… Montanha-símbolo

Geólogos consideram a Montanha das Sete Cores, símbolo de Humauaca, uma verdadeira memória da Terra. Tesouro geológico, ela conserva as marcas de cada fratura e de cada época.

Chegamos bem cedo a San Salvador de Jujuy, capital da província de Jujuy, no extremo norte da Argentina. O normal seria conhecer logo o centro histórico colonial da cidade, mas decidimos deixar isso para mais tarde. Há pouco, um livro de fotografias da Quebrada de Humauaca, região situada a aproximadamente 39 quilômetros de San Salvador, nos deixara extasiados. Seria mesmo possível existirem montanhas com aquelas cores? Elas não teriam sido produzidas por alguma lente mágica do fotógrafo autor do livro? Era preciso verificar isso, e pedimos ao guia que nos levasse logo para conhecer o local.

Uma estrada sinuosa, em direção ao norte, nos levou até lá. Ela vai seguindo por vales estreitos e profundos, escavados ao longo das eras por rios que serpenteiam lá embaixo. No caso do imenso Vale de Humauaca, trata-se do Rio Grande, cuja origem é a Cordilheira Oriental dos Andes, a quatro mil metros de altitude. No caminho passamos pelos pueblitos de Volcán e Tumbaya, até chegar, percorridos 65 quilômetros, ao povoado de Purmamarca.

Todo o entorno do vilarejo, no qual pontificam as Montanhas das Sete Cores, oferece um panorama de grande impacto. Exclamações e gritos de entusiasmo em diferentes idiomas quebraram o silêncio e a calma do lugar. Não era para menos. O fotógrafo do livro não inventara nada: as cores das Montanhas de Humauaca estavam todas lá, para deleite dos visitantes.

Para os turistas que estavam conosco, em sua maioria franceses, holandeses e espanhóis, as montanhas são um fenômeno da natureza. Para os indígenas locais, um lugar sagrado. A pergunta que flutua no ar é a mesma para todos: como e por que essas montanhas exibem tamanha explosão cromática? Os matizes são incontáveis, e vão mudando segundo as horas do dia e a posição do Sol. Ora são rosa e malva, ora amarelos, cor de ferrugem e carmim. Tudo salpicado por tufos de vegetação verde musgo.

Cores revelam memórias da Terra

Cada turista procura interpretar o espetáculo à sua maneira. O belga Louis Surpris, artista plástico, compara as montanhas de Humauaca a uma pintura geométrica, abstrata e pontilhista. “Se a Montanha Santa Vitória, um imenso rochedo quase branco situado em Provence, sul da França, foi para o pintor Paul Cézanne (1839-1906) o ponto de partida para criação da arte moderna e do movimento cubista, as de Humauaca talvez possam promover outra revolução nas artes plásticas”, arrisca.

Para Íris Peña, quituteira sevilhana, tais montanhas têm a textura de um bolo mármore. Aquele bolo feito de várias camadas de massas diferentes, cada uma delas com sabor e colorido próprios, como chocolate, morango e baunilha, com a parte superior toda salpicada de raspas de limão e chocolate granulado. “As lascas das rochas lembram o pastel português de massa folheada coberta com açúcar mascavo”, alegra-se a doceira. Tais comparações gastronômicas têm a sua razão de ser. Quem ama a pintura “comeria” as belas cores.

… Paleta sinuosa

Acima, as velhas casas indígenas da região de Jujuy. Construídas há alguns séculos, elas ainda continuam habitadas. Abaixo, a Montanha Paleta do Pintor, em Maimara, a mais bela composição pictórica da Quebrada de Humauaca.

Natalia Solis, geóloga ambiental jujeña, estava conosco. Ela se identificou com as montanhas ainda menina, quando acompanhava o pai de sua melhor amiga, também geólogo em suas pesquisas de campo. Natalia explica que as montanhas são o produto de um processo contínuo de ajustamento de placas terrestres: “Elas testemunham a evolução geológica da Terra. Suas cores indicam a presença de fósseis e minerais, bem como a idade de cada afloramento colorido.”

As tonalidades azul, verde azulado, violáceo e salmão pertencem às rochas mais antigas, surgidas muito antes da formação dos Andes, quando ali ainda era mar. O amarelo e o laranja vêm de períodos mais recentes. As rochas ajudam na identificação dos períodos. Por exemplo, as “pregas” das encostas inclinadas datam de mais de 500 milhões de anos, e foram plissadas pela ação das águas do oceano. Já as formações de arenito, em tons castanhos e cremes, foram moldadas pelo vento e pela chuva.

