17/06/2013 - 10:52
A Lista de Scindler conquistou o Oscar de Melhor Filme e Melhor Diretor em 1993 e foi sucesso arrasador de bilheteria no mundo inteiro, estrelado por Liam Neeson, no papel de Oskar Schindler, Ben Kingsley, como o contador judeu Itzhak Stern, e Ralph Fiennes, como Amon Göth, o comandante do campo de concentração de Plaszow, na Polônia. Segundo o American Film Institute, trata-se de um dos dez melhores filmes americanos já produzidos. A popularidade da película transformou a verdadeira Fabryka Schindlera, na Rua Lipowa 4, em Cracóvia, na segunda maior atração turística da cidade, rivalizando com a famosa catedral gótica católica do Castelo de Wawel.
No lugar, há poucos vestígios da fábrica, fora a fachada, algumas máquinas e o escritório intacto do Herr Direktor. Mas milhares de pessoas visitam o prédio anualmente para ver a exposição sobre o extermínio de judeus montada em suas dependências pelo Museu Histórico da Cidade de Cracóvia. A aura sinistra sobre os crimes nazistas também converteu o campo de concentração de Auschwitz, a 60 quilômetros de Cracóvia, na maior atração turística da Polônia na atualidade.
Por que histórias de horror atraem tanta atenção? Por morbidez? Pelo efeito pedagógico? Para homenagear as vítimas da história? Seja qual for a razão, os visitantes aprendem que o protagonista do filme de Spielberg, o empresário alemão Oskar Schindler (1908-1974), nasceu em Zwittau-Brinnlitz, na antiga Tchecoslováquia, numa família da minoria étnica germânica dos Sudetos (as regiões da Boêmia, Morávia e Silésia). Na infância, foi amigo de judeus, mas com 16 anos já tinha ficha de delinquente juvenil na polícia. Em 1928, aos 20 anos, casou-se com Emilie Pelzl, com quem ficou durante toda a vida.
No rastro da ascensão do nazismo na Alemanha, Schindler entrou para a Abwehr, a inteligência militar alemã, em 1936. Dois anos depois, foi preso e condenado à morte como espião alemão, por contrabandear documentos militares tchecos para Berlim. Só escapou da execução porque, em setembro daquele ano, a Alemanha e a Tchecoslováquia assinaram o Pacto de Munique, que resultou na anexação dos Sudetos alemães ao Terceiro Reich e anistiou todos os prisioneiros tchecos de nacionalidade alemã.
Schindler, então, recebeu a Medalha de Sangue da Wehrmacht e reincorporou-se à Abwehr, agora com a missão de obter informações militares polonesas. Em agosto de 1938, participou pessoalmente de provocações nazistas que encenavam agressões polonesas às cidades alemãs da fronteira, para precipitar a crise entre os dois países. Vestido com uniforme militar polonês, integrou um bando que atacou a rádio da cidade alemã de Gleiwitz e transmitiu supostas mensagens antinazistas. A folha de serviços prestados ao Exército e as amizades com os militares ajudariam muito a sua carreira de empresário. E, ironicamente, a salvar judeus.
Blitzkrieg
Em 1º de setembro de 1939, a invasão alemã da Polônia deflagrou a Segunda Guerra Mundial. Em rápido e arrasador avanço, no dia 6 de setembro, os alemães entraram em Cracóvia, designada capital do governo alemão chefiado pelo general Hans Frank, que tomou o Castelo de Wawel como residência.
Schindler chegou à cidade no dia 7 como Treuhänder, um de centenas de “supervisores” nomeados para dirigir empresas confiscadas de judeus. Em outubro, assumiu a chefia de uma pequena oficina de utensílios de cozinha, onde conheceu dois judeus empreendedores: o contador Itzhak Stern e o empresário Abraham Bankier. Foram eles que chamaram sua atenção para a fábrica falida de Bankier, na Rua Lipowa 4. Ainda em 1939, Schindler assumiu o cargo de diretor da Deutsche Emailwaren Fabrik (Fábrica Alemã de Utensílios de Esmalte, mais conhecida como Emalia), produtora de pratos, panelas e canecas para o Exército alemão.
Desde os primeiros dias da ocupação, a perseguição aos judeus também foi deflagrada, fartamente documentada por decretos, leis, relatórios, filmes e fotografias destinadas a registrar a política racial ariana. Em setembro de 1939, todas as lojas e negócios judeus foram identificados com uma estrela de Davi na fachada. Semanas depois, as contas bancárias de judeus foram liquidadas. Sinagogas, escolas e organizações judias foram fechadas. Em dezembro, os 60 mil judeus de Cracóvia (então com 250 mil habitantes) foram obrigados a ostentar a estrela na roupa. Na sequência, foram proibidos de frequentar o centro, cinemas, teatros, restaurantes, bondes, mercados e parques. No começo de 1940, foram proibidos de operar lojas ou negócios.
