Desde que o príncipe Harry escreveu sobre experimentos com drogas em sua biografia, o mundo sabe que até a realeza às vezes recorre a substâncias psicodélicas. Desde que o livro de Michael Pollan Como mudar sua mente, de 2018, se tornou um best-seller e foi posteriormente adaptado para uma série da Netflix, uma coisa é clara: alterações no estado de consciência interessam a milhões.

O financiamento de um estudo clínico sobre o tratamento da depressão com drogas psicodélicas pelo Ministério da Saúde da Alemanha mostra que LSD & cia. estão emergindo do canto sórdido de décadas de estigmatização.

Os psicodélicos ainda são proibidos e só são acessíveis com licenças especiais, mas eles voltaram a ser objeto de pesquisas científicas. Eles são ainda a base dos modelos de negócios de empresas listadas nas bolsas de valores e voltaram à cultura popular.

LSD, um problema para seu descobridor

Com que alegria Albert Hofmann teria vivenciado isso! Por mais de um quarto de século, o inventor do LSD, sobre quem os químicos sempre diziam “foi o LSD que o encontrou”, lutou pela reabilitação científica da droga.

Apesar de ter intitulado em 1979, sua autobiografia LSD – my problem child (LSD, minha criança problema, em tradução livre), Hofmann sempre desejou que a substância pudesse se tornar uma criança prodígio. Ele via um grande potencial para a droga no tratamento de doenças mentais e na exploração da consciência.

Mas quando Hofmann morreu em 2008, aos 102 anos, o “renascimento psicodélico” dava os primeiros passos. O termo de busca “microdosing” para um efeito meramente de melhora do humor pelo LSD ainda gerava menos de 12 milhões de resultados no Google. No Facebook ainda não havia grupos de autodescoberta assistidos por psicodélicos. E, principalmente, a pesquisa científica sobre o LSD e seus parentes estava no fundo do poço após décadas de proibição.

Renascimento psicodélico

Mas isso mudou radicalmente nos últimos anos. Convenções e conferências sobre psicodélicos acontecem em todo o mundo. Em um desses congressos, o Insight, em Berlim, em 2021, a DW encontrou Rick Doblin, diretor fundador da Associação Multidisciplinar de Estudos Psicodélicos (MAPS). Segundo ele, há 20 anos o interesse em pesquisa sobre drogas psicodélicas era um assassino de carreira. A situação hoje é exatamente o oposto.

“Se você dirige um instituto de psiquiatria, não conseguirá recrutar novos colegas se não oferecer algo sobre psicodélicos”, descreveu Doblin a tendência nos EUA. “O melhor exemplo é Harvard, onde o psicólogo Timothy Leary trabalhou com LSD. A Harvard agora tem um centro de pesquisa psicodélica no Hospital Geral de Massachusetts”, continuou.

1943: “primeira viagem” com LSD

A ciência e a medicina também foram ponto de partida para o LSD: em 1943, o químico Albert Hofmann, então com 37 anos, procurava um medicamento para a circulação em um laboratório da farmacêutica suíça Sandoz. Em 16 de abril, ele se lembrou de uma substância que havia sintetizado cinco anos antes, mas depois deixado de lado: a dietilamida do ácido lisérgico, ou LSD. Atípico para o pesquisador meticuloso, Hofmann parece ter se descuidado e entrou em contato com uma quantidade mínima da droga.

Ele percebeu uma incrível transformação em si mesmo: “Tudo o que eu imaginava estava diante de mim em forma de imagens, profundamente gratificante. Durou três ou quatro horas e depois desapareceu”, lembrou Hofmann em 2006 em um painel por ocasião de seu 100º aniversário.

Curioso, Hofmann decidiu experimentar o LSD três dias depois. Em 19 de abril de 1943, o químico ingeriu uma, segundo se presumia cientificamente, quantidade cuidadosa de LSD: 250 microgramas, um quarto de milésimo de grama. E ainda assim foi uma overdose. A substância primeiro catapultou Hofmann para uma experiência de pesadelo.

O jovem químico pensou estar morrendo; depois, porém, experimentou as mais intensas imagens e sentimentos de felicidade. No dia seguinte, ele podia se lembrar exatamente do que experimentou – e não sentia problemas físicos. Pelo contrário: o mundo, como Hofmann mais tarde descreveu, parecia “novo” para ele.

Sandoz busca serventia

Uma substância que em quantidade tão pequena tem um efeito tão forte sobre a consciência − sem nenhum efeito colateral físico? Isso despertou o interesse da Sandoz e a farmacêutica passou a procurar uma serventia para a nova droga. A empresa produziu LSD em maior escala e o distribuiu gratuitamente para institutos de pesquisa em todo o mundo sob o nome Delysid.

Na década de 1950, a droga era popular na medicina. Bons resultados foram obtidos, por exemplo, no tratamento do alcoolismo com sessões de LSD. A substância também foi utilizada em psicoterapia. Quando o ator Cary Grant delirou com a substância após uma série de sessões terapêuticas em 1959, a revista Look publicou uma reportagem sobre “A maravilhosa história por trás do novo Cary Grant”.

O número de pesquisas explodiu; cerca de 100 artigos científicos apareciam por ano na imprensa especializada. Na Alemanha, em 1960, o psiquiatra Hanscarl Leuner, de Göttingen, abriu o “Primeiro Simpósio Europeu de Psicoterapia sob LSD 25”.

O começo do fim

Ao mesmo tempo, o LSD deixou os campos de pesquisa e inicialmente se infiltrou nos círculos de artistas e intelectuais. Cada vez mais indivíduos embarcavam em jornadas psicodélicas. A substância ainda era legal, a mídia era benevolente. Na década de 1960, o LSD deixou sua marca na arte e principalmente na música. Uma revolução estudantil, alimentada pelo menos em parte pelas drogas, estava causando profundas reviravoltas na cultura e na sociedade. E ao mesmo tempo iniciou o contramovimento.

Com a popularização da droga, aumentaram os abusos, acidentes, bad trips e psicoses. O tom dos relatórios, por muito tempo positivo, mudou. A até então substância milagrosa passou a ser estilizada na mídia como uma droga de insanidade. Em 1965, o então presidente dos EUA, Lyndon B. Johnson, proibiu o LSD nos Estados Unidos. A Sandoz deixou de produzir a droga. E o LSD foi para a clandestinidade.

Fim e novo começo

Com a proibição, a pesquisa com a droga foi suspensa por várias décadas. Somente no início dos anos 2000, o cenário começou a mudar e primeiros estudos com drogas psicodélicas voltaram a ser aprovados. E trouxeram resultados encorajadores, especialmente para a depressão.

Peter Gasser é um dos poucos médicos na Suíça que tem licença para trabalhar com LSD de forma psicoterapêutica. Para ele, a propriedade terapeuticamente mais importante da substância é “que ela nos permite estabelecer vínculos e manter conexões. Já que depressão é a doença da perda da conexão consigo mesmo e com o mundo”.

Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 300 milhões de pessoas em todo o mundo vivem com depressão. O tratamento com psicodélicos é a primeira nova abordagem terapêutica promissora em muitos anos.

Talvez, após 80 anos de história conturbada, a criança problemática de Hofmann ainda se transforme em criança prodígio.