Em 2001, pegadas de dinossauros foram descobertas em rochas incrustadas de conchas nas Quebradas. “Considero a Montanha das Sete Cores, que conserva as marcas de cada fratura e de cada época, uma verdadeira memória da Terra, um criptograma do tempo”, completa Solis. A geóloga participou da montagem do dossiê entregue à Unesco em 2003, e que serviu de base para que Quebrada de Humahuaca fosse nomeada Patrimônio da Humanidade.

… O repouso do turista

Purnamarca, cidadezinha da região de Humauaca, é o principal centro de apoio ao turista. São freqüentes no povoado as bancas para a exposição e venda do belo artesanato local (acima). Abaixo, uma rua típica de Purnamarca.

O lugar onde caem as estrelas

De volta à estrada, o próximo povoado é Maimara. Seu nome significava para os incas “lugar onde caem as estrelas”. Ali surge a mais bela composição pictórica da Quebrada, a Montanha Paleta do Pintor. Os habitantes da Quebrada, por sinal, são muito festeiros. As festas e ritos populares mesclam tradições indígenas e espanholas, o que deu origem a uma cultura mestiça muito particular e emotiva.

Uma das cerimônias mais expressivas é a Corpachada, que marca o início do novo ciclo agrícola. Ao som das quenas (flautas de bambu), as anciãs das aldeias são convocadas para abrir uma pequena vala no solo. Depois de preces, cantos e bailes sagrados, essa vala é coberta por uma manta. Sobre ela são depositadas chicha (aguardente de milho), coca, sangue de um animal, serpentina e papel picado. Os deuses da terra são exigentes e precisam ser alimentados.

Como os exóticos rituais cultuados pelos nativos, a trajetória para Quebrada integrar a lista de Patrimônio da Humanidade da Unesco também aconteceu de modo bem pitoresco: foram os seus habitantes que, por serem tão conectados a Pacha Mama (Mãe Terra), provocaram a sua inclusão na lista da Unesco.

Revoltados com as obras de um eletroduto que cortava e desfigurava suas belas montanhas, os camponeses invadiam à noite os canteiros de obras e destruíam tudo o que havia sido construído durante o dia. O caso provocou celeuma. Até que os arqueólogos, geólogos e paleontólogos que trabalhavam na região acabaram comprando a briga na defesa dessas montanhas, e se uniram aos agricultores.

… Oásis nas montanhas

Acima, pátio do Hotel los Colorados, em Purnamarca, um dos mais bonitos da região. Ao centro, entrada da Igreja de Santa Rosa de Lima. Abaixo, sentido horário, crianças de Humauaca, mais artesanato regional, e o padre Alonso Matamorros.

Durante quase dois anos, uma equipe multidisciplinar dirigida pelo arquiteto Nestor José reuniu dados para que a Quebrada de Humahuaca fosse listada como Patrimônio. Venceram. “Recebemos o título de Paisagem Cultural Evolutiva da Humanidade. Não se pode congelar o crescimento dos povoados. Queremos um desenvolvimento sustentável para o habitante desse lugar, queremos que cada um seja responsável pela preservação dos recursos naturais e culturais”, afirma.

Com o título outorgado pela Unesco, a Quebrada atraiu muitos turistas, e a população local aumentou de cinco mil para 15 mil em três anos. A vida melhorou para muitos. Ganham mais vendendo sua produção agrícola e artesanal e prestando serviços como guias e motoristas, entre outras atividades. A Quebrada, que antes despedia gente, agora atrai e mantém as pessoas”, sintetiza Nestor.

Como conseqüência secundária, mas não menos importante, a outorga do título ainda contribuiu para uma evolução do conceito de Patrimônio, abriu espaço para uma melhor convivência com os vilarejos vizinhos, criou uma nova disciplina nas escolas para conscientizar as crianças – o Patrimônio –, e até mesmo favoreceu o diálogo entre os diferentes credos ali professados.

Por dominarem a paisagem, montanhas são associadas aos mais elevados valores humanos. É comum em Humauaca ouvir testemunhos de pessoas que foram profundamente marcadas pela natureza local. Isso aconteceu com o pároco do povoado de Humahuaca, o português Alonso Matamorros, que ali chegou em 1998.

Para ele, a região tem uma energia difícil de definir: “Aqui existe algo que me faz ficar. Foi aqui que eu me encontrei comigo mesmo”, confessa o pároco. Na sua opinião, no entanto, o maior patrimônio está nas pessoas de Humauaca. Frutos do cruzamento de muitas etnias, culturas, histórias e religiões, conferem à região uma atmosfera única. “É como estar mais perto do céu. Este é o meu lugar no mundo”, conclui Matamorros.

