09/11/2025 - 13:20
Conservadores pressionam pela saída de sírios da Alemanha. Mas esses imigrantes são imprescindíveis em hospitais, lares de idosos, logística e profissões especializadas, como a medicina.O debate sobre o retorno ou mesmo a deportação de refugiados sírios é cada vez mais intenso na Alemanha. Após mais de uma década de guerra civil, a Síria passa por um período de certa estabilização: em algumas regiões, os combates diminuíram, o comércio está reabrindo e as crianças estão retornando às escolas, embora com restrições.
Enquanto isso, cresce a pressão política de setores conservadores na Alemanha para que o status de residência dos refugiados sírios seja revisado e as deportações, especialmente de criminosos condenados, sejam agilizadas.
Ao mesmo tempo, a Alemanha passa por profundas mudanças demográficas: a população está envelhecendo, há escassez de trabalhadores qualificados e a migração é cada vez mais importante para o mercado de trabalho.
O país europeu é um dos principais destinos de refugiados sírios e recebeu centenas de milhares deles desde 2015. No fim de 2024, cerca de 975 mil viviam no país.
Muitos sírios trabalham em setores essenciais para o funcionamento da sociedade alemã. Eles cuidam de doentes e idosos em hospitais ou lares de idosos, fazem entregas de alimentos e mercadorias e garantem que edifícios e a infraestrutura funcionem.
Importante contribuição dos sírios
“Cada um que trabalha está ajudando”, diz o pesquisador Herbert Brücker, especialista em migração do instituto de pesquisas da Agência Federal do Trabalho. Ele destaca que os refugiados sírios, com cerca de 300 mil empregados e quase 20 mil autônomos, dão uma importante contribuição ao mercado de trabalho alemão, apesar de terem uma participação pequena no total de pessoas empregadas, de 45 milhões.
A maioria trabalha em profissões com alta demanda e baixa oferta de mão de obra nos setores de saúde, hotelaria, transporte e logística, ou como profissionais especializados. Se esse grupo desaparecesse, não haveria como preencher muitos postos de trabalho, e as consequências seriam gargalos na produção e distribuição, bem como aumento de preços, afirma Brücker.
Segundo ele, cerca de metade de todos os refugiados trabalha como mão de obra especializada, cerca de 10% como especialistas e 45% como auxiliares. Também esses trabalhadores são urgentemente necessários. “A mudança demográfica está gerando uma alta demanda por serviços simples que não exigem ensino médio nem qualificação profissional”, afirma o pesquisador do mercado de trabalho.
Retorno à Síria
Desde 2012, as deportações para a Síria praticamente cessaram, principalmente devido à instabilidade do país. Embora não haja uma interrupção legal, os retornos estão na prática suspensos com base em avaliações de segurança. Uma legislação que permita agilizar as deportações está em debate.
O Ministério do Interior afirma que cerca de 1,9 mil sírios deixaram o país voluntariamente com apoio do Estado até o fim de agosto de 2025 e não prevê um aumento nos retornos. Mas isso pode mudar se a pressão dentro da Alemanha por mudanças na política migratória aumentar e a situação na Síria continuar melhorando.
Caso isso ocorra, pessoas que vieram para a Alemanha não como refugiadas, mas com visto, e que assumiram empregos altamente qualificados, também poderão decidir retornar. Por exemplo os mais de 7 mil médicos com passaporte sírio que, segundo a Associação Médica Alemã, trabalham na Alemanha – muitos deles em hospitais que dependem de especialistas estrangeiros por não encontrarem profissionais alemães.
Para médicos, situação melhorou
“Médicos sírios e de outros países são importantes porque são necessários”, afirma o cardiologista Anas Jano, do Hospital Universitário de Jena. Ele estudou em Damasco, veio para a Alemanha com visto em 2016 e concluiu seu doutorado na Universidade de Bochum. Em 2022, obteve a cidadania alemã.
Dados oficiais de 2023 mostram que um em cada oito médicos não tem cidadania alemã.
De modo geral, a situação melhorou para profissionais estrangeiros nos últimos anos. Desde 2012, médicos estrangeiros podem obter sua autorização profissional permanente, o que facilitou muito a integração. “Isso permite a eles trabalhar de forma permanente, se naturalizar e contribuir para a estabilidade do sistema de saúde”, comenta Jano.
Mas ele se mostra preocupado com o clima social. “Quem trabalha e cria uma família e filhos quer segurança e ser aceito. Mas, com as constantes notícias sobre ‘sírios criminosos’, apesar de serem casos de exceção, muitos se sentem rejeitados.”
Ele diz conhecer muitos colegas que pensam em deixar a Alemanha. “Não se trata apenas de empregos ou autorização de trabalho, mas também de segurança e respeito. Quando as pessoas se sentem acolhidas, elas ficam.”
Empregos abaixo da qualificação
Cerca de 60% dos sírios na Alemanha com empregos formais trabalham em profissões essenciais para o funcionamento da sociedade. O número é maior do que o de trabalhadores alemães (48%), segundo o instituto de pesquisas da Agência Federal do Trabalho.
Mesmo assim, muitos sírios têm empregos aquém de suas qualificações. São engenheiros que trabalham como técnicos ou médicas que atuam como auxiliares de enfermagem. Isso acontece porque os diplomas não são reconhecidos ou porque falta a eles experiência profissional na Alemanha.
Dos sírios que não estão empregados, cerca de 370 mil estão em idade ativa. Destes, aproximadamente um terço estão registrados como desempregados. Os demais estão estudando ou recebendo uma formação profissional, em licença parental ou participando de cursos de integração e outros programas. Muitos dos que poderiam trabalhar enfrentam dificuldades para entrar no mercado de trabalho devido a entraves burocráticos ou à falta de opções para complementar sua formação profissional.
O apoio do governo poderia mudar essa situação e ajudar a preencher postos de trabalho em aberto. “Mas os procedimentos costumam demorar demais”, critica Brücker. “Passa-se muito tempo entre o pedido de refúgio e a integração ao mercado de trabalho.”
A segurança jurídica é fundamental, pois empresas hesitam em contratar pessoas se não tiverem certeza de que elas poderão ficar no país. “É por isso que a conclusão dos procedimentos de asilo é tão importante”, diz Brücker.
Alemanha perde atratividade
Mas a integração no mercado de trabalho é só um aspecto: a atratividade da Alemanha como país de destino também influencia quantos trabalhadores qualificados de fato optam pelo país e permanecem nele. “O que muitas vezes é subestimado é que a mudança no ambiente social na Alemanha está tendo um impacto enorme”, alerta Brücker, ecoando as opiniões de Jano.
Por exemplo, houve um declínio acentuado na imigração de trabalhadores qualificados nos últimos anos. “De acordo com a Gallup Global Poll, uma pesquisa mundial sobre países de destino preferidos, a Alemanha ficou significativamente para trás nos últimos dois a três anos.”
