoma se multiplicaram, incluindo desde bactérias (começando pela Haemophilus influenzae, 1995) até mamíferos (como o rato, em 2002). Há muitas perspectivas à frente.

O desafio de decifrar o código genético do homem foi encarado em 1990 pelo Projeto Genoma Humano, patrocinado pelo governo americano. O resultado final foi divulgado em 2003: temos 20,5 mil genes e 3,2 bilhões de bases nitrogenadas (componentes do DNA). Apenas 1% dos genes codifica e regula a produção de proteínas dentro das células. Já cerca de 76% das sequências de DNA encontradas não teriam função perceptível.

Apesar dos avanços, ainda somos aprendizes de feiticeiro. “O genoma humano é mais complexo do que imaginávamos”, diz a geneticista Mayana Zatz, coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP. A maior parte do conhecimento genômico ainda não foi descoberta.

 

O brasileiro de Higgs

 

Quatro de julho de 2012 foi um dia inesquecível para o físico paulista Bruno Lenzi, 29 anos, pesquisador do Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire (Cern), em Genebra, na Suíça. Na véspera, a diretoria provocara sensação entre os 10 mil pesquisadores ligados à instituição ao anunciar um “seminário” sobre bóson de Higgs, às 9h da manhã do dia seguinte, com a presença do próprio Peter Higgs, o físico britânico que em 1964 prognosticou a existência da partícula famosa, jamais achada.

“Algo importante estava no ar”, conta Lenzi. “O auditório tinha 600 lugares e era preciso reservar um assento. Na noite do dia 3 descobri que havia gente dormindo na porta. Cheguei às 7h da manhã, no dia seguinte, e já havia centenas de pessoas na fila.”

“I think we have it”, anunciou o sorridente diretor alemão do Cern, Rolf Heuer. Após décadas de pesquisa comprovava-se a existência da suposta “partícula de Deus”. “Os físicos se divertem com a especulação transcendental sobre o bóson de Higgs; adoram desmenti-la”, diz o cientista brasileiro, mestre pela Universidade de São Paulo, doutor pela Universidade Paris-Sul, em Orsay, e especialista em física de partículas, desde 2009 trabalhando em Genebra.

Dois experimentos realizados nos 27 quilômetros do anel subterrâneo do Grande Colisor de Hadrons – o único grande acelerador de partículas em operação no mundo – cercavam o bóson. “Havia uma competição entre a experiência do Compact Muon Solenoid e a do Atlas, onde eu trabalho. Foi um privilégio participar desse esforço”, diz Lenzi.

No seminário, coube a Fabíola Gianotti, porta-voz do Atlas, anunciar: “Observamos sinais claros de uma nova partícula, ao nível de 5 sigmas, em uma região de massa ao redor de 126 gigaelétron-volts.” Imediatamente, o auditório veio abaixo com gritos e palmas. “Foi emocionante. Muita gente tomou champanhe nessa noite”, conta o brasileiro.

Na prática, entretanto, nada muda. “A existência do bóson de Higgs confirma a teoria do Modelo Padrão da física de partículas. Era a peça que faltava no sistema estabelecido”, diz o brasileiro. O bóson interage com as outras partículas da matéria conferindo massa (peso) a elas. “Por enquanto, isso tem zero aplicação prática. Mas o desenvolvimento tecnológico por trás, a rede global de computadores do Cern, constitui um grande avanço.