Costa Rica foi classificada como de renda alta pelo Banco Mundial. Caso raro na América Latina, país colhe frutos de estabilidade política, crescimento econômico constante e baixa inflação.A Costa Rica foi classificada em julho como um país de renda alta pelo Banco Mundial. O anúncio reflete o crescimento econômico sustentado da nação, que alcançou uma Renda Nacional Bruta (PNB) per capita de 15.620 dólares em 2024 – acima da média global de 13.439 dólares. O indicador mede a renda total gerada por todos os residentes e empresas de um país e ajuda a analisar o padrão de vida no local.

A mudança de patamar pode parecer técnica, mas carrega forte peso político e econômico: a Costa Rica se junta a um grupo seleto de países latino-americano, como Chile e Uruguai, com desempenho acima da média regional. Em meio a crises em países da região, o país da América Central mostra que a estabilidade traz resultados.

O Banco Mundial afirma que a Costa Rica passou da categoria de renda média-alta para a de renda alta, devido a um crescimento forte e consistente do Produto Interno Bruto (PIB), com uma taxa média de 4,7%, impulsionado pela forte demanda interna, que mistura consumo privado e investimentos.

Conforme os países avançam economicamente, essas classificações seguem desempenhando um papel fundamental na definição de políticas e estratégias de desenvolvimento. “Compreender os fatores que influenciam a classificação de renda pode orientar os esforços para estimular o crescimento econômico, ajudar a controlar a inflação e aprimorar a integração à economia global”, disse a instituição, em relatório.

Estabilidade política, investimento social e turismo

O PNB per capita de 15.620 dólares da Costa Rica fica acima do Brasil, que é considerado um país de renda média-alta pela organização, com 9.950 dólares, e coloca o país no patamar de Chile e Uruguai, que marcam 15.750 e 21.580 dólares, respectivamente, como os únicos da América Latina a serem considerados de renda alta.

Para isso, a Costa Rica surfa uma estabilidade política rara na região. A Venezuela, que passa por uma turbulência política nos últimos anos, por exemplo, era classificada como um país de renda média-alta até o ano fiscal de 2021, e “não foi classificada desde então devido à indisponibilidade de dados”.

“A Costa Rica tem colhido frutos de esforços feitos desde o fim de sua última guerra civil, em 1948, em que se pactuou socialmente pelo fim do exército, em troca de investimentos e fortalecimento de políticas sociais induzidas pelo Estado”, afirma Carolina Silva Pedroso, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que morou no país.

A estabilidade política e foco no social trazem resultados econômicos reais. De acordo com o economista Luis Vargas Montoya, pesquisador da Universidade da Costa Rica, houve um crescimento de cerca de 10% nas exportações de manufaturas e serviços especializados nos últimos cinco anos, e, contando com zonas francas, atraiu até 20% mais investimentos estrangeiro por ano no período. Hoje, a Costa Rica é o terceiro país no mundo em atração de novos investimentos em relação ao seu PIB e o primeiro na América Latina.

“É justamente o crescimento desses setores o principal motor da economia costarriquenha, o que a levou a aumentar sua renda per capita e a mudar seu status na escala do Banco Mundial”, diz Montoya. A inflação no país deve ser de apenas 1,6% neste ano e a dívida pública está abaixo dos 60%, segundo o Banco Central do país.

Além disso, o turismo também é parte importante do crescimento e representou 6,3 % do PIB entre 2023 e 2024, segundo o Banco Central e o Instituto de Turismo da Costa Rica (ITCR). Não à toa, viagens para o paradisíaco destino vêm chamando a atenção dos brasileiros – que aumentaram sua presença em 25% no primeiro trimestre deste ano, segundo o ITCR.

“A população entende que o turismo está ali como fonte de renda para eles. É um país encantador. Muito parecido com o Brasil, porém muito, mas muito preservado e cuidado. Belezas naturais incríveis, povo acolhedor, comida boa, inclusive para veganos, clima tranquilo e seguro. Voltaria muitas vezes para lá”, conta a designer gaúcha Julia Poloni.

Dessa forma, a projeção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é que o PIB costarriquenho cresça 3,5% neste ano e 3,6% no ano que vem, em um ciclo positivo para os moradores locais. “A classificação de um país como de alta renda gera confiança externa. Isso poderia contribuir para atrair investimentos, turismo e aposentados, o que poderia potencialmente aumentar o crescimento econômico”, diz Montoya.

Desafios ainda persistentes

Mas, para além das lições que a Costa Rica apresenta à América Latina, o país também guarda algumas das lacunas presentes em diversos locais do continente, como a desigualdade e a dependência de exportações de baixo valor agregado, o que cria certa vulnerabilidade, dado o alto dinamismo e a incerteza nas cadeias globais de valor.

“Infelizmente, ainda temos duas Costa Ricas em muitas áreas, como a produção, onde a realidade das empresas em regime especial [zonas francas] com altos níveis de produtividade é muito diferente daquela das empresas em regime permanente, como o restante da economia, por exemplo, os setores agrícola, comercial e de construção”, afirma Montoya.

Segundo o especialista, a desigualdade também aparece na educação: quem tem ensino médio completo ou superior, especialmente técnico ou universitário, vive em condições muito melhores do que quem não concluiu o ensino médio. Além disso, há disparidades de gênero, com mulheres em desvantagem no mercado de trabalho – e de idade, pois há poucas oportunidades para os jovens.

“Na minha opinião, há uma ausência quase total de políticas produtivas voltadas para os setores e populações com menos oportunidades. As poucas tentativas que foram feitas carecem das condições mínimas que garantem sua viabilidade: conteúdo orçamentário, um arcabouço jurídico-institucional, uma estrutura operacional, liderança clara e mecanismos de avaliação”, afirma.

O coeficiente de Gini – que mede a desigualdade em um país, sendo que, quanto menor, menos desigual – da Costa Rica foi de 45,8, enquanto o de Uruguai e Chile foram de 40,9 e 43,0, respectivamente, segundo últimos dados disponíveis no Banco Mundial. O Brasil tem 51,6 pontos.

Para Carolina Pedroso, da Unifesp, essa desigualdade persistente também aparece no aumento da violência no país, tema que tem ganhado destaque nos últimos anos. “Isso explica, por exemplo, a aproximação do governo de Rodrigo Chaves, da Costa Rica, a Nayib Bukele [presidente de El Salvador], chegando, inclusive, a cogitar a possibilidade de contratar o exército salvadorenho como uma espécie de guarda mercenária para conter a onda de violência”, afirma.