Famílias de baixa renda ainda estão muito distantes de poder usufruir de bens culturais. Políticas públicas são necessárias para mudar essa realidade. Acesso à cultura nos torna humanos mais críticos e empáticos.Sou nascido e criado no bairro com a maior concentração de favelas da minha cidade. Estudei na Universidade de São Paulo (USP), uma das melhores universidades do país, e atualmente faço mestrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), outra excelente instituição. Tive a oportunidade de conhecer e conviver com pessoas dos mais diversos nichos e de realidades financeiras totalmente opostas da minha.

Vira e mexe ocorre algum choque devido às diferenças de realidade. Confesso que já me senti constrangido em conversas sobre a ida ao teatro, sobre música clássica, ópera ou qualquer tipo de evento cultural.

O meu constrangimento vem do fato de que não cresci com esse hábito. Meus pais nunca me levaram ao teatro ou à ópera e nunca ouviam música clássica. Gosto muito de ir ao cinema. Acho que fui ao teatro apenas uma vez na vida com a escola, e nem lembro qual peça foi.

Nesses momentos de choque de vivências, eu acabo me culpando. Gosto muito de ir ao cinema e se puder vou toda semana, mas nem sei onde me informar sobre as peças que estão em cartaz na cidade. Será que sou apenas desinteressado? Será que não sou culto? Será que sou preguiçoso? Será que não tenho cultura? Será que não mereço estar na posição em que estou hoje? Me pego fazendo essas perguntas para mim mesmo.

Já tenho senso crítico o bastante para saber que o fato de não ir ao teatro não significa que não tenho cultura, mas ainda assim a culpa se sobrepõe à racionalidade. Há tempos penso em escrever sobre o assunto. Bom, tenho uma tese sobre isso. Talvez seja eu justificando algo para não me sentir culpado, mas sinto que o acesso à cultura no Brasil ainda é algo totalmente elitizado e desigual.

O problema do acesso

Para pessoas de origem como a minha, com pais que também não tiveram esse acesso e que, basicamente, dedicam a vida a trabalhar para sobreviver, ir ao teatro, à ópera, ou até mesmo ao cinema, pode ser algo simplesmente inimaginável. Do lado oposto, para pessoas com maior renda e que já fazem parte da elite, essa é uma realidade muito mais factível.

Óbvio que há exceções. Como pessoas de alta renda que subestimam a cultura, ou famílias com renda muito baixa, mas que fazem questão de frequentar o teatro. No entanto, afirmo com segurança que se tratam de exceções. É fato: o acesso à cultura no Brasil ainda é desigual.

São várias as razões e irei elencar algumas, começando pela questão da renda. Em um contexto no qual famílias trabalham apenas para a subsistência, é compreensível que simplesmente não sobre dinheiro para eventos culturais e de lazer. Infelizmente, no Brasil, os ingressos para esse tipo de evento não são baratos.

O próprio cinema é muito caro. Lembro-me de um dia em que estava comprando meu ingresso. Eu pago meia e vi um senhor contando as moedas para comprar. Pelas roupas, parecia alguém que trabalhava como pedreiro ou algo do tipo. Achei a cena bem bonita, até mesmo poética, mas não pude deixar de problematizar: supondo que ele tem filhos, imaginem o quanto de dinheiro ele precisará gastar para levá-los ao cinema? Esse tipo de passeio será um grande desafio, e não é à toa que em bairros da periferia é comum encontrar crianças ou adolescentes que nunca foram ao cinema.

O outro ponto é a própria falta de tempo. Em famílias de baixa renda, os pais costumam trabalhar muito e não sobra tempo para cultura ou lazer. Sim, encaixam uma tv aqui e ali ou um churrasco no fim de semana, mas isso é o básico do básico.

Também podemos elencar a própria questão geográfica. Há cidades em que simplesmente não existe um teatro, um shopping ou um cinema. Sim, e isso é mais comum do que podemos imaginar. Mesmo em cidades onde esses espaços existem, há outra barreira: a mobilidade urbana. Infelizmente, é comum que esses espaços estejam localizados em bairros mais nobres e, dependendo da região em que a pessoa vive, ir até eles se torna uma viagem tão demorada e custosa que simplesmente não terá como ser realizada.

Por fim, acredito que há ainda uma questão fruto de todas essas e que, ao mesmo tempo, as potencializa: a questão cultural. Na minha criação, como já disse, não falavam sobre cinema, não incentivavam a leitura, não falavam sobre música clássica e nem sobre a cultura em si. A mesma coisa aconteceu com meus pais e com meus avós. Se eu não tivesse rompido a bolha e cruzado com outras realidades, eu simplesmente continuaria sem saber que isso tudo existe.

De forma geral, no Brasil, fala-se muito sobre a importância da cultura, mas pouco sobre o quanto o acesso a ela é desigual e não democrático. É urgente a criação de políticas públicas que quebrem esses muros e criem pontes. O acesso à cultura abre a nossa mente, potencializa as nossas ideias, nos dá asas para sonhar e nos torna humanos mais críticos e empáticos. Universalizar esse acesso, não tenho dúvidas, só trará benefícios.

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Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1

Este texto foi escrito por Vinícius De Andrade e reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.