Resgate de turistas surpreendidos por nevasca no lado tibetano do Monte Everest gerou manchetes no mundo todo. Alguns fatos ficaram em segundo plano.Insuflada por postagens nas redes sociais, a notícia correu o mundo: centenas de pessoas foram atingidas por uma tempestade de neve no lado tibetano do Monte Everest no último fim de semana e estavam presas no local.

Era verdade, mas, como costuma ser quando se trata da montanha mais alta do mundo, havia algumas imprecisões nos relatos.

Falava-se de mortes. De fato, o mau tempo causou a morte de dois montanhistas, mas não no lado tibetano do Everest: um turista de trekking morreu numa cadeia de montanhas na província de Qinghai, distante mais de 1,6 mil quilômetros a nordeste do Everest, e um alpinista coreano morreu no Pico Meru, uma montanha de trekking com mais de 6 mil metros de altura no Nepal, não muito longe do Everest.

Nenhuma pessoa morreu entre as quase 900 que ficaram presas por uma tempestade de neve, incluindo turistas e guias. Todas foram resgatadas. Aqui estão mais alguns esclarecimentos:

Não no Monte Everest, mas perto dele

As pessoas que ficaram presas na neve no lado tibetano do Everest estavam caminhando no Vale de Gama, que fica a leste da montanha mais alta do mundo.

Foram montanhistas britânicos que, em 1921, andaram pela primeira vez por esse vale e ficaram encantados com suas áreas verdes, lagos de montanha e vistas magníficas de três montanhas de oito mil metros: Makalu, Lhotse e o flanco leste do Monte Everest, em grande parte coberto de gelo e neve.

Os turistas, portanto, não estavam escalando o Everest, mas andando num vale com uma vista excepcionalmente bela da montanha – a vários quilômetros dela.

Apenas um pequeno grupo de montanhistas está atualmente no próprio Everest. Pelo que se sabe, trata-se de uma expedição liderada pelo esquiador-alpinista americano Jim Morrison e pelo documentarista Jimmy Chin. Morrison está planejando uma descida de esqui do cume, a 8.849 metros, passando pelo lado norte tibetano da montanha.

Duas semanas atrás, o polonês Andrzej Bargiel completou a primeira descida completa de esqui do Everest sem oxigênio suplementar na face sul, no Nepal. A face leste do Everest está deserta há muitos anos, pois a subida é extremamente difícil e propensa a avalanches.

Excursionistas e não alpinistas

As pessoas que tiveram de ser resgatadas do Vale de Gama eram excursionistas e não alpinistas. Eles estavam aproveitando o feriadão de uma semana em torno do feriado nacional chinês, que marca a fundação do Estado comunista em 1º de outubro de 1949, para um trekking até a montanha mais alta do mundo.

Essas caminhadas – comuns no lado nepalês do Everest há décadas – tornaram-se também muito populares na China nos últimos anos. O ponto mais alto desse passeio pelo Vale do Gama é a passagem Langma La, de 5.357 metros de altura.

Por causa dessa altitude, a caminhada já é considerada desafiadora. Aparentemente, muitos dos excursionistas eram inexperientes e não estavam adequadamente equipados para a repentina chegada do frio no outono.

Desafio logístico

Neste caso não foi necessário resgatar montanhistas de penhascos íngremes, como é comum nos Alpes ou nas montanhas mais altas do Nepal. A tarefa da equipe de resgate sino-tibetana era acudir dezenas de trekkers amedrontados, em alguns casos com hipotermia, e isso deveria ser feito da maneira mais rápida possível através das trilhas cobertas de neve.

Devido ao grande número de pessoas afetadas, o desafio era sobretudo logístico. O resgate profissional em montanha ainda não está estabelecido no Tibete. Portanto, toda ajuda era bem-vinda, inclusive dos moradores da região.

Raro, mas não surpreendente

Outubro é considerado a época ideal para trekking no Himalaia: pouca chuva e vista livre para as montanhas. Porém, também nessa época do ano podem ocorrer tempestades com fortes nevascas nas montanhas. Um metro de neve em outubro, como se viu agora no Vale do Gama ou nos vales das regiões do Khumbu, no lado nepalês do Everest, é algo incomum, mas não é um evento “que ocorre uma vez a cada século”.

Agências de trekking e seus clientes devem estar preparados para a possibilidade de que fortes nevascas levem ao cancelamento de uma excursão ou estendam sobremaneira sua duração. Eles também devem estar cientes de que eventos climáticos extremos são cada vez mais comuns no Himalaia devido à mudança climática.