Como em outros territórios ocupados, Cracóvia foi declarada judenrein (“livre de judeus”) por uma sucessão de decretos que ordenaram o abandono da cidade pelos judeus. Só os trabalhadores qualificados foram autorizados a permanecer. Em abril de 1940, o governador Hans Frank enviou a Berlim um comunicado explicando-se: “Devido à falta de apartamentos, generais e oficiais são forçados a viver em casas onde também residem judeus. Essas condições não podem ser toleradas em longo prazo. Se a autoridade do Estado Nacional-Socialista deve ser mantida, não é possível que os seus representantes encontrem judeus no caminho de casa e corram o risco de epidemias. É inaceitável que milhares de judeus perambulem pela cidade graciosamente contemplada pelo Führer com a honra de abrigar em suas muralhas as supremas autoridades do Reich”.
Em 1941, a população judia já fora reduzida a 30 mil. Em 3 de março, um novo decreto ordenou que todos os judeus de Cracóvia fossem encerrados no distrito de Podgorze. A população não judia do bairro, onde 320 edifícios abrigavam três mil pessoas, foi removida, e 16 mil judeus foram expulsos de casas e transferidos para o gueto murado, com paredes de três metros de altura. Outros dois mil mudaram-se ilegalmente para o bairro, burlando a ordem de abandonar a cidade e agravando a superlotação.
Patrulhas alemãs e polonesas controlavam as entradas do bairro, enquanto a ordem era mantida por uma nova polícia judaica, a Ordnungsdienst (ordem policial), nomeada pelo Judenrat, o Conselho Judeu criado pelos alemães para implementar suas leis.
“Subitamente, me dei conta de que seríamos emparedados”, escreveu um menino de 8 anos para a tia. “Fiquei com tanto medo que rompi em lágrimas”, disse, no bilhete, o jovem Roman Polanski, sobrevivente do gueto de Cracóvia e futuro cineasta. Antes de Spielberg, os produtores de A Lista de Schindler convidaram o diretor polonês para dirigir o filme.
“Eu não conseguiria”, respondeu Polanski. O cineasta dirigiu outro clássico sobre o nazismo, o filme O Pianista, de 2002, com Adrien Brody, vencedor de três Oscars.
Bons lucros
Graças às conexões pessoais de Schindler, a Emalia se tornou um bom negócio em pouco tempo, recebendo encomendas de pratos, panelas e também cápsulas de balas e granadas vindas de todo o Reich. No início, a maioria dos trabalhadores era polonesa, mas o diretor logo percebeu que os lucros cresceriam com o trabalho forçado judeu, aumentando significativamente a participação dessa mão de obra em 1942.
Embora fosse gentil com os trabalhadores, Schindler comportava-se como empresário. Por sua vez, os funcionários judeus da Emalia recebiam a preciosa kennkarte (carteira de trabalho), sem a qual eram candidatos automáticos à deportação para alemães metódicos, respeitadores de documentos e regras.
As ameaças mantinham o gueto em pânico. Em junho de 1942, Podgorze foi esvaziado com uma primeira deportação em massa para o campo de concentração de Belzec, o primeiro implantado na Polônia. Após prenderem e expulsarem sete mil pessoas, os alemães tentaram controlar o terror anunciando que as remoções não continuariam. Como sinal de boa-vontade, abriram um jardim de infância no gueto para crianças de até 14 anos de idade. Entretanto, três semanas depois, enquanto os pais trabalhavam, invadiram a escola, prenderam todas as crianças e as transferiram para Belzec, onde foram executadas nas câmaras de gás.
A crueldade desse gesto mudou o comportamento de Schindler, segundo as memórias de Itzhak Stern. Dias após a traumática invasão do jardim de infância, 13 trabalhadores da Emalia e o ex-proprietário, Abraham Bankier, foram presos e embarcados para Belzec. Schindler correu ao local, entrou no trem e conseguiu a libertação de todos.
Em outubro, nova deportação em massa. Cerca de 4,5 mil pessoas foram removidas para os campos e 600, mortas a tiros, nas ruas do gueto. A partir daí, Schindler decidiu proteger ativamente os “seus” judeus. No entanto, a liquidação do bairro já estava decidida.
Em 13 de março de 1943, os alemães assaltaram o gueto, fuzilaram mil pessoas dentro dos muros e enviaram tres mil para Auschwitz. Todos os trabalhadores da Emalia foram transferidos para Plaszow, o campo de concentração a cinco quilômetros de Cracóvia, famoso pela violência dos guardas e pelo sadismo do comandante Amon Göth, que praticava tiro ao alvo do terraço de casa, disparando a esmo em prisioneiros.
