Meghan não é a primeira não-branca a entrar para a realeza britânica. Uma princesa indiana já havia integrado a família em meados de 1800 – e escrito sobre o desejo de fugir.Quando estava grávida doprimeiro filho, Meghan Markle, esposa do príncipe Harry, teve que ouvir que seu primogênito não receberia segurança, nem o título de “príncipe”, junto com “preocupações e conversas sobre quão escura seria sua pele quando ele nascesse”, revelou Markle em uma entrevista amplamente divulgada com a apresentadora Oprah Winfrey. A duquesa também mencionou ter tido “um pensamento claro e assustador” sobre suicídio enquanto atuava como membro da família real.

As pressões inerentes ao pertencimento à família real britânica são lendárias, como é exemplificado por muitos de seus membros, incluindo o príncipe William, seu pai Charles e sua falecida mãe, a princesa Diana e, mais recentemente, agora o príncipe Harry.

Muitos dos problemas de sua esposa Meghan podem ser resultado de discriminações da família real, completamente branca e conservadora, contra negros. Mas Meghan não é a primeira pessoa não branca a se tornar membro da realeza britânica.

De acordo com Priya Atwal, pesquisadora da Universidade de Oxford e autora do livro Royals and Rebels: The Rise and Fall of the Sikh Empire, a rainha Vitória adotou várias crianças de colônias britânicas no século 19 como uma “forma de aprender sobre seus novos territórios e projetar uma imagem benevolente de sua família.” Atwal divulgou sua teoria através de um tópico do Twitter que foi compartilhado centenas de vezes.

A historiadora de Oxford analisou os protegidos e apadrinhados coloniais da rainha Vitória (1819-1901), “e eles formavam um grupo de vários jovens provenientes sobretudo de territórios colonizados que haviam sido tomados pelo Reino Unido.” Esses jovens incluíam o príncipe Duleep Singh e a princesa Gouramma da Índia, além de Sarah Forbes Bonetta, uma órfã africana da atual Nigéria, que a rainha Vitória tomou sob sua proteção.

“Fiquei fascinada ao ver que existem fotografias da princesa Gouramma, por exemplo, de Sarah Forbes Bonetta, do marajá Duleep Singh e seus filhos incluídas em álbuns de fotos de família compilados pela rainha Vitória e o príncipe Albert. E devemos ter em mente que a fotografia … se tornou mais difundida na década de 1840 “, aponta Atwal, acrescentando que este era provavelmente o primeiro conceito de um álbum de família e, curiosamente, todos esses personagens apareciam nele. Para Atwal, isso demonstra como Victoria e Albert viam seus familiares.

Família mestiça?

A rainha Charlotte (1744-1818), esposa do rei George III, costuma ser apontada em reportagens e publicações na internet como descendente de negros de várias gerações anteriores, embora tal afirmação não seja levada a sério pela maioria dos historiadores.

Essa especulação se popularizou graças ao historiador Mario de Valdes y Cocom, que num artigo de 1999 argumentou que Charlotte, filha do duque alemão Charles Louis Frederick de Mecklenburg e sua esposa, a princesa Elisabeth Albertine de Saxe-Hildburghausen, “descendia diretamente de Margarita de Castro y Sousa, um ramo negro da casa real portuguesa”.

“Isso foi redescoberto na popular série da Netflix Bridgerton, que elencou uma mulher mestiça para o papel da rainha”, disse Atwal, ressaltando que se trata de uma alegação duvidosa e com a qual poucos historiadores concordam.

À época, Valdes y Cocom foi criticado por exagerar suas conclusões e descrever incorretamente essa linhagem portuguesa. Ele menciona que essa origem negra teria se surgido no século 13. Ainda que fosse o caso, após 500 anos, qualquer herança genética seria praticamente insignificante após tantas gerações.

Menos racista do que hoje?

Poderíamos então dizer que a realeza britânica era menos racista no passado? De fato, em meados do século 18, casamentos mestiços eram comuns entre ingleses e indianos, aponta o autor britânico William Dalrymple, que discute sua própria ancestralidade mestiça no livro WhiteMughals:LoveandBetrayalinEighteenthCenturyIndia.

Segundo Atwal, o conceito de raça não era restrito e nem mesmo determinado pela cor da pele. “É interessante que a rainha Vitória não via as coisas nesses termos. Ela via alguém como Gouramma, Sarah Forbes Bonetta ou Duleep Singh … um tanto como iguais, um pouco como parentes, mas não por causa da cor da pele. Para ela, o principal marcador social era ter ou não ter sangue real”, acrescentou a pesquisadora.

Mesmo assim, as intenções da rainha eram ambíguas. Talvez ainda resistente à ideia de ver seus pupilos coloniais se casando com ingleses e inglesas, ela tentou arranjar o casamento da princesa Gouramma com o marajá Duleep Singh – após Singh se converter ao cristianismo. Na visão da rainha, “eles formariam o casal ideal, o cartaz perfeito para defender este novo modelo do Império. De certa forma, semelhante à pressão exercida sobre Harry e Meghan para representarem figuras idealizadas perante a Commonwealth”, disse Atwal.

Fuga da realeza

De acordo com as pesquisas de Atwal, porém, os arranjos da rainha Vitória não obtiveram sucesso, e Gouramma teve que lutar com as pressões da vida real, incluindo, um “intenso escrutínio por seus tutores, pela sociedade em geral e por ser a protegida da rainha”.

Gouramma também foi recusada por Duleep Singh pois ele temia pela segurança do casamento, já que ouvira rumores de que ela havia se apaixonado e queria fugir com um criado. “Nas cartas que encontrei … falava-se mais, em suas próprias palavras, de ela querer escapar para uma vida de anonimato, de perceber que os criados podiam viver vidas comuns e de querer ser como eles”, explicou a pesquisadora de Oxford, enfatizando que as histórias de Meghan e Gouramma são muito diferentes, mas a necessidade de querer fugir das pressões e expectativas, do decoro da vida real, de suprimir seus sentimentos, torna as duas situações semelhantes.

Teria então a realeza britânica mudado em todos esses 150 anos? “É complicado dizer, pois estamos apenas começando as pesquisas”, disse Atwal, acrescentando que, apesar da rainha Vitória trazer essas crianças não-brancas para a família real, ela não hesitou em desdenhar seu pupilo, Duleep Singh, quando ele quis se casar com uma inglesa.

Como no caso de Meghan Markle, a pergunta era: “Como seus filhos irão parecer?”