25/08/2025 - 15:54
Alguns buscam as Forças Armadas por temer que a agressão russa possa ir além da Ucrânia. França quer mais do que duplicar número de reservistas, que já está em tendência de alta.A faculdade de direito não ensinou Constance a andar em ritmo de marcha militar, identificar sinais de uma chamada de rádio ou deitar-se de barriga para baixo no concreto quente, apontando seu rifle para um inimigo imaginário. Em vez disso, a estudante da Universidade Sorbonne recebeu sua formação militar básica em um regimento na região de Paris, durante suas férias de verão.
“É muito importante proteger nosso país, especialmente no contexto muito complicado que estamos vivendo”, diz Constance, estudante do segundo ano de direito, sobre seu treinamento de duas semanas no serviço militar.
“Acho que o Exército é a melhor maneira de aprender a trabalhar em equipe”, acrescenta. A pedido do Exército francês, seu sobrenome e os de outras pessoas citadas nesta reportagem serão preservados.
Mais de duas décadas após o fim do serviço militar obrigatório na França, dezenas de milhares de franceses estão se alistando para a reserva, e se preparando para a eventualidade de terem de servir ao seu país, ao menos em tempo parcial.
O número de reservistas operacionais disparou na última década, de apenas 28 mil em 2014 para mais de 46 mil atualmente. O Exército absorveu mais da metade deles, e os demais foram divididos de forma quase igual entre a Marinha e a Aeronáutica.
Macron aumenta investimento nas Forças Armadas
Até 2035, o governo quer mais do que dobrar esse número – para 105 mil reservistas, ou cerca de um para cada dois militares na ativa – e oferecer novas oportunidades para os jovens se voluntariarem.
A meta está alinhada aos planos do presidente Emmanuel Macron de aumentar drasticamente o investimento nas Forças Armadas, até atingir 64 bilhões de euros (R$ 404 bilhões) em 2027, o dobro do nível de 2017, quando ele assumiu o cargo.
Por trás dessa evolução, que reflete esforços semelhantes de outros países da Europa, está a crescente preocupação com uma Rússia cada vez mais agressiva, e a dúvida sobre se os Estados Unidos, sob o comando do presidente Donald Trump, acudiriam a Europa caso ela seja atacada.
“Nunca […] nossa liberdade esteve tão ameaçada”, disse Macron em um discurso televisionado no mês passado. “Precisamos acelerar os esforços para nossa reserva. Precisamos dar aos jovens uma nova estrutura para servir.”
O vice-almirante aposentado Patrick Chevallereau considera a iniciativa de Macron “uma boa medida”, embora alerte que o Orçamento geral do governo ainda precisa ser aprovado pelo Parlamento francês.
“Não precisamos apenas de mais pessoas”, acrescenta Chevallereau, hoje analista do Royal United Services Institute, um think tank de defesa e segurança sediado em Londres, “mas precisamos de pessoas mais especializadas em certas áreas-chave”, como drones e tecnologia da informação.
Treinamento rigoroso em Versalhes
A tarefa de treinar os novos reservistas cabe a locais como o 24º Regimento de Infantaria, em Versalhes, que fica em um amplo bairro militar a cerca de quatro quilômetros do famoso palácio.
“Alguns querem descobrir o mundo militar e avaliar se querem se alistar em tempo integral”, diz a tenente Amelie, que comandou a última sessão de treinamento. “Alguns vêm pelo desafio de se adaptar a outro mundo, ou porque é tarde demais para se alistarem no Exército ativo.”
Como a maioria dos membros do 24º Regimento de Infantaria, Amelie também é reservista – ela trabalha como oficial da alfândega em sua vida civil. Agora, está passando o verão supervisionando um curso intensivo de duas semanas sobre a vida no Exército.
Com idades entre 17 e 57 anos, seus 51 recrutas passam longos dias em treinamento, acordando às 6 da manhã e muitas vezes indo para a cama à meia-noite.
“Eles estão aprendendo a usar e carregar suas armas com segurança, marchar juntos, usar uma bússola e equipamentos de comunicação”, explica Amelie, citando alguns dos requisitos do treinamento. “Trabalhamos todas as técnicas de combate que o regimento usa.”