Todos os dias, os desesperançados funcionários da Emalia marchavam escoltados do campo para a fábrica e vice-versa, temendo o dia seguinte. Então, Schindler recorreu às autoridades alemãs (e a subornos) argumentando que, sem as marchas para o campo, a economia de tempo resultaria em aumento da produtividade. Sob essa justificativa comprou um terreno adjacente à fábrica e obteve permissão para construir barracas para os funcionários. Em 8 de maio de 1943, virou um subcampo de Plaszow, com 558 internados. Em dezembro, já eram mil.
Para os judeus, a fábrica virou um santuário. Os lucros aumentaram. Com o acirramento da guerra e o desabastecimento, 80% dos produtos fabricados passaram a ser vendidos no mercado negro, levantando o dinheiro que Schindler precisava para subornar oficiais e comprar regalias para os funcionários, como remédios e comida.
Em depoimentos posteriores, vários trabalhadores contaram que o empresário os confortava pessoalmente e os encorajava a sobreviver. Apesar dos riscos, fichas e cadastros foram falsificados para driblar a vigilância alemã e manter empregados velhos, crianças e doentes. Schindler conseguiu até proibir a entrada de guardas no saguão da fábrica, argumentando que sua presença perturbava a produção.
Solução final
Após o desembarque aliado na França e o avanço russo no Leste, os alemães decidiram aplicar a “solução final” à questão judaica e transferir mão de obra escrava para a Alemanha. As execuções foram apressadas em escala industrial. Milhares de prisioneiros foram mortos e enviados para a Alemanha.
Diante do fechamento do campo de Plaszow, em agosto de 1944, Schindler propôs transferir as oficinas de armamentos, com todos os funcionários, para a Tchecoslováquia, mantendo a fabricação de pratos em Cracóvia, com mão de obra polonesa. Sempre recorrendo a subornos, conseguiu permissão para transferir mil judeus – aqueles incluídos na famosa “Lista de Schindler”, do filme – para o campo de Zwittau-Brinnlitz, sua cidade natal, onde instalou a Emalia. Bancou do próprio bolso parte desse investimento.
Em 15 de outubro de 1944, um trem com quatro mil homens deixou Plaszow, levando 700 trabalhadores da Emalia para Brinnlitz. Em 21 de outubro, outro trem, com duas mil mulheres, entre as quais 300 eram funcionárias da fábrica, saiu de Plaszow, mas, por engano, acabou detido em Auschwitz e todas as prisioneiras foram encaminhadas para execução. Schindler recorreu novamente aos seus amigos, enviou ao campo sua secretária alemã, Hilde Albrecht, e conseguiu a transferência das trabalhadoras para Brinnlitz.
Em novembro de 1944, os funcionários já estavam instalados na fábrica da Tchecoslováquia, apesar de fortes protestos tchecos contra a presença de judeus. A escassez de comida, de roupas e de remédios levaram Schindler a vender o que lhe restava para sustentar a Emalia e um pequeno hospital montado na fábrica, supervisionado por sua mulher, Emilie. A essa altura, os funcionários judeus já produziam granadas e munições defeituosas, destinadas a falhar.
À medida que os alemães perdiam a guerra e recuavam para a Alemanha, aumentava o risco nos campos. Os nazistas, agora, preocupavam-se em apagar os crimes. A última manobra bemsucedida de Schindler foi obter a demissão de Josef Leipold, o comandante do campo de Brinnlitz, partidário da execução de 90% dos prisioneiros e da transferência dos 10% restantes para a Alemanha. Temendo uma ação de surpresa da SS, o empresário alegou a necessidade de defender a fábrica dos russos e conseguiu comprar armas e munições que foram distribuídas entre os funcionários judeus.
Em 8 de maio de 1945, o Reich, afinal, se rendeu. Nesse dia, Schindler fugiu para o Oeste com a mulher, disfarçado de prisioneiro. Como membro do partido nazista e diretor de uma fábrica de munições, não queria esperar a chegada do Exército russo.
Após a rendição, morou em diversas cidades da Alemanha e tentou vários empreendimentos. Em 1949, mudou-se para a Argentina. Malsucedido nos negócios, o casal empobreceu e acabou recebendo ajuda financeira dos judeus que havia protegido.
Graças ao testemunho dos sobreviventes da Fabryka Shindlera, em 1962 Schindler foi reconhecido como herói e convidado a plantar uma árvore na Avenida dos Justos, em Jerusalém. Morreu em 1974, na Alemanha. Por sua vontade, foi enterrado no cemitério protestante de Jerusalém. Dos 60 mil judeus de Cracóvia, só seis mil sobreviveram, mil deles graças aos esforços do antigo espião nazista.