NOTAS

Segurança dos jornalistas

Cerca de 200 profissionais da mídia de todo o mundo adotaram em Medellin (Colômbia), no dia 6 de maio, uma declaração que lança as bases para uma ampla gama de medidas visando melhorar a segurança dos jornalistas e punir os crimes cometidos contra eles. A declaração expressa a preocupação sobre os ataques contra a liberdade de imprensa, entre eles assassinatos, seqüestros, tomadas de reféns, intimidações e detenções de jornalistas e profissionais de mídia devido à atividade profissional que exercem. Em mensagem por ocasião do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, comemorado no dia 3 de maio, o diretor-geral da Unesco, Koichiro Matsuura, lembrou a importância de se proteger o direito humano fundamental de expressão, previsto na Declaração Universal de Direitos Humanos, e lamentou que 2006, segundo organizações profissionais, tenha sido o ano mais sangrento já registrado, com 150 mortes na mídia.

Diretor-geral condena assassinato de brasileiro

Ainda naquela oportunidade, o diretor-geral da Unesco, Koichiro Matsuura, condenou o assassinato do jornalista brasileiro Luiz Carlos Barbon Filho, que foi baleado por dois homens não identificados no dia 5 de maio, em um bar de Porto Ferreira, a 200 quilômetros de São Paulo. “Eu condeno o assassinato do profissional brasileiro,” declarou Matsuura. “Este ato violento atinge não somente um homem, mas também a liberdade de expressão, um direito humano básico. Eu acredito que as autoridades brasileiras farão o possível para levar à Justiça os autores deste assassinato e os seus mandantes.”

Luiz Carlos Barbon Filho, 37 anos, trabalhou para a Rádio Porto FM, Jornal do Porto e JC Regional. Ele foi assassinado a tiros por dois agressores desconhecidos quando estava sentado num bar perto da estação de ônibus de Porto Ferreira. Em 2003, Barbon Filho descobriu uma rede de prostituição infantil, na qual quatro empresários locais e cinco funcionários públicos da cidade estavam envolvidos. Um prêmio de jornalismo nacional o colocou como finalista daquele ano em reconhecimento a esse trabalho de investigação.

Educação para todos

A Semana de Educação para Todos (EPT), comemorada em todo o mundo entre os dias 23 e 29 de abril, teve como ponto alto no Brasil o debate “Direito à Educação, à Cidadania e ao Desenvolvimento”, realizado, em Brasília, no Distrito Federal. Vincent Defourny, representante da Unesco no Brasil, abriu o debate lembrando que a educação é a chave para o desenvolvimento e explicou que a Semana de Educação para Todos foi criada para chamar a atenção dos países para a importância de melhorar a qualidade do ensino.

Defourny avaliou que o Brasil enfrenta uma grave crise na educação. “Essa crise mostra que o País vive um estado de guerra, que precisa da mobilização de todos os cidadãos brasileiros e estrangeiros que aqui moram. É necessário que todos se comprometam e se juntem a esse movimento pela Educação Já”, alertou.

O senador Cristovam Buarque, ex-ministro da Educação, defendeu que haja uma revolução na educação, a fim de que ela se torne um projeto de nação e seja federalizada: “A meta dessa revolução educacional é que a escola da favela seja igual à do condomínio e que a deste seja semelhante a uma escola da Europa.” Sobre o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), o ex-ministro da Educação elogiou a iniciativa, mas destacou falhas tais como o atual piso salarial dos professores de R$ 850, que deveria chegar a R$ 3 mil, e o financiamento insuficiente.

No evento também foram lançadas duas publicações: Educação de Qualidade para Todos: Um Assunto de Direitos Humanos e o Relatório Conciso do Monitoramento Global de Educação para Todos 2007. Este último apresenta dados internacionais sobre a educação, revelando que ainda existem 77 milhões de crianças fora da escola e 781 milhões de pessoas analfabetas no mundo.

Mais informações podem ser obtidas no site da Unesco: www.unesco.org.br.

Links úteis

• www.unesco.org/photobank/exec/index.htm (Banco de Imagens)

• whc.unesco.org (Lista dos sítios do Patrimônio da Humanidade)

• www.unesco.org/mab/index.htm (Lista de Reservas da Biosfera)

A Unesco recebe imagens do Patrimônio da Humanidade e reservas de biosfera de todos os países do mundo

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