Em uma manhã recente, o grupo marchou e cantou em cadência, praticou o manuseio de seus rifles e, mais tarde, passou por um treinamento com tiros reais em um prédio semelhante a um bunker.
“O treinamento é realmente rigoroso”, diz Constance, que relata conhecer outros estudantes da Universidade Sorbonne que também passaram por ele. “Não temos a mesma idade, os mesmos empregos, os mesmos estudos, mas aprendemos a trabalhar juntos.”
Assim como Constance, o engenheiro Gabriel, de 23 anos, alistou-se na reserva porque está preocupado com o futuro do seu país. “Como soldado, não vou comentar sobre o componente político ou ideológico”, afirma, ecoando outros reservistas que se recusaram a discutir abertamente a ameaça da Rússia. “Mas a guerra está na fronteira da Europa, e isso é um sinal para nos engajarmos.”
Outro alerta para o jovem engenheiro foi o ataque terrorista de 2015 ao Bataclan, em Paris. “Algo clicou dentro de mim”, diz Gabriel. “Percebi que o tempo de paz que conhecia e no qual cresci tinha acabado. E pensei: ‘Vou me mobilizar e fazer minha parte.'”
Esforços para reforçar o efetivo militar estão ocorrendo em outras partes da Europa, que corre para responder às crescentes preocupações com a segurança. Um relatório divulgado no início deste ano pelos think tanks Bruegel, da Bélgica, e Kiel Institute, da Alemanha, estimou que a Europa poderia precisar de mais 300 mil soldados no curto prazo para deter a agressão russa, se não tivesse apoio dos EUA.
Mais países europeus se mobilizando
Alguns países já agiram. Na última década, Lituânia, Suécia e Letônia reintroduziram o serviço militar obrigatório. A Polônia anunciou planos para oferecer treinamento militar a 100 mil civis por ano. A Alemanha também está em uma campanha de recrutamento e, diante da procura menor que a esperada, o ministro da Defesa, Boris Pistorius, acenou com a volta do serviço militar obrigatório caso poucas pessoas se voluntariarem.
Na França, por outro lado, as pesquisas sugerem um forte apoio ao aumento das Forças Armadas. Uma pesquisa Ipsos-CESI no início deste ano mostrou que 86% dos franceses apoiavam o serviço militar, e mais da metade aprovava o serviço obrigatório. Outra pesquisa apontou que cerca de metade dos jovens franceses entrevistados estavam prontos para se alistar no Exército, se houvesse uma guerra.
“Acho que as pessoas entendem que podem ter que proteger o que lhes é caro”, diz Chevallereau. “O aumento da reserva militar pode ser uma forma de reforçar o vínculo entre a geração jovem e as Forças Armadas.”
Fundado no século 17, o 24º Regimento de Versalhes afirma estar recebendo uma onda de inscrições para seus treinamentos. A cada 100 candidatos, apenas 40 são selecionados. Aqueles que se formam podem eventualmente passar até 60 ou mais dias por ano servindo na reserva.
A remuneração de um reservista é modesta comparada ao custo de vida na França: varia de 40 a 200 euros líquidos por dia, dependendo da patente.
E nem todos conseguem concluir mesmo o treinamento básico. Dos 61 inicialmente selecionados para a última sessão do 24º Regimento, dez desistiram. “Alguns desistiram no início da missão, porque não tinham tempo”, diz a instrutora Amelie. “Outros perceberam que aquilo não era para eles, assim que pegaram nas armas.”
Após a formatura, seu grupo passará meses em treinamento adicional. Quando forem considerados prontos, muitos provavelmente se juntarão a patrulhas em todo o país sob a Operação Sentinela, lançada após os ataques terroristas de 2015 na França – e que fez a segurança dos Jogos Olímpicos do ano passado. Aqueles com qualificações especiais também podem ser enviados ao exterior.
Outro trainee, Betrand, pai de dois filhos, voluntariou-se por até cinco anos na reserva após concluir seu treinamento. Ele, que está na casa dos trinta anos, se lembra de quando soube dos ataques de 2001 ao World Trade Center, em Nova York. “Também tivemos ataques terríveis na França”, diz. “Achei que era meu dever como pai defender meu país.”
Como funcionário municipal em uma cidade nos arredores de Paris, Betrand acredita que já serve à sua nação como civil. “Agora”, acrescenta, “estarei servindo como combatente”.